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Do atum, até o semen: as surpreendentes propriedades do leite que usa Ángel Léon

O cocinero de Aponiente apresentou no festival de gastronomia de San Sebastián um queijo feito com líquido seminal de peixe que os experientes analisam

Núria Messeguer

atun

Encrespar o encrespo. A alta cozinha baseia-se em isso, em provar, experimentar e chegar a mais. San Sebastián Gastronomika é um expoente desta ousadia por romper os limites e as tradições vinculadas à gastronomia. Durante três dias, centenas de chefs juntam-se para compartilhar ideias e apresentar suas novas propostas. Muitos platos têm saído da capital donostiarra, mas só um tem acaparado todos os titulares. E não é para menos. Trata-se do queijo camembert elaborado com semen de atum --a última proposta do chef Ángel León--, o lacticínio que não deixa a ninguém indiferente.

Dantes de julgar há que entender. Ángel León, oriundo de Jerez da Fronteira (Cádiz), é o proprietário e chefe de cozinha do restaurante Aponiente, no Porto de Santa María, ganhador de três estrelas Michelin e três sóis Repsol. León tem um objectivo muito marcado em sua cozinha: substituir os alimentos terrestres para encontrar sua versão marinha. Por isso, há quem o apoda como o chef do mar. Seu trabalho vai para além dos fogones: em seu laboratório, com sua equipa de experientes, pesquisa todo o que há baixo as águas com o máximo rigor científico, nada se deixa a esmo e o que se serve em seus platos está meticulosamente estudado. Mas como se faz um queijo de semen? E, antes de mais nada, que particularidades tem este leite marinho?

Encontrar algo alvo no mar

Versionar o aperitivo de toda a vida não é nada fácil, e mais se a premisa é que todos os ingredientes têm que ser de origem marinha. Não obstante, Aponiente conseguiu-o. Após achar a alternativa ao presunto, as azeitonas já têm seu queijo marinho, ainda por cima é um camembert. Segundo explicou o reputado chef durante as jornadas gastronómicas vascãs, ele e sua equipa estavam a procurar um alimento branco no mar que fosse similar ao leite, mas está busca se lhes estava resistindo; demasiado precisa para poder improvisar. Por isso, optaram por provar com algo conhecido: as huevas de leite do atum. Apesar do revuelo que gera este ingrediente, segundo assinala Mario Sánchez, tecnólogo dos alimentos, "não é nada novo, se leva muito tempo consumindo a lecha de diferentes peixes". Ademais, este experiente sustenta que lecha é o nome mais acertado para todo aquilo que tenha que ver com o fluído seminal dos peixes, não obstante entende que "o chamar semen é muito jugoso".

Júlia Mestre, exalumna do Basque Culinary Center e cocinera no restaurante LABe, coincide com Sánchez, "o do semen pode soar muito anecdótico, mas ao final não há que esquecer que é uma espécie de huevas ". De facto, na actualidade, as huevas de atum vermelho são um autêntico manjar, seu preço oscila segundo a temporada, não obstante, um quilo destas pode atingir os 144 euros.

Como se extrai o semen de atum?

O jornal Wall Street Journal incluiu a Aponiente entre os dez melhores restaurantes de Europa, e o New York Times considerou-o um dos "10 restaurantes do mundo pelos que vale a pena tomar um avião", de modo que o processo de elaboração do queijo de esperma de atum não é nada que se tenha deixado a esmo. "O esperma de atum pode-se extrair no momento de desove e masajeando a tripa do animal", explica Santiago Campillo, biólogo molecular e divulgador científico em Vetor Divulgação.

Uma vez tem-se o líquido, a equipa de Aponiente injecta a lecha num fungo de camembert e trabalha com uma alga que coagula a mistura, dando como resultado um queijo com um marcado sabor de salazón marinho.

O queijo do semen de atum / APONIENTE

Pode-se considerar um queijo?

"A legislação recolhe muito bem o que é o queijo, e neste caso não estamos ante um", explica a Consumidor Global Sánchez. A seu julgamento, todo o queijo deve ter leite de origem animal para "denominar-se queijo" e neste caso o produto está feito a base de algas, huevas seminales e o fungo de camembert.

Nutricionalmente, as huevas de atum são muito interessantes. Segundo Sánchez, "são um alimento altamente proteico, com uma concentração aproximada do 25 % de proteínas , segundo a espécie. Quanto a gorduras , o conteúdo é muito baixo, e o hidratos de carbono é praticamente inexistente. Destacam alguns micronutrientes como o yodo, sodio, fósforo e selenio, como muitos alimentos e derivados do mar". Para este experiente, as huevas de atum podem-se "considerar uma matéria prima saudável".

Vários atunes pescados / PIXABAY

Não é o primeiro em cozinhar com semen

Desde Melbourne a Estados Unidos serve-se cru, seco, graso, à grelha ou marinado com tomate. Os grandes chefs, artífices de muitos dos novos usos do atum, conhecem como a palma da mão suas partes, suas qualidades, sabores e texturas. E, ainda que possa parecer inovador o queijo de semen de atum, se atira-se de hemeroteca um comprova que outros cocineros já têm provado de elaborar suas platos com ela. Pepe Melero, do restaurante O Campero de Barbate, um dos templos nacionais desta carne de mar, sabe que do atum, como do porco, se aproveita tudo. E em seu menu já contou anos atrás com uma piruleta a base do líquido seminal do peixe.

Em Japão também é um plato conhecido, lhe chamam shirako que significa "meninos brancos", um eufemismo para denominar aos espermatozoides do peixe. O esperma do shirako procede de vários pescados, sendo os mais frequentes o de pulpo, de peixe balão (fugu), de rape e de bacalhau. Trata-se de uma autêntica delicatessen da cozinha nipona, já que o plato custa entre 300 e 500 euros por ración. E, ainda que em ocidente comer semen de atum pode resultar estranho, Sánchez recorda que "os humanos também consumimos ovos e ao final não deixam de ser gallinas sem fecundar".

É necessário?

"Quando se faz uma investigação destas magnitudes, se tem que fazer um cómputo entre o que um gasta em produzir versus o rendimento e valor que possas ter. E em muitos aspectos da cozinha, o procedimento tem um custo muito maior do que realmente contribui", considera a cocinera Mestre, quem acrescenta que "no caso do queijo do semen acho que este cómputo é desigual". Não obstante, Mestre indica que "dado que este alimento o apresentou num congresso, o entendo mais, já que ao final num evento assim estás forçado a apresentar algo novo e rompedor. É a dinâmica".

Sánchez, tecnólogo dos alimentos, opina que a exploração de novos ingredientes no mar "me parece muito apasionante, ainda que neste caso me intriga e inquieta a partes iguais". Ainda assim, o tecnólogo defende o queijo, já que "qualquer inovação tecnológica que se faça com os alimentos me parece interessante", conclui.