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Como superar a morte do teu animal de estimação

A auxiliar de veterinária e escritora Laura Vidal explica qual é a melhor forma de enfrentar a perda de um animal de estimação, ainda que "não haja dois lutos iguais" e "as pessoas costumam menosprezar a dor"

Um animal de estimação com seu dono no veterinário / PIXABAY
Um animal de estimação com seu dono no veterinário / PIXABAY

Ele está invisível e tem medo. Passa as horas encerrado numa pequena jaula. Come duas ou três vezes ao dia. Não demasiado, mal tem apetite. Para que? Todo o que faz é descansar, dar um passeio de vinte minutos ao fim da tarde, e volta à solidão. Mas uma manhã tudo muda. Uma garota visita-o, emite sons suaves, faz-lhe um par de mimos, sobe-o para um veículo e leva-o a uma casa no meio do campo. No início representa um grande esforço ser carinhoso e mantém-se sentado num canto sem tirar-lhe o olho de em cima. Prudente. Ela quase nunca o deixa sozinho. Nota-se que conta com ele e leva-o a todas partes. E daí passeios! Isto sim que é vida. Vai perdendo o medo e cada vez está mais unido à sua amiga, que é mais alta e diferente e come no ar. Mas ele não a julga. Só a quer. Algumas noites de tormenta, quando ele treme, a jovem deixa-o subir para a cama e acaricia-o. Encantar-lhe-ia ficar a viver nessas caricias, pensa, e solta-lhe um latido. É feliz. Agora são dois. Aos doze anos começa-lhe a falhar a vista. Também nota que as pernas traseiras estâo a fraquejat, mas tenta-o dissimular e mantém a ilusão intacta para não ficar sem passeios. Cumpridos os catorze, o seu coração deixa de bater sobre uma fria mesa metálica enquanto a mulher, recostada sobre seu corpo, chora desconsolada com as suas patas entre as mãos. Poder-se-ia dizer que foi afortunado. Agora é ela quem está sozinha. Tem medo.

"A melhor forma de enfrentar a morte de um animal de estimação é sendo conscientes de que o luto que vamos viver vai ser proporcional ao amor que tínhamos pelo nosso amigo peludo", expõe a auxiliar de veterinária Laura Vidal (Alicante, 1984), também autora do livro Me espera no arcoíris, páginas nas que plasma o duro processo de luto que teve depois de perder os animais com os quais partilhava a sua vida. Desde então, dedica o seu tempo a dar workshops e a ajudar outros a superar a perda dos membros mais peludos da família. Por ocasião da apresentação do seu último livro, Quando já não estás, que também gira em torno do luto, a Consumidor Global entrevistou esta especialista em fazer desaparecer a dor.

'Cuando ya no estás', el último libro de Laura Vidal sobre cómo superar la pérdida de un animal de compañía
'Quando já não estás', o último livro de Laura Vidal sobre como superar a perda de um animal de estimação

--Qual é a cena mais alegre que recorda junto a um dos seus animais?

--Acho que o momento de chegar a casa. Sim, quando chegas a casa, cansada após um dia especialmente longo, e o teu cão te recebe com festas, saltitos, caricias e lambidelas. Sempre vêm te receber, felizes, enquanto o resto da tua família, às vezes, nem se levanta do sofá. E dão-te esse amor incondicional, esse amor sem filtros, sem máscaras, como a querer dizer: "Tu és o mais importante na minha vida".

--Que valores e ensinamento podem dar um cão ou um gato na educação de uma criança?

--Lealdade, nobreza, o amor mais puro… Quando uma criança cresce com um animal desenvolve um vínculo de amizade, de companheirismo, de entender o outro, pese a ser espécies diferentes, de ajuda e respeito. Ao ensinar as crianças o valor que têm os animais, ao lhes ensinar que não somos superiores a eles, a sociedade melhora.

--No geral, os animais de estimação dão mais do que recebem?

--Eu diria que sim. Nós damos-lhes muitas coisas materiais, mas eles dão-nos as coisas que importam para valer. A riqueza não a podes levar no bolso. Esse apoio 24 horas, esse vínculo emocional, esse querer-te por como és, é impagável e é algo muito difícil de conseguir de outra pessoa. Por isso há pessoas que têm um vínculo tão forte com um animal.

La auxiliar de veterinaria y escritora Laura Vidal con un perro en el campo
A auxiliar de veterinária e escritora Laura Vidal com um cão no campo

--Às vezes, mima-se mais aos peludos que a outros membros da família humana…

--O equilibro é aprender deles e deixar de lado a superficialidade. Quando o seu animal falece, muitas pessoas culpam por não lhe darem mais caprichos. Mas, no final, os animais são felizes com as coisas mais simples. Vale mais mil vezes um abraço ou um passeio que qualquer brinquedo ou castelo ao estilo Paris Hilton. São felizes pelo simples facto de estar ao nosso lado. Dá-lhes igual que os leves com uma ou outra trela. Eles ensinam-nos a fugir de toda essa banalidade.

--O que sentiu quando perdeu o seu primeiro cão, Galo?

--Quando perdi Galo senti-me como se me arrancassem uma parte do coração. Senti dor física no meu corpo. Foi-se o meu melhor amigo, o princípio da minha família. Galo acompanhou-me desde que sai de casa até que tive o meu primeiro filho. A minha família começou com ele. Quando perdi Galo despedi-me de uma etapa da minha vida.

Laura Vidal con su primer animal de compañía, su perro Galo
Laura Vidal com o seu primeiro animal de estimação, o seu amigo peludo Galo

--Qual é a melhor forma de enfrentar a morte de um animal querido?

--Sendo conscientes de que o luto que vamos viver vai ser proporcional ao amor que tínhamos pelo nosso colega peludo. Dando-nos permissão para chorar, estar tristes e passar por cada etapa, a cada fase do processo. O mais importante é entender que, ainda que o seu ser amado já não esteja, essa relação baseada no amor continua viva e acompanhar-te-á por e para sempre.

--Que factores influenziam a dureza de um luto?

--No final é como o luto por uma pessoa. Que a morte seja trágica, inesperada. Que seja uma morte evitável de um animal jovem, ou violenta, influencia. Não é o mesmo gerir a perda de um cão de 18 anos que morre a dormir, que a de um cão de 3 anos que morre atacado por outro. Este aspecto e a relação que mantínhamos com o animal é o que mais dificulta o luto. Vêm-me pessoas mais idosas, que tinham o cão como única companhia, e dizem-me que perderam a força para sair à rua. Isso é duro.

--Se não há dois lutos iguais, como se pode ajudar cada pessoa a superar o seu?

--Fazendo um trabalho muito pessoal. Falando e aprofundando. Vendo que é o que a prende, que é algo diferente em cada pessoa. Se há sentimento de culpa ou algum tipo de e se… Para ajudar uma pessoa a superar o seu luto há que ver qual é a emoção que não sabe gerir e acompanhá-la. A ajuda é sobretudo isso: estar a seu lado e mostrar-te algo se não és capaz do ver. Mas o caminho não o posso percorrer por ti. Também há pessoas que não aceitam o que passou. Não querem viver essa tristeza e escondem-a.

La muerte de un animal de compañía / PIXABAY
A morte de um animal de estimação / PIXABAY

--A sociedade entende um luto animal?

--Não, à sociedade custa-lhe entender um luto normal. Vivemos de costas para a morte. É tabu. É algo que não te ensinam na escola. Por isso quando chega o primeiro luto não o sabes gerir. Desconheces as fases e não sabes se é normal como te sentes. Se a isso lhe acrescentas que há lutos que se consideram de segunda, como pode ser um aborto, o de um animal, ou inclusive um suicídio, nestes casos não se tem o mesmo entendimento do meio.

--Incomprensão face à dor?

--As pessoas costumam menosprezar a dor. Dizem-te coisas do tipo "é só um cão", "compra outro", "não faças um drama" ou "não sejas exagerada". E isto gera mais dor ainda. Um dos sentimentos mais importantes no luto é o da validação. E aqui acontece tudo ao contrário. Olham-te como se estivesses louco. No luto precisas falar do que aconteceu, mas as pessoas não quer escutar porque não sabem gerir a dor: olham-te com olhos de horror, não sabem o que dizer, e vão-se.

--Sabem cães e gatos o que sentíamos por eles?

--Sim, eu acho que sim. Os animais não deixam de demonstrar que percebem muitíssimas coisas: são capazes de perceber uma pessoa com cancro, diabetes ou coronavirus. São mais intuitivos. Percebem as coisas importantes. Eles simplesmente sentem o teu amor, sabem que os queres e não se questionam nada mais. Ao mesmo tempo, sabem, por instinto, que pessoa gosta dos animais. São mais sensitivos.

Un perro recién fallecido en el suelo / PIXABAY
Um cão recém falecido / PIXABAY

--É melhor retirar todas as coisas do animal de estimação o quanto antes?

--Não é bom deixar todas suas coisas, porque é uma forma de negação, como se nada tivesse passado, e também não é bom retirar tudo porque é outra forma de negação. Há que fazer uma selcção e ver que coisas nos podem ficar de lembrança porque nos tiram um sorriso ou porque nos dão algo de positivo. O resto de coisas é melhor doá-las a uma associação. Nem deixá-lo tudo e que pareça que continua aí, nem fazer como se não tivesse existido. Nunca há que se tampar os olhos. O luto, por desgraça , há que o fazer para o aceitar e o superar.

--Quando se pode adoptar ou comprar outro animal de estimação?

--Eu sempre digo que, para adoptar outro animal, em 99% dos casos, o aconselhável é esperar a ter o luto muito encaminhado ou facto. Como saber se é uma boa ideia? Perguntando-te por que queres adoptar. Quando as respostas estejam relacionadas com o medo, a sofrer, a estar sozinha, a que meus filhos o passem mau. Eu descartá-lo-ia. Se vão na linha "eu quero partilhar a minha vida, tenho muito amor para dar", ou "quero salvar um que o passe mal"', aí sim pode ser uma boa ideia. Adoptar um animal tem que ser uma escolha e não uma necessidade. Se estás sozinha, não o fazes por escolha mas sim por necessidade. O recomendável é superar a dor e a tristeza, e depois adoptar porque queremo-lo e não para tapar um luto ou uma ausência.

--Para vão os cães quando morrem? Que é deles?

--Eu acho que após a vida há algo mais. Não estamos por estar e nos apagamos. Vamos a outro lugar. Quando vimos, vimos para viver uma experiência. Os animais vêm com muitas mais lições aprendidas que nós. Por isso têm uma vida mais curta. Não precisam de tanto tempo para aprender. O tempo que partilhamos com eles muda-nos, dá-nos lições, mas quando se vão continuam, de alguma forma, em nós. Passam de viver a nosso lado a viver dentro de nós, porque não seríamos os mesmos se não tivéssemos passado esse tempo com eles. Forjam o nosso carácter.

--Qual é a cena mais triste que recorda junto a um de seus animais?

--A cena mais triste que vivi foi com minha cadela Minnie. Levei-o muito mal. Ela estava muito saudável, mas apanhou uma doença que nunca chegamos a reconhecer, e num mês não tinha nada que fazer. O momento mais triste foi quando lhe puseram a injeçao. Nunca esquecerei essa olhada. Eu estava a seu lado, amparei-lhe a cabeça entre as mãos, colei-me a ela e a acompanhei até que respirou pela última vez.

Laura Vidal jugando con sus animales de compañía y miembros de su familia Galo y Minnie
Laura Vidal jogando com dois membros da sua família, Galo e Minnie

 

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