Para além do efeito do açúcar, das gorduras --ambas negativo-- e das proteínas --estas em positivo-- sobre a saúde há um tema que anda na crista da onda há muito tempo: o colesterol no sangue e, em relação com ele, a quantidade de ovos que não se devem consumir por dia ou por semana. Poucos temas reuniram tanta literatura científica explorando as relações deste binómio com o risco cardiovascular, a diabetes e, no general com a mortalidade por qualquer causa.
Esta profusão de estudos permite concluir, sem margem para dúvidas, que os conselhos actuais são muito diferentes dos conselhos popularizados nos anos 70 e que marcaram duas gerações.
A origem: o colesterol é o inimigo
Sem entrar em demasiado detalhe, fruto das investigações lideradas pelo conhecido fisiólogo e epidemiólogo Ancel Keys (pai putativo do que depois se conheceu como "dieta mediterrânica") pode resumir-se que lá pelos anos 50 do passado S XX começou a estabelecer-se uma relação negativa entre a concentração de colesterol na corrente sanguínea e o risco cardiovascular. Os resultados parciais do Estudo dos sete países (verdadeiro germen da mencionada "dieta mediterrânica") publicados nos anos 70, originou uma importante corrente científica na qual se observou o colesterol como um temível inimigo a combater, fosse colesterol sérico -o do sangue- ou dietético (o presente nos alimentos).
Neste contexto, em 1973 a American Heart Association (AHA) publicou um documento de consenso no qual se animava a desterrar o consumo de ovos ou, em todo o caso, a não ultrapassar a quantidade de 2 ou 3 unidades por semana. A razão esgrimida era clara: este alimento era (e é) uma das maiores fontes de colesterol da dieta. Ademais, desde o nascimento das conhecidas como Guias Dietéticas para Norte-americanos (1980), todas as reedições --a cada 5 anos-- incluíram, até a de 2015, a recomendação de limitar a ingestão de alimentos ricos em colesterol e, por isso, de ovos.
Hoje: o colesterol dietético é só um ator secundário
Se há uma coisa que a ciência tem, é o facto de não ser religião. Por outras palavras, o conhecimento científico é sinónimo de progresso, de melhor conhecimento. Não é imóvel, está constantemente a ser revisto e, em virtude de novas descobertas, o que pode ser recomendado hoje não coincide necessariamente com o que era recomendado há alguns anos. Foi o que aconteceu com o valor isolado do colesterol no sangue e com a quantidade de colesterol nos alimentos, incluindo, naturalmente, os ovos.
Assim, com base nas actuais provas científicas, é amplamente aceite que:
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O valor isolado do colesterol no sangue, só do colesterol, não tem uma relação destacada com o risco de sofrer uma doença vascular.
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No seu lugar, actualmente, dá-se por verdadeiro que a proporção no sangue das diferentes lipoproteínas que transportam o colesterol, isto é, as conhecidas como LDL e HDL principalmente, bem como a quantidade de triglicéridos, são o melhor predictor do risco cardiovascular no que refere à lipidemia (concentração das diferentes fracções lipídicas no sangue).
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Por um lado, o aumento do chamado "colesterol mau" (em realidade das lipoproteínas LDL) e dos triglicéridos é um mau presságio e, por outro lado, o incremento do "colesterol bom" (lipoproteínas HDL) conta como elemento protetor.
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Os alimentos (incluído o ovo) não têm LDL nem HDL já que estas são moléculas que se formam no marco fisiológico da cada indivíduo. Os alimentos "só" têm mais ou menos colesterol e se contrastou que a maior ou menor presença deste na dieta tem um efeito mais limitado que os que se cria anteriormente no colesterol total, e na formação das LDL e HDL.
As recomendações atuais
Apesar do dito, as recomendações oficiais e das instituições especializadas não são tão unânimes como gostaríamos. Conquanto é verdade que o panorama se suavizou de forma importante com respeito ao papel do colesterol nos alimentos --já não é conceituado com o temor ou inclusive com o pavor que suscitava há uns anos-- os estudos mais recentes não são de todo coincidentes. Não obstante, se queres saber que é o que se propõe nas recomendações mais actualizadas com respeito ao prognóstico de saúde e o consumo de ovos, segue os seguintes links:
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A mismísima AHA sustenta que o consumo de até um ovo diário pode ser saudável, para quem goste de comer ovo e no marco de uma dieta também saudável.
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Ainda que não menciona uma quantidade concreta (nem para restringir nem liberar o consumo de ovos) as últimas Guias Dietéticas para Norte-americanos (2020-25) referem o ovo como um alimento rico em nutrientes que podem fazer parte de um padrão alimentar saudável.
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A Associação Européia de Cardiología faz poucas referências a respeito da dieta e a saúde cardiovascular, não obstante afirma de forma textual: "Incluir alimentos que contêm colesterol de forma natural (por exemplo, ovos, mariscos e vísceras) tem menos impacto nos níveis de colesterol no sangue que comer alimentos com alto teor de gorduras saturadas".
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Uma das últimas revisões sobre o tema, de 2024 e relativa à população noruega, termina por afirmar que, com o que hoje se sabe, é muito improvável que o consumo de até um ovo diário tenha efeitos negativos sobre a saúde.
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Por último, uma das maiores revisões que se fizeram sobre o consumo de ovos e a mortalidade por qualquer causa, sustenta que o consumo de até um ovo diário é compatível com um padrão de alimentação saudável.
O que é melhor do que controlar o colesterol da dieta (e os ovos)
Tal como se apontou, parece que há questões infinitamente mais importantes pelas quais se preocupar, antes que o colestrol dos alimentos e mais especificamente nos ovos. Desta forma, seja para a prevenção da doença cardiovascular ou para outras condições não transmisíveis (diabetes, cancro, obesidade, etc):
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Mantém um padrão de vida fisicamente ativo,
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Consome, pelo menos, cinco porções por dia de alimentos vegetais, tipicamente frutas, verduras e hortaliças,
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Recorda, os legumes são amigos, não inimigos,
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Evita os derivados de carne, bem como os produtos ultraprocessados,
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Igualmente, evita os hábitos tóxicos como o fumar e o consumo de bebidas alcoólicas e,
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Preocupa-te em manter uma adequada saúde social e emocional.