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Os 'superalimentos' ou o perigo de acreditar de olhos fechados em tudo o que dizem os rótulos

Os nutricionistas asseguram que produtos como as sementes de chia ou a quinoa são saudáveis, mas carecem de propriedades que os façam especiais

Mónica Timón

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Kale, maca, espirulina, chía ou quinoa. Estes produtos de nomes exóticos estão na crista da onda de uma corrente de alimentação e vida saudável que já dura há anos. São os chamados superalimentos, isto é, comestíveis aos quais são conferidas propriedades nutricionais especialmente valiosas para a saúde, às vezes quase mágicas, como superar doenças ou inclusive rejuvenecer.

Ainda que sua popularidade seja inegável, merecem realmente a fama que ostentan? É verdadeiro que a alimentação tem uma estreita relação com a saúde, mas não se deve cair na armadilha de achar que um ingrediente sozinho pode compensar uma má dieta ou uma vida caraterizada pelo sedentarismo.

Um golpe publicitário

"Os superalimentos não têm propriedades milagrosas, curativas ou preventivas", afirma Helios Casal, professor de nutrição na Universidade Européia. A confusão produz-se porque não existe nenhuma definição oficial nem critérios estabelecidos para considerar um comestível como tal, pelo que "qualquer marca ou loja pode pôr o rótulo de superalimento no produto que queira", afirma Casal. Trata-se de um termo que se posiciona mais no âmbito da publicidade que no da nutrição. E aí reside a confusão. Por isso, os consumidores "devemter cuidado ao acreditar que um alimento tem a capacidade de modular a saúde", acrescenta.

Na opinião de Leticia Marín, dietista-nutricionista da Clínica Umami, esse nome é incorreto por tratar-se de uma "alegação publicitária". Ao seu consultório em Burgos chegam pacientes com a crença generalizada de que, por incorporar um superalimento na sua alimentação, esta se converte de forma automática em saudável. "A publicidade condicionou-nos tanto nas nossas escolhas alimentares que é difícil perceber que essa não é a realidade", explica. A especialista afirma que não serve de nada comer muita quantidade de um destes produtos se se combina com ultraprocessados de baixa qualidade nutricional.

Que parte é verdade?

Também não se deve demonizar estes comestíveis, pois alguns podem ter uma contribuição um pouco maior em certos nutrientes. "Estes ingredientes não são imprescindíveis. Trata-se de uma alternativa mais para desfrutar da variedade alimentar, mas sem deixar de lado outros grupos de comida", acrescenta Marín. O problema é que a falta de regulação européia e nacional sobre que produtos podem levar esta etiqueta acaba por confundir o consumidor sobre as suas propriedades. Casal  exemplifica com as bayas de goji, às quais se tem atribuído propriedades quase milagrosas, como a prevenção do cancro, e cujo uso se estendeu há anos. "Se o mito se transforma em ciência, pode-se ter a certeza que contribui com vitaminas, compostos antioxidantes e fibra, mas é mais relevante para a saúde incluir estes nutrientes diariamente por meio de frutas e verduras", enfatiza.

Alimentar este mito pode inclusive chegar a repercutir no bem-estar. "É perigoso pensar que por consumir um superalimento vamos prevenir ou curar uma doença", alerta o professor Casal. Além disso, determinados produtos podem produzir algum risco adicional. É o caso da espirulina, um ingrediente muito utilizado na dieta vegetariana pelo seu conteúdo em proteínas. "O problema é que fornece vitamina B12 inactiva, isto é, o nosso organismo não a pode utilizar, o que pode provocar algo mais grave", lamenta este especialista.

Direito a uma informação verdadeira

Ainda que se abuse do termo superalimento para vender mais, se estes alimentos  encontram-se no mercado é porque a sua segurança está garantida. Inserem-se no grupo que a União Européia reconhece como Novos Alimentos ou Novel Foods. Isto é, aqueles cujo consumo não estava difundido na UE antes de 1997. Esta legislação protege os consumidores ao assegurar uma qualidade mínima e evitar uma possível fraude em relação às suas propriedades. No entanto, a denominação de superalimento viola o regulamento espanhol sobre práticas informativas justas na comida. A Agência Espanhola de Segurança Alimentar e Nutrição (AESAN) faz questão de que este termo superlativo seja considerado uma declaração nutricional não autorizada, pelo que seu emprego no rótulo ou na embalagem "não se ajusta ao regulamento vigente". Também se entende que poderia dar lugar a dúvidas sobre a segurança ou a adequação nutricional de outros produtos, ao atribuir-lhes propriedades excecionais. "O que realmente importa não é o consumo de um ingrediente específico, mas sim o facto de ter uma dieta variada e equilibrada", acrescenta este organismo.

Manuel López é cozinheiro na escola toledana Cozinhar-te. Nas suas receitas, este chef inclui com frequência superalimentos como a quinoa, o amaranto ou as sementes de chia. "Com a quinoa costumo fazer ensopados, saladas ou salteados e com o amaranto cozinho desde pipocas com curry até falsos risottos", conta o cozinheiro à Consumidor Global. Na sua opinião, incluir nos pratos produtos exóticos como os mencionados dá variedade. No entanto, López reivindica um maior uso do superalimento espanhol por excelência: os legumes. "Acho que estamos a deixar um pouco de lado este grande grupo de alimentos e deveríamos valorizá-lo mais", conclui.