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Provámos o vinho cosmológico do Lidl: "É como a cerveja sónica, muito marketing e pouca ciência"

A rede alemã comercializa umas garrafas de Bodegas Santa Elisa (Tierra de Castilla) feitas sob "a influência do cosmos", um gancho para vender mais baseado na pseudociência

Teo Camino

Vino LUIS MIGUEL AÑÓN (Consumidor) 3

"Para conhecer a origem e a qualidade do vinho não há necessidade de beber todo o barril", escreveu Oscar Wilde. Do que sim há necessidade é de o provar. E para que o consumidor chegue ao provar, é necessário destacar-se no mar de garrafas que inundam os lineares dos supermercados. Há vinhos tintos, brancos, rosés e espumantes. De Rioja, de Ribera del Duero e da Tierra de Castilla. Espanhóis, franceses e italianos. Baratos e caros. E agora, pelos vistos, também há vinhos cosmológicos. Provámos o do Lidl e perguntamos aos peritos se misturar cosmos, lua e vinho serve de algo ou é uma afirmação supérflua.

O vinho Cosmológico do Lidl / LUIS MIGUEL AÑÓN CG

"É de venda exclusiva no Lidl", expõem a este meio da Finca Constancia, a adega de Toledo que produz Cosmológico (3,99 euros), um vinho biodinâmico e biológico feito sob "a influência do cosmos na nossa vinha, através do ciclo lunar", segundo se pode ler na garrafa, que está repleta de luas crescentes e minguantes.

O vinho lunar do Lidl, segundo os peritos

Se encontras-te um vinho tinto, de nome Cosmológico, biodinêmico e biológico, no linear do supermercado, o que é o primeiro que pensarias?, perguntamos à doutora em ciência e tecnologia dos alimentos especializada em divulgação alimentar, Beatriz Robles. "Sal correndo", responde. Mais claro, um vinho branco. A parte biodinâmica e cosmológica é uma combinação de agricultura com ritmos cósmicos, que poderia ser enquadrada na tentativa do filósofo Rudolf Steiner por unir espiritualidade e ciência, mas os seus princípios são "pura pseudociência, pura superstição. Faz parte da magia", acrescenta a perita, que lembra que a única característica regulada no regulamento europeu seria a de agricultura biológica.

Garrafas do vinho Cosmológico biodinâmico e biológico que se vende no Lidl / CG

É realmente melhor? Quer dizer algo que seja cosmológico e biodinâmico? É mais saudável? Tem algum benefício face aos vinhos feitos de forma tradicional? Em termos de saúde, "não tem nenhuma propriedade destacável", aponta a também doutora em ciência e tecnologia dos alimentos, Paloma Quintana. Repercute a agricultura biodinâmica no produto final? "Em nada. É como cultivar café nuns campos nos quais se pratica ioga: não se podem alegar umas propriedades organolépticas nem nutricionais melhores", acrescenta Quintana. "São feitas sem a menor base científica, mas há clientes que gostam destas histórias que dão empacotamento e mistério", explica o fundador de Con Gusto Consulting, Manel Morillo.

Da cerveja sónica ao vinho cosmológico

Se há umas semanas os entendidos alertavam sobre o embuste da cerveja de maturação sónica --exposta 26 dias a música de Mozart 24/7--, agora alertam que ler num rótulo 'vinho cosmológico' deve fazer-nos suspeitar. Pois não é mais que uma forma de "chamar a atenção".

Este tipo de afirmações "fazem-se, como com a cerveja sónica, para procurar uma diferenciação no ponto de venda. E conseguem-no. Pensas que está mais cuidado, que a forma de produção é diferente, que pode ter algum composto bom para a saúde. A nível publicitário é perfeito", aponta Robles sobre a capacidade evocadora deste tipo de rótulos que falam da influência do cosmos nas vinhos, coisas pouco tangíveis que soam muito bem.

A que sabe um vinho que se guia pelas constelações?

A que cheiram as nuvens? E a lua? A que sabe o universo? Seguramente, nunca saber-se-á, como também não se percebe a influência da agricultura biodinâmica num vinho autodenominado cosmológico, da Tierra de Castilla, com 14 graus de álcool. No dorso da garrafa aconselham que "nos dias de lua nova a quartoc rescente nos quais os aromas profundos que possui são ainda mais evidentes" são o momento idôneo para o desfrutar, tal como o ciclo no qual nos encontramos ao realizar a prova (faltam 4 dias para o quarto crescente), mas a verdade é que o seu aroma, ainda que intenso, não tem a profundidade da qual presumem.

 

No paladar, é um tinto suave no qual se percebem notas de frutos vermelhos. De textura aveludada, a finura inicial dilui-se num gosto residual com um ponto extra de acidez que perdura na boca. Após deixá-lo repousar e prová-lo em repetidas ocasiões, talvez o seu ponto forte seja o preço. E o marketing que há por trás, também.

"O seu sabor evoca o impacto de um asteróide"

Ao introduzir as palavras 'vinho' e 'cosmológico' no Twitter --uma associação nada habitual--, a imaginação dos internautas dispara. "O vinho está muito bom, mas saborear o ciclo lunar a cada golo encanta-me", assegura Laura. Outros, pelo contrário, são algo mais irónicos.

"Sabor intenso que evoca o impacto de um asteróide no retropalato com um gosto residual de poeira cósmica evanescente. Efeito perfeito com aperitivos extrasolares", comenta outro com sentido do humor. E também os há que propõem um plano espacial: "É bastante barato como para comprar várias garrafas e levá-las a casa dos colegas de uma forma sofisticada e sibarítica... Vende-lhes a bicicleta e bebe o seu, o bom vinho".