A investigação para encontrar a pílula mágica anti-obesidade - eficaz, sem esforço e sem riscos - tem sido uma espécie de busca do “santo graal” farmacológico desde o início do século XX. De facto, como já referi neste artigo de 2016, a história desta busca tem sido bastante desanimadora e até lamentável. No entanto, tudo parece ter mudado nos últimos anos com o advento dos agonistas dos receptores GLP-1, que parecem ser um verdadeiro milagre no tratamento da obesidade.
Como e porquê funcionam esta família de fármacos?
Em suma, as incretinas são um tipo de mensageiro hormonal natural segregado no intestino para “sinalizar” ao pâncreas que a comida está a chegar e que a insulina deve ser libertada. O GLP-1 é uma destas incretinas, identificada em humanos nos anos 1980 e 1990. Do ponto de vista metabólico, a secreção de GLP-1 no início da alimentação implica a libertação de insulina, melhora a sensibilidade a esta molécula e reduz a produção de glucagon. Além disso, atrasa o esvaziamento gástrico, favorece a saciedade e reduz a ingestão de alimentos, diminuindo a sensação de fome.
Em condições fisiológicas, o GLP-1 tem um tempo de vida curto, de um a dois minutos, e é rapidamente degradado pela enzima DPP-4 (dipeptidil peptidase-4). Neste contexto, no início dos anos 2000, a investigação centrou-se na criação de um medicamento que imitasse os efeitos do GLP-1, mas que fosse mais estável, resistente à degradação pela DPP-4 e com uma semi-vida prolongada de dias em vez de minutos. Estes são os medicamentos que conhecemos atualmente como análogos do GLP-1. Por outras palavras, são moléculas sintéticas que têm um efeito semelhante ao do GLP-1 natural mas, ao contrário do GLP-1 natural, com uma semi-vida muito ou muito mais longa.
Os análogos do GLP-1 mais conhecidos são o semaglutide e o tirzepatide, comercializados sob várias marcas, sendo as mais comuns Ozempic, Wegovy e Mounjaro.
A pílula mágica é suficiente?
Não, longe disso. Novas orientações publicadas por quatro organizações médicas e nutricionais de renome sublinham que estes medicamentos não devem ser vistos como uma solução autónoma, mas como parte de uma abordagem abrangente que inclui intervenções nutricionais e mudanças no estilo de vida.
A guia, titulada "Prioridades nutricionais para apoiar a terapia com GLP-1 para a obesidade", é o resultado de uma colaboração entre o American College of Lifestyle Medicine, a American Society for Nutrition, a Obesity Medicine Association e a Obesity Society. A importância desta diretriz é tal que foi publicada simultaneamente em quatro revistas científicas. Fornece recomendações práticas e baseadas em provas para otimizar a gestão dietética da obesidade entre os doentes que utilizam agonistas dos receptores GLP-1.
Os problemas com os análogos do GLP-1
Embora se tenha verificado que estes medicamentos ajudam a obter reduções de peso de 5-18% e melhoram outros parâmetros de saúde, a sua utilização não é isenta de problemas. Os efeitos secundários mais comuns incluem desconforto gastrointestinal, como náuseas e diarreia. Ao mesmo tempo, a redução do apetite induzida por estes medicamentos pode levar a deficiências nutricionais se a dieta do doente não for adequadamente monitorizada.
Um aspecto especialmente preocupante é a perda de massa muscular e óssea que pode acompanhar às perdas rápidas de peso. Sem uma ingestão adequada de proteínas e sem o conveniente exercício físico, mais especificamente treinamento de força, os pacientes correm o risco de perder massa muscular, que pode afectar de forma negativa a sua saúde a longo prazo e a manutenção da perda de peso.
Oito prioridades nutricionais
A Guia identifica oito áreas prioritárias para apoiar aos pacientes em tratamento com o GLP-1:
- Proposta inicial centrado no paciente: Estabelecer objectivos personalizados para a redução de peso e melhorias na saúde geral, tendo em conta as preferências e necessidades individuais.
- Avaliação nutricional pormenorizada: Analisar os hábitos alimentares, os factores emocionais desencadeantes, as perturbações alimentares e as condições médicas relevantes para conceber um plano nutricional adequado.
- Gestão dos efeitos secundários gastrointestinais: Implementar estratégias nutricionais e médicas para atenuar o desconforto, como náuseas ou diarreia, facilitando a adesão ao tratamento.
- Dieta personalizada e nutritiva: Promover uma alimentação minimamente processada e adaptada às preferências e necessidades do paciente.
- PPrevenção de carências de micronutrientes: Monitorizar e, se necessário, suplementar com vitaminas e minerais, especialmente nos doentes em que foi identificado um padrão alimentar particularmente reduzido.
- Ingestão adequada de proteínas e treinamento de força: Preservar a massa muscular mediante uma combinação de dieta suficientemente rica em proteínas e exercícios de resistência.
- Otimização da perda de peso através da dieta: Utilização de padrões alimentares eficazes, como a dieta mediterrânica ou à base de plantas, para melhorar a perda de peso induzida por medicamentos.
- Incentivar mudanças no estilo de vida: Incorporar melhorias na atividade física, na qualidade do sono, na gestão do stress, no consumo de substâncias e nas relações sociais para apoiar o sucesso a longo prazo.
A cozinha é tão ou mais importante que a farmácia
Como salienta a diretriz, é importante integrar estas prioridades nas consultas através de aconselhamento com dietistas-nutricionistas, visitas de grupo e plataformas de telemedicina, a fim de promover a nutrição como um medicamento por direito próprio.
A este respeito, é essencial destacar a secção do Guia acima mencionado dedicada aos conhecimentos culinários dos doentes. Para tirar partido da terapêutica com agonistas GLP-1, é essencial não só saber o que comer, mas também como cozinhá-lo e organizá-lo no seu quotidiano. A implementação de receitas saudáveis, a gestão das compras, o planeamento de menus e a conservação dos alimentos são competências que fazem a diferença entre uma verdadeira adesão e uma resposta subótima ao tratamento. Disse-o sempre e o mantenho. É por isso que este Guia não se limita a fazer recomendações nutricionais padrão: apela a uma formação culinária real e acessível para colmatar a lacuna entre a teoria e a prática. Uma lacuna que provavelmente desempenha um papel importante nas causas do aumento significativo da prevalência da obesidade nas últimas décadas.