O mundo sacode-se. Às vezes literalmente, às vezes como um murmullo que escala até se converter em grito global. Vimo-lo com a Flotilla rumo a Gaza, interceptada em águas internacionais por Israel. Treze barcos carregados de ajuda humanitária e ativistas a mais de trinta países, desbordando um símbolo que viajou mais longe que suas próprias as vai.
As imagens dos soldados abordando, as vozes dos detentos, os protestos em Barcelona, Atenas, Estambul, Buenos Aires, Madri, Cidade de México. A cada praça converteu-se num eco do mesmo reclamo: basta de impunidade, basta de silêncio.
Alguns terramotos começam nos corredores do supermercado
Quando o mundo se agita, sucedem terramotos. E os terramotos, ainda que destroem, também derrocam muros, governos e mentiras. Mas não todo o tremor nasce na rua nem nas ondas do Mediterráneo, alguns começam nos corredores de um supermercado. A outra forma de protesto é eleger que metemos no carrito.
O movimento BDS (Boicote, Desinversiones e Sanções) situa a Carrefour como objectivo prioritário. Desde 2022, a corrente francesa mantém um acordo com Electra Consumer Products e seu filial Yenot Bitan, ambas implicadas em assentamentos ilegais em Palestiniana e vinculadas ao grupo Elco, citado pela ONU entre as empresas que operam em Cisjordânia ocupada.
A vinculação de Carrefour com Israel
A relatora de Nações Unidas Francesca Albanese chegou a mencionar a Carrefour em seu relatório Da economia da ocupação à economia do genocídio, acusando-a de "sustentar a economia das colónias" e de participar num sistema discriminatorio. A isso se somam relatórios de ONG como Oxfam Intermón, que denunciam que suas alianças comerciais "apoiam directamente a economia dos assentamentos".
As polémicas cresceram quando Carrefour foi assinalado por doar comida e packs a soldados israelitas durante a invasão de Gaza, um gesto publicado em sua conta de Instagram local e posteriormente modificado, segundo revelou Libération. Ademais, o mesmo Benjamín Netanyahu visitou um de seus centros e o ministro de Economia, Nir Barkat, elogiou publicamente à empresa. Inclusive suas campanhas têm sido questionadas por mostrar mapas de Israel que incluem territórios palestinianos e sírios ocupados, projectando a imagem de uma companhia que não é neutra, sina parte da engrenagem económica da ocupação.
Os produtos de Carrefour fabricados em Israel
Neste contexto, tem ganhado notoriedad uma lista ampliada, publicada pela organização Boicote, Desinversiones, Sanções a Israel (Rescop), que identifica a numerosas marcas por suas supostas relações com Israel. O foco de atenção pôs-se recentemente sobre a marca própria de Carrefour, assinalando vários de seus produtos de higiene.
Segundo a listagem de Rescop, uma faixa significativa de toallitas da marca Carrefour são fabricadas em Israel. A organização aponta a que estes produtos são distribuídos pela empresa belga com filial em Israel, BVBA EPI International, localizada em Petach Tikva, para perto de Tel Aviv.
Os produtos específicos mencionados na lista são:
- Toallitas desmaquilladoras Carrefour Discount
 
- Toallitas luva limpiadoras Carrefour
 
- Toallitas calmantes Carrefour
 
- Toallitas íntimas Carrefour
 
- Toallitas Carrefour Baby "sensitive" e "milk"
 
- Tampones marca Teen de Carrefour
 
- Exfoliante de L'Oréal (Made in Israel), também vendido em Carrefour.
 
- Toallitas de "Lhes Cosmetiques Design Paris", marca exclusiva de Carrefour, em suas faixas "Hydra Science", "Age Science" e "Clean". Todas as toallitas são fabricadas em Israel.
 
Um boicote que se estende a todas as secções do supermercado
Além dos produtos de higiene mencionados, Carrefour comercializa outros artigos fabricados em Israel ou com distribuição israelita. Entre eles destacam os dátiles Medjoul, um dos produtos agrícolas mais exportados pelo país genocida, bem como pipas tostadas embaladas por Ferrer Segarra e alguns frutos secos de marcas espanholas que comercializam com dátiles israelitas do Jordan River, como Frit Ravich, segundo os dados publicados por Rescop.
As campanhas de boicote também assinalam a outras marcas multinacionais presentes em grandes superfícies --entre elas gigantes das bebidas como Coca-Bicha e Schweppes, cosméticos como Ahava, ou equipas Sodastream— por seus vínculos empresariais com plantas de produção em Israel ou nos Altos do Golán.
Que implicaria deixar de comprar estes produtos?
Que passa quando um carrito vazio pesa mais que um cheio? Quando alguém decide não comprar uma toallita, um creme, um refresco, não está sozinho recusando um produto, está a questionar uma estrutura inteira. Boicotar artigos com vínculos com Israel –sobretudo aqueles fabricados nos territórios ocupados que denuncia Rescop– é um gesto pequeno em aparência, mas que abre grietas num muro bem mais grande.
O primeiro efeito é a consciência: falá-lo em redes, comentar na mesa, forçar às empresas a dizer com clareza de onde vem o que vendem. Depois chega a pressão: se o gesto multiplica-se, os supermercados vêem-se obrigados a revisar provedores, contratos e etiquetas. E, para além do consumo, o boicote converte-se num argumento político e legal, porque liga com resoluções da ONU, com a letra seca dos direitos humanos. Claro, não é fácil. As etiquetas confundem, as multinacionais disfarçam-se de mil nomes, as origens perdem-se entre fronteiras. Mas inclusive essa dificuldade é parte do relato; a cada eleição, a cada "não" na caixa registradora, é um modo de recordar que não somos consumidores cegos, senão cidadãos que votam também com o bolso.