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A guerra de Tebas contra a piratería tem limites: que fazer se te afectam os cortes

Depois de recorrer à justiça, que tem avalado a actuação de LaLiga, a associação de ciberseguridad RootedCON tem apontado que "isto não vai de te ficar off-line, vai de direitos fundamentais"

Juan Manuel Del Olmo

Tebas fotomontaje 2 pirateria

"Temos os melhores pilotos do mundo, o melhor armamento, as missões melhor planificadas e as forças melhor treinadas, mas é impossível evitar os danos colaterales". Esta foi a frase que faz 26 anos saiu dos lábios Kenneth Bacon, jornalista que exerceu como porta-voz do Pentágono durante o Governo de Bill Clinton.

Tratava de justificar assim, sem lhe dar demasiadas voltas, a destruição da embaixada de Chinesa em Belgrado, um suposto erro fatal de Estados Unidos. Em teoria, os americanos tinham confundido o consulado com uma fábrica de explosivos yugoslava. Ainda que não maneje armas nem explosivos (por enquanto), Javier Tebas também tem declarado em alguma ocasião que a une de futebol espanhola é a melhor do mundo, e parece que os danos colaterales que implique a proteger também não se importa demasiado.

Bloqueio de direcções IP

Os frequentes bloqueios de direcções IP, que não sempre discrimi­nam entre retransmisiones ilegais e usos legítimos, constituem a base do problema. Consumidores e trabalhadores vêem-se afectados a cada fim de semana, quando LaLiga, em sua luta contra a piratería, exerce sua poder e fecha lugares que emitem partidos de futebol de forma ilícita… e também tumba a algum inocente.

Um jovem frustrado em frente a seu computador / FREEPIK

"Como pode ser que pela mierda do bloqueio pelo futebol, os fins de semana não possa trabalhar com normalidade? Vários sites que consulto habitualmente estão quedas. O mais 'gracioso' é que eu sim pagamento por ver futebol a estes de Movistar. Parece-me que será por pouco tempo", protestava um utente em X. Outros subiam o tom e asseguravam se ter visto obrigados a recorrer a uma VPN com nó de saída fora de Espanha para poder currar com normalidade.

"Isto é inadmissível"

"Espero que lhes caia uma sanção histórica e mais de um acabe no cárcere por restringir a liberdade de livre navegação e acesso aos dados em internet. Isto é inadmissível", acrescentava outro utente. "O de LaLiga bloqueando as IPs de Cloudflare é de um lamentável… É demencial, menudo estado policial no que vivemos", bramaba um quarto.

"Levo um mês callao com este temita e quando muito retuiteo. Mas já me estou cabreando. Quando vão parar os bloqueios da maldita Une! Estou harto de que a cada dia que há partidito Tebas diga 'abaixo internet' e vocês lhe sigais o rollo", dizia um cliente que apontava a Yoigo, pondo o foco na responsabilidade dos operadores. "Que maravilha não poder entrar em ChatGPT porque os sinvergüenzas de O2 têm bloqueado medeio internet por culpa de Tebas", ironizava outro afectado.

O presidente de LaLiga, Javier Tebas, durante sua intervenção na World Football Summit / MARÍA JOSÉ LÓPEZ- EUROPA PRESS
 

A posição de RootedCON

Entre os que têm apresentado batalha figura RootedCON, que se define como uma comunidade especializada em ciberseguridad. A princípios de março, esta associação de internautas passou à acção e conseguiu que um julgado de Barcelona admitisse a trâmite o incidente de nulidad que apresentaram na contramão dos bloqueios ordenados por LaLiga.

No entanto, no final de março, estas solicitações ficaram desestimadas. Foi também um revés para Cloudflare, que actua como um intermediário entre os utentes e os servidores onde se aloja o conteúdo. Com tudo, RootedCON não se dá por vencido. "Isto não vai de te ficar off-line, vai de direitos fundamentais. RootedCON seguirá lutando legalmente contra os bloqueios de LaLiga. E se o alto tribunal também dá as costas, a seguinte fase —legal, mas contundente— já está em marcha", advertiram em X.

Acusações de ilegalidad

Alguns internautas, pessimistas, responderam a RootedCON em X assegurando que não tinham "nada que fazer", sugerindo que o dinheiro que move o futebol em Espanha é ingente e que Javier Tebas o suficientemente poderoso como para alçar com a vitória, ainda que seja actuando com cesarismo.

Vários jogadores durante o Celta de Vigo - Real Betis / AFP7 / Europa Press

Mas também há quem acham que há partido. "É gracioso que o que está a fazer Tebas pode acabar sendo mais ilegal que a própria piratería", dizia um tuitero.

Sem prejuízos para terceiros

"Nas sentenças iniciais do julgado do mercantil, que são nas que se apoia Tebas para levar a cabo estes bloqueios, se diz claramente que estes não podem ocasionar prejuízos a um terceiro", explica a Consumidor Global Samuel Parra, advogado especializado em direito tecnológico relacionado com a informática e transparência na Administração Pública.

"O problema que acho que se está a produzir é que, segundo me consta, por enquanto nenhum terceiro prejudicado tem iniciado acções judiciais", agrega. Isto é, que poderia ser conveniente passar das queixas em redes sociais aos tribunais.

Vulneración de direitos

Parra é contundente com respeito à legitimidade destes cortes. "Minha opinião é que o bloqueio nunca deveria prejudicar a nenhum terceiro. Deveria dirigir-se exclusivamente às plataformas que estejam a emitir em streaming. E, se implica o bloqueio de terceiros que não têm nada que ver com as plataformas, como assim sucede, acho que poder-se-ia inclusive apreciar alguma vulneración do direito fundamental de acesso à informação que temos todos", arguye.

Uma pessoa utiliza seu computador / FREEPIK

"Se não posso aceder a um blog, a um foro, a um meio de comunicação… Algo está a falhar", agrega o experiente.

O papel dos juízes

À pergunta de se os juízes podem estar a actuar com verdadeiro desconhecimento de causa ao ser o da liberdade em internet um tema inovador, Parra não acha que estejam a desempenhar seu labor de forma errónea, nem também não que Tebas exerça um controle sobre eles.

"Agora bem, se tem visto que o incidente de nulidad que têm apresentado Cloudflare e RootedCON não tem funcionado, de maneira que sim parece que não há um instrumento legal concreto para poder corrigir uma situação manifestamente injusta. Ou, ao menos, não o encontrámos", aponta o advogado.

O presidente de LaLiga / EUROPA PRESS - EDUARDO PARRA

Estudar o tema

Se um prejudicado direto iniciasse uma acção contra o bloqueio concreto que lhe tivesse afectado, apresentando todas as provas correspondentes, Parra acha que sim deveria prosperar. "Ainda que é verdadeiro que, quiçá, deveria cair num juiz que tenha vontade de estudar o tema, do tocar", aponta Parra.

O que faz maravilhoso o desporto é que no futebol, como na vida, não sempre ganha o que mais o merece.