Considerada um autêntico tesouro gastronómico, a trufa é um dos ingredientes mais cobiçados na alta cozinha. Não é mais que um fungo. Um tipo de cogumelo que cresce debaixo da terra e que se recolhe com a ajuda de animais treinados, como cães ou porcos. Explica-o à Consumidor Global Mariana Diana, doutora de Nutrição da Universidade Ramon Llull-Blanquerna.
Depois da sua aparência escura e um tanto repugnante, esconde-se um tubérculo com dezenas de variedades, sabores e cheiros. Nem todas são iguais e distingui-las é muito complicado. Uma das mais apreciadas é a trufa negra (Tuber melanosporum), um produto exclusivo que supostamente se usa em molhos, patés ou enchidos de supermercado, ainda que a realidade é muito diferente.
Trufa de verão e trufa chinesa
A maioria dos produtos trufados que dizem levar trufa negra não a contêm. Afirma-o a este meio Pedro Marco, pesquisador do laboratório de Truficultura do Centro de Investigação e Tecnologia Agroalimentar de Aragón (CITA).
O relatório A situação atual dos produtos trufados em Espanha, feito por este pesquisador e outros experientes, demonstra que existem três más práticas relacionadas com os produtos trufados. Entre elas, utilizar outras espécies, como a trufa de verão (Tuber aestivum) ou a trufa chinesa (Tuber Indicum) e a etiquetar como trufa negra. "Têm um valor no mercado que oscila entre os 30 e os 200 euros por quilo. A trufa negra começa nos 400 ou 500 euros e pode terminar em 1.300 ou 1.400 euros", detalha Marco.
Trufas de baixa qualidade e aromatizantes
Há outros produtos que usam trufas de "baixa qualidade", segundo o pesquisador. "Não mentem nem no etiquetado nem no conteúdo mas a trufa é de baixa qualidade", apostilla. "Estamos a falar de que são trufas que se comercializam a 50 ou 100 euros o quilo", acrescenta.
O terceiro e última fraude é o aroma, que se usa em "85% dos produtos trufados". Trata-se do bis(metiltio)metano e nem sequer está presente ao perfil aromático da trufa negra. "Contém mais de 140 moléculas aromáticas mas nenhuma delas é essa", argumenta o especialista.
Um vazio legal
Ainda que a maioria dos produtos trufados não incluem trufa negra, se etiquetam como tal para atrair a atenção do consumidor. As marcas tomam-se esse direito porque existe um vazio legal que lhes permite utilizar o termo "trufa negra" sem importar a espécie ou aroma que tenha por trás.
"O bis(metiltio)metano é um composto químico, um Z3H8S2. O azufre que contém dá-lhe um aroma similar ao da trufa, por isso se usa. Ainda que não esteja legislado, a indústria alimentar usa-o para aromatizar. Existe uma falta de regulamento e de legislação com respeito a este aditivo e às trufas. Não há regulamento sobre as trufas, só guia de práticas corretas", enfatiza Diana.
Percentagens que não chegam a 1%
Apesar que muitos produtos trufados não levam trufa negra, há alguns que se salvam: os artesanais. Quando um produto trufado é de qualidade deve conter Tuber melanosporum numa quantidade que ronde entre 3% e 5%.
Uma percentagem que se afasta muitíssimo do que refletem outras etiquetas. "Na maioria dos casos, é trufa de verão ou chinesa com umas percentagens muito baixas, que não chegam a 1% e acrescentam o aroma de trufa branca do piamonte. No final é um produto que etiquetam como trufa negra e é completamente errado", sustenta Marco.
Etiquetas que não mentem mas sim confundem
O regulamento da UE 1169/2011 estabelece que a informação apresentada na etiqueta dos produtos não pode induzir em erro. No entanto, nem sempre se cumpre com a norma. No caso dos alimentos trufados jogam com quatro termos: trufa, trufa negra, trufado ou aroma de trufa ou aromatizado com trufa.
O truque de algumas marcas é utilizar o nome científico da trufa que utilizam, induzindo ainda mais em erro o cliente. “Utilizam o nome da trufa, porque é obrigatório. Tuber aestivum para a trufa de verão, Tuber Indicum para a trufa chinesa... Às vezes não dão a espécie, às vezes dizem só 'trufa', às vezes dizem 'com sucedâneo de trufa' (preparado de trufa com aroma incorporado)”, explica o investigador do CITA. Também não passa despercebida a imagem da embalagem, que normalmente inclui uma trufa preta, apesar de se tratar de outra espécie.
Diferença entre trufa negra e trufa branca
O caso da trufa negra é evidente: as marcas usam-na no etiquetado para atrair o cliente mas nem sempre a empregam porque é muito cara. O consumidor também está a ser enganado quando se trata de trufas brancas, cujo quilo começa nos 1500 euros e vai até aos 5000 euros. A maior parte dos produtos que prometem trufa branca também não a contêm. Mais uma vez, “utilizam trufas de verão, que é a norma”, explica Marco.
O que sim têm estes alimentos é um aroma que se assemelha ao da espécie. "Não há uma fraude quanto às propriedades organolépticas do produto mas sim há fraude quando dizem que levam trufa branca e não a há", acrescenta o perito. "A diferença encontra-se na quantidade de aroma. Quando é trufa branca acrescentam um poquito mais de concentração e quando dizem que a trufa é negra, a concretación é mais baixa", conclui.
Como saber se um produto trufado é bom
A chave para evitar as armadilhas dos produtos trufados encontra-se na listagem de ingredientes. Assim o reconhecem tanto Diana como Marco. "Há que o ler, rever o tipo de trufa e que esteja isento de aromas", explica o perito.
"Muitas vezes encontramos-nos com produtos trufados que não têm nada de trufa negra, aromatizados, e o preço é elevado e, por iosso, não é um indicador", acrescenta.
Os supermercados e produtos mais afectados
O relatório do CITA determina que os supermercados que mais produtos trufados vendem são El Corte Inglês (89), Alcampo (40), Bonpreu (31), Makro (29), Consum (24), Eroski (23) e Carrefour (15). E os alimentos trufados mais habituais são:
-Molhos e condimentos: 18%
-Azeites e vinagres: 17%
-Patés: 15%
-Queijos: 12%
-Presuntos e enchidos: 9%
-Massas, arrozes e legumes: 9%
-Conservas: 8%
-Pratos preparados precozinhados: 8%
-Licores e destilados: 2%
-Mermeladas, meles e xaropes: 2%
Além de utilizar outras espécies, diminuir a qualidade ou empregar aromas, as marcas utilizam outra técnica mais para dar gato por lebre: acrescentam azeitonas negras para que o produto trufado se tiña de virutas escuras, tal como explica Marco. E assim é como o consumidor acaba pagando a preço de trufa negra o que na realidade é qualquer outra coisa menos o precioso fungo. Uma armadilha que basta ler (e entender) a listagem de ingredientes para a comprovar.