Diz o celebérrimo adagio que não há na vida nada como a pena de ser cego em Granada, mas nestes dias na cidade nazarí também são maus para os abstemios. E não pela Alhambra (a cerveja, olho) nem pelos temperamentales vinhos granadinos, saídos de viñedos que estão entre os mais meridionales de toda Europa (e a uma altura, ao mesmo tempo, extraordinária), sina porque, com motivo da 39.ª edição dos Prêmios Goya, que terá lugar ali, vários estabelecimentos da cidade oferecerão cocktails inspirados nos filmes nominadas.
Álvaro Peláez é bartender e proprietário de 3Onzas, um acolhedor local situado no bairro do Realejo. "É um projecto organizado pelo Grupo Bacardi, e actualmente estamos a participar sete locais", conta a Consumidor Global. "Alguns são coctelerías puras, como nós, e outros são restaurantes ou bares que também oferecem cocktails".
Estabelecimentos participantes
Três dos participantes são estabelecimentos próximos à zona da catedral: Bar Siloé, Noir e Lemon Rock. Os cinéfilos sedentos também poderão se acercar à Guaracha, Hanalei ou a Rota da Seda.
E, se desde Casablanca o cinema tem utilizado os cocktails como elementos cuasi narrativos e símbolos de status, com esta iniciativa é o consumidor o que pode levar aos lábios uma história.
Por que 'O 47'
"Jogamos um olho aos filmes que podiam fazer parte da iniciativa, e estava Segundo Prêmio. A verdade é que é a que queria quase todo mundo", reconhece Peláez. É compreensível: o filme (que Mauricio Bach tem descrito em Letra Global como um "maravilhoso largometraje" "visualmente deslumbrante") conta a história dos Planetas, o mítico grupo granadino liderado por Juan Ramón Rodríguez, Jota.
"Mas também gostámos muito O 47, e coincidia que em desse momento lhe estávamos a dar voltadas a um cocktail, uma versão do bloody mary, que, por acaso, podia encaixar bem com o carácter do filme", descreve o dono de 3Onzas.
"Não é fácil sair de teu lar"
"Fala de uma época na que extremeños e andaluces tiveram que se ir a Cataluña por trabalho, e passaram muitas dificuldades. Não é fácil sair de teu lar e te adaptar ou conseguir encaixar. Nós queríamos falar disso desde um ponto de vista gastronómico", expõe.
Assim, pensaram no celebérrimo pa amb tomàquet que, diz Peláez, "sai do pão com tomate rallado de toda a vida de Andaluzia". "Gostamos de jogar com as sensações que um tem tido ao longo de sua vida, de modo que num princípio com este cocktail queríamos homenagear essas tostadas com tomate que te fazia tua avó. Apanhamos o tomate pera, fazemos um escalfado e com isso preparamos um vinagre saborizado. Também acrescentamos apio", relata.
Padrão Silver
E este tomate sabe a tomate, insiste este experiente. "Pomos-lhe uma base de sweet and sour, um pouco de cítrico e edulcorante para que tenha equilíbrio; e de base alcohólica leva Padrão Silver, um tequila mexicano que encaixava bem com o tomate".
Neste caso, em 3Onzas têm optado por componentes singelos para que o cliente compreenda bem o vínculo com o filme "em vez de nos ir a coisas súper inovadoras". Este cocktail estará disponível durante todo o mês de fevereiro e seu preço atual é de 10 euros.
A coctelería como arte
Esta iniciativa revela as possibilidades criativas da coctelería. "Eu a vejo como uma arte, como também o é a cozinha ou o mundo do vinho", explica Peláez.
"A criatividade é uma parte essencial à hora de elaborar um cocktail, ainda que seja um clássico. Neste sentido, eu sempre o comparo com a música: somos pianistas, e o que estamos a fazer é interpretar uma partitura, que é a receita. Em mudança, as fórmulas novas são como uma composição", arguye.
Crescimento da coctelería
Para além do relumbrón efémero dos Goya, a coctelería vive um bom momento. Segundo a encuesta anual de Grupo Bacardi, mais da metade dos consumidores espanhóis (52%) prefere celebrar seus momentos especiais com um cocktail em lugar de com champán.
Ademais, a cada vez abrem mais locais especializados e, tal e como pronosticaba Hule e Mantel numa extensa análise, "a coctelería é um fenómeno que continuará crescendo em 2025, mais para perto de a gastronomia e de outras opções de lazer, enquanto se afasta do conceito de embriaguez, noite e festa". São muitos os que demandam tragos originais, sofisticados e, por que não, que somem likes em Instagram.
Profissionalização
Nesta linha, Peláez acha que a cada vez são mais os clientes que se animam a se sair do Barceló-Bicha ou do gin-tonic. "A coctelería tem ganhado força nos últimos anos. Em Espanha tem-se profesionalizado um montão, e durante vários anos, um bar espanhol tem sido galardoado como o melhor do mundo (Sips, em Barcelona). Isso ajuda muito, e o turismo internacional também o fomenta. Todo mundo quer provar coisas novas, e nós convidamos a que a gente o faça".
O leque de possibilidades é enorme. Quando a gente diz que não gosta dos cocktails, o dono de 3Onzas replica que isso é como afirmar que não gosta da comida. "As possibilidades são infinitas: depende de se gostas de um perfil cítrico, amargo, doce… Todo se pode cobrir. O que faz falta, e é responsabilidade dos que estamos nas barras, é educar à gente, lhes ensinar essa riqueza e a fazer acessível. Se não o fazemos, não podemos nos queixar depois", reconhece.
Mudar o mundo
Para fechar com O 47, e perguntando-lhe um motivo pelo que brindar com seu cocktail, Peláez menciona como os filmes que vemos desde pequenos falam, com certa grandilocuencia, de mudar o mundo ou de tentar o fazer melhor.
"Acho que mudar as coisas a melhor passa por fazer algo em teu círculo, em teu meio, como faz Manolo Vital ao sequestrar o autocarro. Uma mudança grande requer de muitas mudanças pequenas. Isso é o que nos levamos do filme". Saúde.