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A solidariedade com Ucrânia e o medo disparam a venda de complementos militares

A invasão do país eslavo propicia o envio de material bélico desde Espanha, mas também incentiva a compra de kits de sobrevivência para usar em nosso país

Juan Manuel Del Olmo

soldado

"Quando se olham de frente / os vertiginosos olhos claros da morte, / se dizem as verdades: / as bárbaras, terríveis, amorosas crueldades". Escreveu-o Gabriel Celeya num poema que titulou A poesia é uma arma carregada de futuro. No entanto, para habitar o presente, quando as vias diplomáticas se esgotaram, só servem as armas reais. A invasão de Ucrânia apalpa-se também nas armarias e lojas de equipamento militar espanholas, onde as vendas têm crescido ao calor da solidariedade e o medo ao risco nuclear.

Não se trata só da compra de armas para as enviar a Ucrânia, sina de um temor à catástrofe que, para alguns espanhóis, a cada vez é mais acuciante.

Armas para Ucrânia e material de sobrevivência para Espanha

Em Soldiers , uma loja madrilena que vende equipamento militar, armas e insígnias, o incremento de vendas tem sido muito notável. "Nós temos esgotado os chalecos e os capacetes balísticos", conta a Consumidor Global Alfonso Ruiz, seu responsável. "Torniquetes teremos vendido uns 200 ou 300, e também têm vindo meninos ucranianos que iam viajar a combater por seu país a comprar luvas", relata. Uma parte das vendas, a maior, corresponde a material que viajará a Ucrânia por uma ou outra via, mas também há espanhóis que adquirem produtos relacionados.

Vários objetos de sobrevivência / PEXELS

"Temos visto que há mais gente que procura kits de sobrevivência, gente que não tinha interesse e agora sim o tem", narra Ruiz. Estes kits incluem vai-as, pastillas potabilizadoras, chalecos de camuflaje ou mantas de emergências. A nível local, isto é, com Ucrânia fosse da equação, este boom replica o que ocorreu quando se falou do Grande Blecaute no passado mês de novembro. Só que com a ansiedade nuclear como colofón. "A gente vê-lhe as orelhas ao lobo, e dá-se conta de que, ainda que pareça que não, da noite para o dia pode chegar a passar algo assim", expõe Ruiz.

Mais chamadas nas armarias

Em algumas lojas que não se dedicam a vender material militar, sina coleccionismo antigo (uniformes e elementos da Segunda Guerra Mundial, por exemplo), também recebem mais chamadas nestes dias. "Num dia chamaram umas 15 pessoas perguntando pelo mesmo, mas nós não temos esse tipo de coisas", explica um dos responsáveis por Cascorro Efeitos Militares.

Em Gabilondo Sport, uma armaria de Valencia, também percebem mais movimento. "A nós nos consultam mais que dantes. Perguntam por chalecos antibalas e coisas assim. Há mais demanda, mas nós não nos dedicamos exactamente a isso", apontam. Desde Armaria BR, Mavi, uma das responsáveis, corrobora este interesse, e explica que há muita demanda de material que vai directamente para Ucrânia, como chalecos antibalas. Também realça que se estão a organizar colectas para enviar estes artigos.

Uma pessoa com chaleco antibalas / UNSPLASH

Chalecos, balas e ópticas

Há mais gente inquieta que dantes. Gente que faz acopio de fornecimentos nos supermercados, que procura em foros como se preparar ante um acidente nuclear, que começa a temer que o Peru se joda definitivamente. Na barcelonesa Armaria Ravell reconhecem que nestes dias lhes perguntam mais por material bélico e por kits de sobrevivência. Sara Ravell explica que, em determinados artigos, já não há estoque "e esse é o problema que temos". Entre os produtos que comercializa nestes dias, aponta, há material balístico e lentes ópticas de última geração. Não obstante, a responsável por Armaria Ravell acha que a percentagem que fica em Espanha é mínimo. "Quase tudo vai para lá, ou a países vizinhos", expõe.

Também apanham mais o telefone em Armaria Alberdi. Agustín Alberdi explica que há pessoas que têm chamado perguntando por chalecos antibalas, mas, apesar da invasão de Ucrânia, eles não têm aumentado as vendas. "É porque os chalecos antibalas têm que fazer no momento, há que apanhar a talha da cada pessoa, não é o mesmo um chaleco para uma pessoa que pese 60 que para outra que pese 100 kilogramos. Não se podem enviar sem tomar medidas", argumenta. Assim mesmo, Alberdi enfatiza que a seu local vai "gente com as ideias claras. E se não, lhas pomos nós claras rapidamente".

Uma pessoa caminha pelo bosque / UNSPLASH

Preparacionistas: organizar o caos

Agora bem, até onde faz sentido este medo? Desde Asturtáctico, uma loja de equipación táctica, militar e policial de Avilés, explicam que estão a vender material directamente a Ucrânia, e que, para além destas comercializações, há pessoas residentes em Espanha que também se interessam pelos objetos de sobrevivência. "Há gente que compra até máscaras antigás. É o mundo prepper, que se tem acojonado", apontam.

"Prepper?", perguntamos. "Sim, preparacionista". Depois do desconcerto inicial, fazemos uns telefonemas. Ricardo Serna, militar, explica que é uma corrente que está a ganhar força em Espanha desde faz uns meses. Consiste, a grandes rasgos, em grupos de pessoas que fazem acopio de material para estar prontos em caso de desastre a grande escala, eléctrico ou nuclear. Estes cidadãos, que se percebem a si mesmos como uma sorte de atalaya ante o caos, "fazem mais ruído quando há desastres naturais ou fenómenos como Filomena", aclara Serna.

Batas, despensas e ferramentas

Uma busca em redes sociais arroja mais luz sobre o mundo prepper. Em TikTok há muitos vídeos com esta etiqueta, sobretudo de pessoas estadounidenses. Alguns dão conselhos e tips sobre como actuar em caso de catástrofe: acumulam conservas, mostram seus despensas, ensinam a desmontar uma faca ou a acender um fogo.

Armas e complementos militares / UNSPLASH

Em Twitter também há comentários de preparacionistas espanhóis. Uma dessas contas, Prepper Urbano, glosa os mandamientos: "Um preparacionista é uma pessoa que trabalha como uma formiga enquanto tudo vai bem na vida. Quando vai ao mercado a comprar, apanha uma bata a mais. Quando vai à farmácia apanha alguma caixa a mais. Quando vê alguma oferta em ferramentas, apanha alguma que não tem".

"Pediram-me trajes bacteriológicos"

"Sim, a mim me pediram máscaras antigás, mas também uniformes e trajes especiais", explica Alfredo, da loja salmantina Army Soft. Esta experiente conta que tem notado "muito" o aumento do interesse em complementos militares, sobretudo de gente que o procura para enviar à guerra. "Se tivesse tido mais, teria vendido mais. Aos revendedores têm-se-lhes esgotado as existências", descreve.

Mas isso não é o mais insólito. Pessoas residentes em Espanha também lhe perguntaram, para elas mesmas, por "trajes bacteriológicos", detalha. Baixo seu ponto de vista, é algo "normal" dentro de "a psicosis destes dias". E mais, raciocina Alfredo, "com uma personagem ao que lhe dá igual apertar o botão nuclear. Eu não acho que chegue a tanto, mas vejo normal que a gente queira se preparar", reconhece. "E suponho que a maioria, se pudesse, fá-se-ia um búnker", limpa.