Na 35ª edição de Infarma, o congresso farmacêutico mais influente de Europa e o termômetro do sector, as conversas dos profissionais têm oscilado entre a incerteza pelo desabastecimiento, a escalada de preços, uma transformação digital ainda incipiente e a explosão da nutricosmética bem como dos fármacos para emagrecer.
Camila do Vale Cárdenas, farmacêutica com uma ampla experiência no sector, expôs com franqueza as dificuldades que tem enfrentado o fornecimento de certos medicamentos. O metilfenidato, chave no tratamento do Transtorno por Déficit de Atenção e Hiperactividad (TDAH), sofreu uma notável escassez no final do ano passado, uma problemática que gerou incerteza e dificuldades para os pacientes que dependem dele. "O que passa é que era um medicamento que não se pode mudar por outro", sublinha, evidenciando a rigidez do sistema ante a falta de alternativas terapêuticas.
Impacto direto nos bolsos
A equação é tão simples como cruel; se um medicamento não está disponível, o paciente não pode aceder a ele. Mas quando existem alternativas, a diferença de preço se converte numa barreira insalvable.
"Ozempic custa 123 euros, enquanto Wegovy ascende a 273", detalha Do Vale, deixando claro como a disponibilidade de certos fármacos está condicionada pela capacidade económica do consumidor. "Se um medicamento desaparece e o paciente deve recorrer a outro mais caro, o impacto sente-se", assinala.
A app FarmaHelp para mitigar o problema
Para mitigar estes problemas, algumas iniciativas tecnológicas estão a emergir. Por exemplo, tal como conta Do Vallese, se implementou FarmaHelp, um aplicativo que liga às farmácias e permite localizar medicamentos em tempo real. "Ajuda-nos a encontrar estoque quando há disponibilidade, mas quando um medicamento leva muito tempo sem estar no mercado, não há app que o solucione", lamenta.
O problema vai para além de um caso pontual. Nos últimos anos, a falta de medicamentos converteu-se num fenómeno recorrente. A indústria assinala factores como a dependência de matérias primas estrangeiras e problemas na corrente de fornecimento. Do Vale admite que, na farmácia, a resposta à pergunta do porquê destas faltas é sempre a mesma: "Não o sabemos".
A febre dos fármacos para emagrecer
No outro extremo do espectro, alguns produtos têm atingido níveis de demanda sem precedentes. "Agora mesmo, os medicamentos para emagrecer são os mais solicitados", revela a farmacêutica. Num mundo onde a obesidad é considerada a grande pandemia do século XXI, a busca de soluções rápidas tem disparado o consumo de fármacos como Ozempic e Wegovy. "Todo mundo quer emagrecer, mas sem fazer muito esforço", comenta com certa ironía.
Seu sucesso comercial, no entanto, não só responde a uma demanda crescente, sina também à aspiração da sociedade contemporânea de atingir regulares estéticos sem alterar radicalmente seus hábitos de vida.
Este fármaco também está auge e é "o mais revolucionário do ano"
Se há um área que também está a experimentar um auge, é a da nutricosmética. "É o mais revolucionário do ano", afirma Elena Morais, outra das farmacêuticas presentes em Infarma. Este segmento, que combina nutrição e dermatología, responde a uma demanda crescente de produtos que não só prometem beleza externa, senão benefícios desde dentro do organismo.
Mais especificamente, trata-se de um tratamento de cuidado pessoal baseado em ingredientes naturais que combina alimentação e produtos cosméticos onde os princípios ativos ajudam a realçar a beleza natural de nosso cabelo e nossa pele. Desta maneira, num mercado obsedado com a imagem pessoal e o bem-estar, a nutricosmética perfila-se como uma das áreas com maior crescimento no sector.
A telemedicina ainda é limitada
Enquanto a telemedicina e a digitalização avançam em outras áreas da saúde, as farmácias ainda navegam estas águas com cautela. Morais explica que o impacto da teleasistencia é ainda limitado. "Não o notamos demasiado. É verdadeiro que as grandes farmácias estão a incorporar mais serviços digitais, mas em general a transformação é lenta", declara.
O que sim tem mudado é a forma na que os clientes interactúan com os farmacêuticos. "A cada vez mais gente chama por telefone para perguntar sobre tratamentos, produtos ou dúvidas de saúde", explica a farmacêutica.
"Os sanitários mais acessíveis e menos valorizados"
Para além dos reptos logísticos e as tendências comerciais, Morais enfatizou uma questão de fundo: a subestimación do papel do farmacêutico no sistema de saúde. "Somos os sanitários mais acessíveis para a população, mas nosso labor segue estando pouco valorizada", denúncia.
Num contexto onde a atenção primária enfrenta limitações e onde a farmácia, como ponto de consulta rápida e eficaz, segue sem receber o reconhecimento que merece. Seu labor segue sendo vista como um serviço comercial dantes que como uma eslabão essencial do sistema sanitário.