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Esta discográfica resgata compositoras esquecidas: "Na música clássica a desigualdade é atroz"

95% dos concertos das orquestras sinfónicas são dirigidas por homens homens e só 1% das obras programadas são de mulheres

Ana Carrasco González

Charlotte Sohy aos 22 e 45 anos, uma das compositoras esquecidas / Presença Compositrice

"É um dos âmbitos onde as mulheres estão mais esquecidas. É o que acontece também na literatura. Mas, pouco a pouco, vão-se abrindo espaço a muitas escritoras. pelo contrário, na música clássica a desigualdade ainda é atroz", afirma Maider Rodríguez, da associação Clássicas e Modernas. De facto, 95 % dos concertos das orquestras sinfónicas são dirigdas por homens, apenas 1 % das obras programadas são de compositoras e unicamente 23% dos concertos com uma solista são dados por uma mulher.

Assim o revela o estudo titulado Onde estão as mulheres na música sinfónica?, no qual participou a associação mencionada junto à Fundação SGAE, e a associação Mulheres na Música, que analisa a presença de mulheres músicas durante a temporada 2018/2019, a última da qual há dados. Mas, se atualmente os números são devastadores, antes era pior. Por isso, a editora discográfica La Boîte à Pépites encarregou-se de resgatar compositoras esquecidas.

O projecto

Héloïse Luzzati, violoncelista e fundadora da Elles women composers, centro de investigação e difusão da obra de mulheres compositoras, explica à Consumidor Global que este projecto nasceu com a criação de um canal de vídeo, com o fim de descobrir a vida de mulheres compositoras em diferentes formatos, desde um documentário até desenhos animados. "O festival Um Temps pour Elles lançado em 2020 também contribuiu para o desenvolvimento do projecto. E finalmente, o lançamento neste ano da editora discográfica La Boîte à Pépites foi um tremendo acelerador para a nossa organização", destaca.

Algumas compositoras esquecidas que a discográfica La Boîte à Pépites resgata / Instagram A Boîte à Pépites

"Há uns anos, a questão do papel da mulher na história da música começou a assumir uma certa importância na minha vida. Como pude ter passado tantos anos sem nunca ter tocado uma peça composta por uma mulher?", pergunta-se Luzzati. "Longas horas dedicadas à leitura de manuscritos ou edições originais permitiram-nos desenterrar peças que nos pareciam merecedoras de um bom lugar no repertório musical regular. Neste terreno fértil, o nosso desejo, inclusive a nossa convicção da absoluta necessidade de partilhar estas obras foi-se fortalecendo", comenta.

Discos e preços

No passado dia 22 de abril, foi lançado o primeiro álbum composto por três CDs com composições de Charlotte Sohy, quem deu vida a 35 obras, compostas por todas as formações musicais e ainda hoje inéditas. "Trata-se do primeiro volume de uma colecção destinada a destacar as obras das compositoras", sublinha a discográfica. O seu preço é de 19,99 euros.

Tal como assegura Luzzati, a receção deste primeiro disco superou as expectativas com mais de um milhão de streams nas plataformas, um lançamento no Reino Unido e Estados Unidos, e também umas vendas físicas muito positivas. "Pode-se comprar no nosso website ou através de qualquer revendedor de discos. Também está disponível em todas as plataformas como Spotify", acrescenta.

Resgatar a música

"As mulheres que compõem música têm existido sempre. Apesar disso, ocupam um lugar ínfimo na história da música oficial e, hoje, apenas 4% das obras musicais programadas em concerto são escritas por compositoras", informa a fundadora da Elles women composers, que realiza um tedioso processo de investigação nas procura de mulheres compositoras, desde arquivos inexplorados até a atuação numa sala de concertos.

Um concerto de música / PIXABAY

"Pode-se ler um livro, olhar um quadro, mas a música se não se toca ou se grava, não existe. Poucas pessoas podem escutar música internamente com apenas a leitura de uma partitura. Em consequência, torna-se necessária a necessidade de um intérprete entre o compositor e o ouvinte e a sua ausência reforça o desconhecimento da obra dos compositores", explica Luzzati

O papel da mulher

Sandra Gonfaus, jornalista especializada em género, aplaude a iniciativa da discográfica e reconhece que é uma "brilhante" forma de dar a conhecer muitíssimas obras que, pelo facto de ser criadas por mulheres, ficaram no esquecimento. "De todas formas, acho que é importante ter presente que, apesar da boa intenção que existe depois desta iniciativa, será um projecto com grandes carências produzidas pelas consequências históricas do patriarcado. Ou seja, embora muitos serão recolhidos, outros serão esquecidos devido à ignorância da sua existência", aponta.

"Durante muito tempo, as mulheres tiveram que assinar as obras com nomes de homens ou como 'Anónimo' para ter alguma possibilidade de percurso, pelo que apesar de que seguramente as nossas obras tiveram sucesso nunca saber-se-á se foram produzidas por mulheres", assinala Gonfaus. "De facto, não faz falta ir ao século XIX para ver como se realizavam estas práticas. A própria Beatriz Luengo, há uns anos, declarou que durante muito tempo assinava as suas criações com o nome do seu marido, o conhecido cantor Yotuel Romero", finaliza.