Vá por diante que não tenho nada que objetar desde o ponto vista nutricional, e muito menos gastronómico, sobre o azeite de oliva virgen extra. Aclaremos que sou um defensor a ultranza de seu uso e presença em nossas cozinhas.
Não obstante, também é preciso que se conheça a história de como este representativo alimento da cultura mediterránea tem chegado a ser o que é hoje em dia. Sirva este relato para pôr de relevo como se costuma forjar grande parte do conhecimento que temos sobre questões nutricionais. Nesse saber, cientista e popular, intervêm três actores típicos: as questões culturais, os interesses (o dinheiro) e a ciência. Já seja para bem ou para mau, estes três actores, ademais, costumam actuar de forma sinérgica.
À cada cultura um azeite
Aos espanhóis costuma-nos custar achar que, em general e no resto do mundo, consumam-se outros azeites diferentes daqueles provenientes do olivar. No entanto, são factos irrefutables que:
- Todas as culturas, todas as civilizações, integram de forma intensiva os azeites vegetais (e em ocasiões as gorduras animais) em suas cozinhas.
- A cada comunidade, tradicionalmente e em virtude de sua localização geográfica, usa aquele azeite ou gordura que tem a mão.
Desta forma, tem-se de convir que as diferentes categorias do azeite do olivar se consumiram de forma tradicional, exclusivamente, numa pequena esquinita do mapamundi: a zona do Mediterráneo. No resto do planeta consumiram-se, e consomem-se, outros azeites: de soja, milho, colza, girasol, algodão, etcétera. Tanto é de modo que, actualmente, o consumo de azeites do olivar só representa o 1,5% do total de azeites vegetais consumidos no mundo.
O tropeço do azeite de oliva em Espanha
Poderia dizer-se que aqui se consumiu azeite de oliva "toda a vida". É verdadeiro. Era uma questão de acessibilidade. Mas apesar desse arraigo, teve um momento de decaimiento. Estou a falar de quando não se considerava, desde nenhuma perspectiva, a questão nutricional dos azeites.
Quando se começou a falar dos aspectos nutricionais nos azeites, faz não muito tempo —posso dar fé de isso— a imagem do azeite de oliva declinó de forma importante. Nos anos 70 e 80, muitas cozinhas espanholas —especialmente fora de Andaluzia— começaram a substituí-lo pelo então emergente azeite de girasol. Subiu-nos a febre pelos produtos "light", pelos produtos "sem gordura" e pelas novidades dietéticas. Naquele tempo, o azeite de girasol anunciava-se como mais suave (para gustos, cores), mais ligeiro (o qual é incorreto, já que todos os azeites têm a mesma densidade calórica: 9 kcal/g) e mais "elegante", no sentido... mais moderno do assunto. Enquanto, o azeite de oliva arrastava uma imagem rústica, algo antiquada e suspeita (injustamente) desde o ponto de vista calórico.
Há que dizer que a esta mudança de perspectiva também ajudaram certas directrizes políticas e, por tanto, económicas. Espanha não era então a grande potência produtora e exportadora de azeites do olivar que é hoje. Deste modo, e provavelmente guiado por políticas agrárias européias, promoveu-se a produção de girasol. Naquele tempo, ainda que pareça incrível, arrancavam-se oliveiras para cultivar girasoles.
A ajuda da publicidade e, sobretudo, da ciência
Naquele contexto, um tanto de descreimiento, o azeite de oliva precisou um processo de redenção. Na publicidade da época era frequente encontrar azeites etiquetados como "azeite de oliva puro", uma expressão que não tinha respaldo normativo algum. Não existia —nem existe— uma categoria legal telefonema "puro". Tratava-se mais bem de uma estratégia de marketing confusa que procurava transmitir uma ideia de autenticidad, ainda que pouco ou nada se dissesse sobre as qualidades nutricionais do produto.
Mas sua verdadeira reabilitação não se deveu à publicidade, sina ao gotejo constante de estudos científicos que puseram o foco no azeite de oliva virgen extra. No final dos anos 80 e durante os 90, começaram a publicar-se diversas investigações que apontavam para seus possíveis benefícios cardiovasculares, antioxidantes e antiinflamatorios.
Ao mesmo tempo, a situação de descontrolo normativo começou a ordenar-se quando as autoridades estabeleceram as categorias oficiais: virgen extra, virgen, azeite de oliva (refinado + virgen) e azeite de orujo de oliva (azeite de orujo refinado + virgen).
A Dieta Mediterránea: um conceito em construção
Ainda que hoje pareça que o azeite de oliva tem sido sempre o estandarte da dieta mediterránea, essa associação se consolidou com o tempo. O Estudo dos Sete Países —uma investigação pioneira que arrancou nos anos 50— já tinha descrito a dieta de certas regiões do Mediterráneo como particularmente protetora em frente às doenças cardiovasculares. O azeite de oliva estava presente, sim, mas como protagonista mais descritivo que causal. Para que me entendas, da mesma forma que a James Lind se lhe atribui a proposta de combater o escorbuto com cítricos, mas sem ter nem ideia de que o verdadeiro elemento preventivo era a vitamina C.
Foi depois, quando o termo "Dieta Mediterránea" começou a institucionalizarse, a reconhecer pela UNESCO como património cultural inmaterial e colarse em guias nutricionais de médio mundo, quando o azeite de oliva passou a ocupar o centro do relato.
O estudo PREDIMED, a última volta de porca
A autêntica revolução chegou com o estudo PREDIMED (Prevenção com Dieta Mediterránea), que se iniciou em 2003 e cujos resultados se publicaram pela primeira vez em 2013 no New England Journal of Medicine. Seu impacto foi rotundo: o azeite de oliva virgen extra, no marco de uma dieta mediterránea, reduzia o risco de eventos cardiovasculares maiores (infartos, ictus, mortes cardiovasculares) em população de alto risco.
Pela primeira vez, um ensaio clínico de grande qualidade e tamanho mostrava efeitos tangíveis sobre a saúde, com o azeite de oliva virgen extra como protagonista. Em 2018, uma revisão dos dados reafirmou as conclusões depois de corrigir certos problemas metodológicos.
Uma história com final feliz?
Ao igual que A Odisea de Homero na que se relata um longo e azaroso viagem (o de Ulisses, de volta a casa depois da guerra de Troya) a história recente do azeite de oliva é um exemplo perfeito de como os alimentos não só se comem: interpretam-se, contam-se, classificam-se e valorizam-se desde muitas ópticas. A ciência tem jogado um papel crucial em sua transformação, mas também o fizeram o marketing, o acervo cultural e a política.
E ainda que hoje desfrutamos de seu status saudável, convém recordar que sua história não sempre foi tão gloriosa. Entender o passado de um alimento também implica o saber por que o consumimos como o fazemos.