A última sessão do cinema Comédia: "Aqui tivemos nossa primeira cita. É uma pena que o fechem"

A corrente de cinemas Elmo joga o fechamento à histórica sala de Barcelona, a última que permanecia aberta em Passeio de Graça, entre os lamentos do público

Museo Prohibido   SIMÓN SÁNCHEZ  52
Museo Prohibido SIMÓN SÁNCHEZ 52

FIM. A divina comédia tem terminado e os únicos sobreviventes, Zara, H&M e Uniqlo, situados em três cantos adjacentes, contemplam a última cena impasibles. Não assim o público. Os espectadores. As gentes de cinema. Nostálgicos e sonhadores de bem que se acercam a este recodo da Grande Via para se despedir do último cinema do Passeio de Graça de Barcelona. E dizer: 'adeus, Comédia'.

Entre adioses, críticas à "péssima gestão de Elmo" e selfies com o rótulo do histórico cinema, que ainda protagoniza a fachada do bonito palacete, Sara e Lluc são como dois actores secundários de rosto apenado. "Em nossa primeira cita acabamos aqui. Somos de Sabadell, mas, desde aquele dia, o Comédia tem sido sempre nosso cinema. É muito triste…", relata o jovem casal. Aquela tarde de 2020 viram O pai, do oscarizado Anthony Hopkins. Hoje têm elegido um título conforme à despedida: Os que ficam, de Alexander Payne. E isso é o que sentem, dor.

Comédia e suspense

"Fecha definitivamente?", pergunta-lhe uma senhora maior ao taquillero. "Sim, sim…", responde o empregado algo inquieto, pois também serve as palomitas e a bebida e se formou uma bicha considerável. "Não te preocupes. Quiçá volte a abrir", tranquiliza-a sua amiga.

"É uma loucura. Nestes últimos dias temos feito sold out", assegura o homem que rompe as entradas enquanto os espectadores, ao sair das salas ou dantes de entrar à última sessão, lhe dão ânimos e lhe desejam sorte. E é que o futuro deste emblemático espaço cultural é como a trama de um filme de Alfred Hitchcock: puro suspense.

O teatro Comédia

A proposta inicial, lá pelos anos 30, foi converter o Passeio de Graça numa oda ao entretenimento com as aberturas dos cinemas Fémina, Fantasio, Publi e Savoy, nesta ordem, e, em 1941, do esplendoroso Teatre da Comèdia, que até 1934 tinha sido o palácio particular da família Marcet.

"Eu costumava vir quando era teatro", relata María, Testemunha de cargo e vizinha de Horta que também tem querido se acercar a render homenagem ao Comédia, dantes de entrar a ver a frustrada Napoleón.

A história do cinema

Durante Os felizes 60, o teatro Comédia fechou a sala de 1.246 butacas, com suas plateias e suas palcos incluídos. Por sorte, o mesmo novembro de 1960 arrancava seu andadura como um dos principais cinemas de estréia da cidade. Tal era o fervor pela sétima arte, que alguns inclusive recordam as longas bichas que se formavam ao longo da grande maçã.

Dantes do desvincule final, a majestuosa sala partiu-se em três, primeiro, e nas cinco salas actuais, depois. E o anticlímax chegou quando começaram a se suceder os fechamentos de seus irmãos maiores: Fémina (1991), Fantasio (2000), Savoy (2001) e Publi (2005), que deixaram órfão ao Comédia até o dia de hoje, 14 de janeiro de 2024. No dia da última sessão.

A última sessão

"A ti te faz graça a da Binoche?". "Não me parece mau". "Pois vinga". Assim decide um casal de média idade, plantada em frente aos cartazes alumiados do Comédia, ir ver A fogo lento. Os jogos da fome, Napoleón e Os que ficam também começarão em breves.

Wonka, com um eslogan pouco apropriado para a ocasião, "Todas as coisas boas deste mundo começaram com um sonho", protagoniza a sessão de clausura.

O filme

As butacas de terciopelo marrón desvencijado da sala 1 estão todas ocupadas por um halo de melancolia. Na bicha de atrás, uma mulher refunfuña num monólogo sem fim que só o início da acção cortará: "Fazia dez anos que não vinha. Não me lembrava que os assentos eram tão incómodos. É uma vergonha. Estão-lho carregando tudo. A mim este me pillaba bem perto de casa. Agora todos os cinemas que estão perto põem filmes comerciais…". E começa Wonka.

A precuela de Charlie e a fábrica de chocolate, excessivamente longa, decorre sem pena nem glória. Ainda que ingeniosa às vezes, nota-se que não é obra de Roald Dahl. As delícias de Timothée Chalamet entretienen, mas já não há motivos para seguir sonhando. E as palomitas acabam-se. O ecrã funde a negro. E acendem-se as luzes: a magia tem terminado.

Adeus, Comédia

O público vai-se e entra a senhora da limpeza. "Não sê que vão fazer… Não dizem nada… Levo 31 anos aqui e não sê que vou fazer… Não me deixam falar", explica enquanto as lágrimas percorrem suas bochechas até cair sobre uma camisola polar de E.T., o extraterrestre.

Na terceira bicha, junto ao corredor, um casal resiste-se a abandonar a sala. São norte-americanos e levam seis anos vivendo no Eixample barcelonés. "It's so sad. They have also closed the Icaria. Where will we go now?". O Comédia também era seu cinema.

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