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'Greenwashing' da Repsol: o gasóleo renovável de que se gaba é "ineficaz".

Os ambientalistas alertam para o facto de estes combustíveis, cuja produção é dispendiosa e complexa, não poderem ser amplamente utilizados.

Estação de serviço Repsol / EP - MIGUEL CANDELA
Estação de serviço Repsol / EP - MIGUEL CANDELA

No início de maio, a Repsol inaugurou as três primeiras estações de serviço em Espanha com "combustível renovável 100%", o que na oponião do gigante energético era uma meta notável, porque este combustível poderia "ser utilizado nos veículos existentes sem necessidade de realizar modificações nos motores nem nas infraestruturas de distribuição e de abastecimento já existentes". Ou seja, mudar pouca coisa. Que o espectáculo continuasse. No entanto, trata-se de um combustível "ineficaz", na opinião das organizações ambientalistas.

Tal como indicou Repsol no seu comunicado, "os biocombustíveis avançados fabricam-se a partir de resíduos orgânicos como óleos vegetais usados, gorduras animais e resíduos agrícolas e florestais que não se destinam à alimentação. Além disso, os combustíveis sintéticos obtêm-se a partir de CO2 capturado e hidrogénio renovável". O problema é que o processo não é simples, barato nem totalmente limpo.

E-diésel a partir de hidrogénio

Francisco do Poço, perito em combustíveis fósseis da Greenpeace, mostra-se céptico face ao combustível e ao anúncio. Explica, em primeiro lugar, que hoje há diferentes tipos de combustíveis que antes capturavam o CO2 da atmosfera ou que são gerados a partir de outros processos. "Seguramente ao que a Repsol se refire na verdade é e-diésel, que vem do hidrogénio misturado em diferentes processos industriais que são bastante complexos", explica.

Tanto o biodiésel, que se pode fazer a partir de óleos vegetais, gorduras animais ou inclusive óleos de cozinha usados, como o e-diésel sintético "têm uma impressão climática, que será maior ou menor em função de como se faça o processo de captação de matérias-primas", analisa este perito. No melhor dos casos, sustenta, o e-diésel partirá de hidrogénio verde e de CO2 captado da atmosfera, mas estes casos serão os mais raros. "Além disso, são combustíveis muito ineficazes, que requerem muita energia", diz.

Gasolineras de Repsol / EP
Estações de serviço da Repsol / EP

Pouca eficácia

Segundo as estimativas de Del Pozo, de cada 100 unidades de energia necessárias para a geração destes combustíveis, aproximadamente só 25 ou 30 acabam por ser utilizadas para acionar o motor. "Em general, na Greenpeace estamos reticentes em usar este tipo de combustíveis porque todo esse ciclo de geração de energia é pouco eficáz. Usar baterias seria mais eficaz", argumenta. Por esta razão, acredita que o gasóleo renovável não será de forma alguma a panaceia que algumas pessoas estão a vender. "É como o champanhe: algumas pessoas bebem-no, mas nunca se vai generalizar".

Concretamente, Del Pozo acha que chegará aos "veículos pesados, alguns barcos, camiões de construção… Não nos vamos deslocar todos em automóveis deste tipo, como é óbvio. A transição energética tem que ser uma transição de eficiência, de modo que reservar-se-á para determinados utilizações não electrificadas. Não há capacidade técnica para gerar tanto, nem é o mais desejável", acrescenta o especialista da Greenpeace.

Uma última bala para o sector

Para além da sua eficiência, alguns actores da indústria agarram-se ao e-diésel como um prego no caixão. É que, conquanto a partir de 2035 estará proibida na UE a venda de carros novos com motores térmicos (gasolina, diésel e híbridos), os de combustíveis sintéticos sim poderão ser registados.

Varios coches se desplazan de una ciudad a otra por Semana Santa / EP
Vários carros deslocam-se na estrada / EP

"Eles querem defender a sua ideia de negócio e conseguir fundos da UE. Querem ter vantagem: continuar a produzir combustíveis, não importa de que tipo", diz Del Pozo. Por isso, esta moratória que proíbe os carros de combustão até 2035 "é uma grande vitória para eles".

A Repsol "dá-lhe muita publicidade"

Além disso, considera Del Pozo, a Repsol utiliza a estratégia "tudo por tudo": dá "muita publicidade" às suas iniciativas teoricamente sustentáveis, que não representam uma percentagem maioritária no seu modelo de negócio actual, e preferem falar pouco das suas emissões. A verdade é que, no seu anúncio, a Repsol vangloriava-se de que a inauguração destas estações era mais um passo no seu "forte compromisso com os combustíveis renováveis".

No entanto, a Repsol mantém o seu negócio de veículos de combustão, e em 2022 foi a empresa mais poluente de Espanha, segundo um relatório do Observatório da Sustentabilidade. De facto, emitiu 12,4 milhões toneladas de CO2 equivalente, quase ao triplo que a Cepsa e quatro vezes mais que a Iberdrola. "Se lermos o seu plano para 2030, verificamos que continuam a ter poucas intenções de desinvestir nos combustíveis fósseis. Vão manter os dois modelos até não poderem mais", afirma Del Pozo.

Una chica sonríe al ver el precio de la gasolina / PEXELS
Uma moça sorri ao ver o preço da gasolina / PEXELS

Uma "aberração"

Um relatório feito por Climate Strategy, ECODES, Ecologistas em Acção, Fundação Renováveis, SEO/BirdLife e Transport & Environment é ainda mais contundente e explica que o emprego de e-fuels (também conhecidos como electrocombustíveis, combustíveis sintéticos ou hidrocarbonetos sintéticos) no transporte por estrada seria "uma aberração" do ponto de vista da eficiência energética.

"Na combustão produz-se óxido nitrogénio e metano, uns gases de efeito de estufa muito potentes ao ter, por exemplo, o metano um efeito de aquecimento 87 vezes superior ao dióxido de carbono num prazo de 20 anos", afirmou na apresentação do estudo do T&E, Carlos Bravo, pelo que "é falso que o uso de e-gasolina ou e-diésel nos veículos seja neutro para o clima".

Possibilidade de fraude

O estudo salienta igualmente que não se pode garantir que os condutores de veículos com motores de combustão interna com rótulo neutro em termos de carbono não abastecem com gasolina fóssil. Não haveria, pura e simplesmente, forma de o verificar. Por conseguinte, o estudo alerta para a "possibilidade de fraude".

Na opinião destes analistas, os e-combustíveis não poderiam alimentar nem 2% dos carros em circulação previstos para 2035, já que o volume de electrocombustíveis que se prevê que esteja disponível em 2035 só serviria para alimentar cinco milhões de carros do parque de 287 milhões previsto na UE.

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