Sobe o valor vinil e valoriza-se 25% num ano: "Há mais procura que oferta"

Os LPs ressurgem em tempos de pandemia e a indústria discográfica aproveita para subir os preços

pinkfloyd
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Nora retira o pó da capa e aparece o rosto jovial de Bob Dylan em preto e branco. Coloca o vinil no prato e gentilmente coloca a agulha sobre uma das ranhuras. Enquanto soam os primeiros compases de The Times They Are a-Changin', senta-se no sofá, dá um gole no copo de vinho de que se serviu anteriormente e lembra a história que sempre lhe explicavam os seus pais, daquela tarde de 27 de junho de 1984 na qual se conheceram num concerto de Dylan celebrado no estádio do Rayo Vallecano. E sorri entre lágrimas. Desde que se viu obrigada a passar mais tempo que nunca em casa, gosta de seguir o mesmo ritual ao acabar o teletrabalho: tirar o pó de um dos velhos LPs e o faz girar no gira-discos que arranjou e herdou dos seus progenitores. Aos 34 anos descobriu que a música pode ser tocada e sentida. "Todo passa e tudo permanece", pensa.

"Ao estar em casa muitas pessoas recuperaram o antigo gira-discos que não utilizavam. Dedicámos o tempo que o vinil exige", expõe à Consumidor Global Carles Pascual, proprietário da loja Revólver Records, em Barcelona, que, tal como outros colegas do setor, afirma que com a pandemia os LPs experimentaram uma nova recuperação e que as discográficas aproveitaram para subir preços.

O vinil nunca morre

"Há muitas pessoas que estão a voltar ao formato físico, e o vinil é o rei. Não tem concorrente", explica Roger Geli, dono da Daily Records, loja especializada em singles de sete polegadas de música negra, psychobilly, punk rock e hardcore, entre outros géneros. No geral, a clientela das lojas de vinis é uma clientela fiel que ultrapassa os quarenta anos, ainda que haja sempre há excepções.

Também há jovens que herdaram a colecção do pai e "se animam ao descobrir este prazer desconhecido para eles", explica Antoni Roig, especialista em cultura audiovisual e professor de Ciências da Informação da Universitat Oberta de Cataluña (UOC). Ao mesmo tempo, várias fontes do setor afirmam que para eles era impensável poder sobreviver sem o cliente estrangeiro, mas que as pessoas têm apoiado muito o comércio local e graças a eles continuam "aqui".

Os preços sobem

Em média, comprar um vinil novo era mais cinco euros barato antes da pandemia. "Como estamos em ascensão as grandes discográficas aproveitam para disparar os preços", queixa-se Manel Platas, proprietário da Discos Revólver, que afirma que no início de 2020 o preço médio de um vinilo era entre 19 e 20 euros, enquanto agora as novidades costumam estar à volta dos 24 euros.

Quais são os motivos desta forte subida? "Há mais procura que oferta. Não se pode satisfazer toda a procura", explica Pascual. Parte da culpa está nas limitações de fabrico durante a pandemia e o Brexit.

La fachada de la tienda de vinilos Daily Records / CG
A fachada da loja de vinis Daily Records / CG

Os mais vendidos

O que mais se vende são reedições de clássicos como Pink Floyd, Led Zeppelin ou os Beatles, "inclusive mais que as novidades", aponta Pascual. Em Espanha, algumas tiragens de vinis estagnaram e são tão curtas que quase tudo se vende na pré-venda. Pelo contrário, "nos Estados Unidos e no Reino Unido o número de novos lançamentos aumentou muito", diz Roig.

Também é importante destacar que todas estas lojas têm uma ampla seção dedicada aos discos em segunda mão, que representam cerca de 50% do total de vendas e cujo preço oscila entre os quatro e os oito euros. Ainda que também há primeiras edições, raridades e peças únicas pelas quais se podem pagar até 150 euros.

Manel Platas, propietario de Discos Revólver, muestra orgulloso una primera edición firmada del grupo de metal nacional Magia Negra / CG
Manel Pratas, proprietário da Discos Revólver, mostra orgulhoso uma primeira edição assinada do grupo de metal espanhol Magia Negra / CG

O ritual melomaníaco

Entrar numa loja destas é como teletransportar-se para um filme de Woody Allen no qual Diane Keaton vaculha entre as estantes cheias. Soa Into My Arms de Nick Cave quando um novo cliente entra na Revólver Records e pergunta se a seção de vinis está aberta. Ao subir uma estreita escada, a voz de Cave desaparece e entra em um oásis onde pode passar a tarde na companhia de Reed, Hendrix, Cobain e Winehouse. Porque a pesquisa, num escrupuloso silêncio, também faz parte da experiência. E se é necessário, as prateleiras do chão atarracado são embaralhadas.

Uma vez encontrado o tesouro chega a melhor parte. "Escutar um vinil é como ir ao cinema. É um compromisso no que colocas os cinco sentidos. É uma experiência imersiva, e os saltos do vinil são pequenas imperfeições que o convertem numa experiência única", afirma Roig. É que um vinil é bem mais que música. É o pó que se acumula na capa. É o dia em que a tua mãe deu ao teu pai na primeira visita de Dylan a Espanha. São todos os momentos vividos na sua companhia. Porque não é nostalgia, são emoções.

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