O aura que desprende Nike está alumiado por um remoto eco europeu: Niké era a deusa grega da vitória, e de facto o Swoosh, o conocidísimo logo da assinatura estadounidense que hoje sabe a velocidade, carácter e esforço, se inspira numa de suas asas. Pode que Just do it seja um lema muito norte-americano, mas a marca, absoluta referência no mundo do desporto, deve umas gotas de seu prestígio a um conceito que tomou do Velho Continente.
Niké era grega, não uma deidad na que cressem os Hopi, os sioux ou os mohawk. Com tudo, hoje é marcadamente internacional: a assinatura está muito unida à excelência desportiva global, suas narrativas de empoderamento e superação trascienden fronteiras e a maioria de suas prendas fabricam-se em Ásia.
Nike perde valor
De um tempo a esta parte, no entanto, Nike tem perdido lustre. Moda.es publicou que o gigante estadounidense de equipamento desportivo tinha fechado os seis primeiros meses do exercício 2024 com uma queda de 9% em suas vendas e um desplome de 27% do benefício neto. Segundo Bloomberg, as acções da companhia que fundou Phil Knight têm baixado mais de 60% desde o máximo histórico atingido em novembro de 2021. Ademais, a tormenta alfandegária desatada por Donald Trump pode prejudicar à assinatura.
As peças do tabuleiro movem-se. Num contexto no que os líderes europeus têm cacareado a necessidade de apostar por nossos produtos, e no que a influência do yanki se questiona por necessidade, cabe se propor, com os pés na terra, se é o momento de se calçar umas sapatilhas diferentes: evidentemente, os consumidores não vão deixar de vestir Levi's, de pedir pacotes por Amazon nem de ver filmes de Hollywood, mas a cada compra que realizamos implica dar um voto de confiança a algo. Em que quer ou pode confiar Europa?
Oportunidade nas fábricas
"Todas as marcas, incluídas as européias, fabricam em Ásia, pelo que as medidas comerciais afectam a todos por igual. O COVID-19 impulsionou uma diversificação na produção, e desde então, as marcas têm começado a fabricar em mais países, não só em Chinesa", explica a perguntas deste meio María Martín Montalvo, diretora de Relações Institucionais de ISEM Fashion Business School (Universidade de Navarra).
"No entanto, a oportunidade não está tanto nas marcas, sina nas fábricas", aponta. Ademais, esta experiente recorda que, em Espanha, cuja indústria do calçado tem uma grande tradição que já cresceu a raiz da pandemia, "poderíamos aumentar ainda mais a produtividade de nossas fábricas".
Munich, Victoria ou Arze
"Em Espanha temos alguns exemplos de marcas que fabricam aqui, como Munich ou Victoria, e para elas sim que é uma oportunidade de competir em preço muito interessante", considera.
À lista, que parece se ampliar a cada ano, poderiam se acrescentar Arze ou Morrison. Por suposto, Montalvo puntualiza que, à hora de pensar em dito aumento da produtividade, não pode obviarse que em Europa e em Espanha o custo da mão de obra é mais alto que em Ásia, o que pode reduzir as margens de benefício. "Ainda está por ver se outros lugares têm a capacidade técnica e a infra-estrutura produtiva que oferece Ásia. Em Espanha, por tradição, a produção é mais artesanal e as fábricas têm outro tamanho", resume.
O caso de Veja
Ainda que fosse possível aumentar a produtividade e morder um trozo maior da tarta, outorgam os europeus alguma importância à procedência das marcas de roupa que vestem e calçam, ou é um factor que não influi em suas eleições? A popularidade de Shein convida a pensar o segundo, mas o sucesso de Veja poderia indicar que sim há um nicho.
Trata-se de uma marca francesa que fabrica em Brasil e leva a sustentabilidade chic por bandeira. Suas sapatilhas (cujo preço costuma superar os 120 euros, algo mais que as ubicuas Samba e Gazelle) são atraentes sem estridencias, e é uma companhia que possui lojas próprias no centro de várias capitais (Berlim, Londres, Madri, e por suposto Paris) e facturar 250 milhões de euros em 2023.
Falsa volta a Europa
Ainda que pode que Veja seja uma excepção, já que os comportamentos de algumas grandes têm sido erráticos. "Na última década estávamos a viver um processo de volta à fabricação em Europa: Salomon fabrica parte de seus modelos no França e fá-lo ao mesmo aprecio final que os fabricados em Ásia", conta a este meio o experiente em calçado desportivo Kike Marinha.
"Durante um tempo, Adidas anunciou a bombo e platillo Speedfactory, duas fábricas altamente robotizadas situadas em Alemanha e Atlanta, que lhe permitiam ser mais ágil e rápida na resposta aos vaivéns comerciais. No entanto, em 2020 anunciaram o fechamento das duas fábricas para voltar a Ásia. E muitos dos conceitos de fabricação em 3D parecem cair em desuso", agrega Marinha, que escreve, entre outros, na publicação 25Gramas.
Controle dos processos
Sim crê este especialista, ao igual que Martín Montalvo, que "o consumo de produto fabricado em Espanha (ou Portugal) tem umas vantagens acrescentadas, a capacidade de controlar os processos, a velocidade na tomada de decisões e por suposto na chegada do produto. O preço não costuma ser um factor determinante, mas pode o ser a partir de agora", indica. Aí poderiam ter algo que dizer Saye ou Sanjo.
"Acho que estamos a viver um momento interessante porque estão a surgir marcas bem mais pequenas (Hoka, On) que estão a reagir mais rápido que as clássicas, mas, a dia de hoje, todas se enfrentam ao mesmo problema: seguem fabricando em Ásia. No entanto, não a todas lhes afecta igual, pois há marcas que têm anunciado que os custos não vão repercutir no preço final", aponta.
Bandeiras e estilo
Levam-se nos pés, mas algo têm de afirmações, de manifesto: qualquer par de Autry leva a bandeira estadounidense, Reebok exibe a de Reino Unido e todo o que calce unas Golden Goose sabe que leva um artigo de alta faixa fabricado em Itália.
Em general, Marinha augura que as tormentas alfandegárias provocarão que o preço das sapatilhas suba para o comprador espanhol, conquanto "há marcas que têm grandes margens que têm anunciado que utilizarão essa margem para amortecer os impostos". Por sua vez, a experiente de ISEM considera que, como se viu nas últimas semanas, desde que se anuncia uma medida até que se implementa, "as mudanças e matizes que surgem no processo podem fazer que o resultado final seja muito diferente do esperado". Assim, cada consumidor terá que encontrar o equilíbrio desejado entre estilo, preço e europeísmo, signifique isto último o que signifique.