Loading...

Anna Sólyom: "Quiçá usamos tanto o móvel porque almejamos as caricias que não recebemos de meninos"

Entrevistamos à terapeuta psicocorporal e autora do livro 'O cão que seguia as estrelas' para entender nossas relações com as mascotas e nos conhecer um pouco mais

Teo Camino

S 3

Anna Sólyom transmite paz. A jovem terapeuta e escritora chega à redacção de Consumidor Global unicamente ataviada com seu último livro baixo o braço, O cão que seguia as estrelas (Editorial Vr Europa, 2024), e um sorriso afable.

Como Francisco Ombreira na célebre entrevista com Mercedes Milá, Sólyom tem vindo a falar de seu livro, mas também das relações e o enorme apego que se estabelece entre os humanos e seus mascotas, da imperdonable cifra de abandonos de cães e gatos e da dependência do móvel, entre outras temáticas que guardam relação com sua obra.

--Como resumiria numa frase seu livro 'O cão que seguia as estrelas'?

--Inclusive em tempos difíceis, o amor não conhece distâncias, só barreiras mentais.

A terapeuta e autora do livro 'O cão que seguia as estrelas' Anna Sólyom / SIMÓN SÁNCHEZ
--Das 16 ensinos de Roshi, o golden retriever que protagoniza seu livro, quais destacaria?

--Uma pode ser que é placentero cuidar e se preocupar por alguém. O afecto. Em alguns cárceres realizam projectos com cães porque ajudam a entender as relações interpersonales através deste cuidado. E outro ensino poderia ser 'há que desfrutar agora'. Não podemos adiar a dor e também não teríamos que adiar a alegria ou desfrutar do momento.

--"Por que sempre está tão pendente desse animal? É só um cão!", pensa um das personagens de seu livro, ao igual que muita gente não compreende esse amor tão intenso que sentem algumas pessoas por suas mascotas…

--Tanto faz que a dependência com os meninos. Há pessoas que deixam de fazer outras coisas e remodelan sua vida ao redor das necessidades dos meninos, algo que é totalmente necessário. Mas isso não significa que uma noite não possas chamar a um canguro e sair com teu casal para cuidar a relação. Às vezes, encerramos-nos em relações com mascotas para evitar os reptos que nos põe a vida. As relações interpersonales requerem esforço. Quiçá as pessoas introvertidas sejam mais propensas a encerrar-se porque sentem-se mais cómodas numa borbulha mais reduzida. Ao mesmo tempo, o que pode ser muito são para uma pessoa pode ser perjudicial para outra. Tudo depende da cada pessoa, da cada animal e de sua relação particular.

'O cão que seguia as estrelas', de Anna Sólyom / CASA DO LIVRO

--Como encontramos esse equilíbrio?

--Hoje em dia podes ir com teu mascota a infinidad de lugares. O equilíbrio está ali onde não faço dano a meu mascota com a vida que quero levar. Se viajo muito, quiçá seja melhor não ter uma mascota. Se não vou sacar ao cão dois ou três vezes ao dia, melhor não ter cão. Se quero ir a todas partes com meu cão, é outro extremo. O equilíbrio está ali onde podemos coexistir.

--A verdade é que nunca me tinha metido tão a fundo na mente de um cão como com Roshi… Como se inspirou para pensar como um cão?

--Meu editorial em Itália (Giunti) ajudou-me a focar a voz do cão, e também tenho lido muito sobre histórias animais. O escritor austríaco Felix Saltem, autor de Bambi, tem um livro maravilhoso titulado Perri onde os animais falam. Também há um autor húngaro, István Fekete, que tem escrito muitas histórias de animais com as que eu cresci, mas falam como se fossem humanos. Roshi, em mudança, tem a perspectiva de um cão. É um cão, e um cão não vai pensar sobre coisas humanas, sina sobre coisas perrunas. Foi um jogo divertido.

--'O cão que seguia as estrelas' está plagado de fábulas…

--Faz pouco perguntaram-me se recomendá-lo-ia para uma menina de 11 anos e disse que não o sabia. Depende da menina, porque o livro trata dramas muito humanos de pessoas adultas, e quiçá podem-nos compreender e inclusive podem ajudar-lhes a passar estes tempos difíceis que nos tocou viver.

--É verdade. O livro toca temas duros, mas com uma prosa muito amável…

--Minha missão era escrever de coisas duras, mas de uma maneira amável. Acho que esse cariño ajuda-nos a processar as coisas difíceis com mais resiliência. Sem esmagar-nos a nós mesmos. A ideia era fazer sentir bem ao leitor enquanto se abriam portas de transformação. E também mostras que é possível mudar, é possível melhorar a situação. Nesta história é um cão o que ajuda às pessoas.

--Um 'roshi' é um maestro no budismo zen e sua obra está cheia de ensinos… É um livro de autoayuda?

--Poderia ser. Ainda que é mais como uma novela feelgood. Mas também poderia ser de autoayuda, sim.

--Como mudam nossas vidas os colegas de quatro patas?

--Quem amamos aos peludos estamos condenados a viver mais duelos, porque eles vivem menos anos. O livro trata dos duelos que não queremos passar, que guardamos em nosso interior. Ao final, transformamos-nos através destas dores e o mundo também se transforma ao redor de nós.

--Cuán duradoura é a impressão que deixam as relações profundas que mantemos com cães e gatos?

--Como a de uma amizade humana. O amor não faz diferenças. Podes dizer-te que não é um humano, mas, quando há interacção, quando compartilhas tanto, quando há um apego recíproco tão profundo, há pessoas que passam um duelo e um luto muito profundo. É assim. É muito difícil.

A autora com sua obra / SIMÓN SÁNCHEZ

--Como se supera?

--Há que sentir a dor. É o único que nos ajuda a sair desse poço. A escritura, escrever uma carta a esse ser querido, pode ajudar-nos muito. Escrever com o amor que guardas no coração, expressar o que sentes, é uma das chaves para deixar que as emoções não fiquem encerradas e fluam.

--Hoje vivemos em era-a da hiperconexión digital… Fazem falta menos horas com o móvel e mais cercania e caricias?

--Estou 100% de acordo. Encanta-me como dizes isso a mais caricias e menos móveis. Absolutamente. Quiçá utilizamos tanto os móveis porque temos um vazio dentro de nós que almeja essas caricias que quiçá não recebemos de meninos. Nos últimos 15-20 anos todo mundo diz que os meninos precisam mais conexão física.

--A conexão física e emocional é sanadora?

--Totalmente. É muito sanador reconhecer esses posos de vazio e enchê-los com contacto físico, com caricias, com comunidades de pertence. Sanamos-nos em comunidade. A solidão é como um castelo. Às vezes, acordamos-nos e vemos que temos construído um castelo do que não podemos sair. As comunidades podem-nos apanhar a mão e ajudar-nos a sustentá-los. Isto liga com o provérbio africano que cito no livro: 'Se queres ir rápido, vê sozinho. Se queres ir longe, vê acompanhado'. Em Occidente precisamos desmontar essa ilusão do eu posso com tudo.

--O 34% dos espanhóis tem algum problema de saúde mental… Algo tão singelo como ajudar ao próximo pode ser uma boa maneira de curar nossas próprias feridas?

--Sim e não. Sim porque pode-nos encher muito e fá-nos-á sentir úteis, mas também pode converter numa resposta people pleaser, que significa que sempre queremos comprazer aos demais. É uma das respostas que desenvolvemos em frente a elementos traumáticos da niñez. Também é importante nos comprazer a nós mesmos e incluir nesse círculo de ajudar aos demais. É o equilíbrio o que nos vai ajudar.

--"Não tenho dúvidas de que a casa está vazia. Sei-o porque ladro e lloriqueo, mas só me responde o silêncio", pensa Roshi ao início de sua novela. A solidão, quando não é eleita, sempre é daninha?

--Não acho que sempre seja daninha. É daninha quando a vivemos desde uma perspectiva que nos danifica. Quando a história que nos contamos a nós mesmos sobre a experiência que estamos a viver nos danifica. Mas também podemos nos sentir muito sozinhos numa multidão.

--Durante o Natal lembramos-nos dos que já não estão e vivemos uma montanha russa de emoções que, às vezes, pode ser difícil de gerir. Que conselho dar-lhe-ia a um amigo para sobrellevar esta época do ano?

--Desde minha experiência, es mais difícil encerrar as emoções que as sentir. Requer-se muita mais energia. Se neste ano tenho perdido a alguém de minha família e faço como se não tivesse passado nada, sentir-me-ei fatal. Meu convite é criar um espaço especial para essa pessoa ou essa mascota, pôr uma vela e reconhecer essa dor que estou a passar porque já não está. Isto ajuda a aflojar o peso da perda e ajuda a se sentir melhor com os demais.

--Em Natal presenteiam-se muitas mascotas…

--Um dos problemas é que presenteamos cachorros, mas estes cachorros crescerão. Crescerão, comerão mais, precisarão jogar, morderão todo o que está por casa… Pode contribuir muito, mas também pode dificultar tua vida. É necessário estudar que tipo de cão precisa minha família, quais convivem bem com meninos pequenos… Há muitas maneiras de asesorarse para eleger bem, e isto pode salvar muitas vidas. Também podes ir à perrera aos passear. Podes estar com gatos em alguns cafés. O impulso muitas vezes dá certo, mas quando não dá certo danificamos a um animal e isso fica no subconsciente da pessoa. E, por suposto, há muitos cães que já não são cachorritos e estão a esperar que alguém lhes acolha em casa.

--Também é uma das épocas do ano, junto com o verão, em que se abandonam mais cães e despesas…

--As famílias dão-se conta demasiado tarde da enorme responsabilidade e dinheiro que requer uma mascota e se despedem dos animais de uma maneira muito desagradável. Ter uma mascota é muito belo, mas também é uma grande responsabilidade.

Um cão numa protetora / PIXABAY

--Em 2023 abandonaram-se 286.682 animais de companhia (170.712 cães e 115.970 gatos) em Espanha… Esses 286.682 donos deveriam ler mais que ninguém 'O cão que seguia as estrelas'?

--Sim, faz favor. Leiam sobre animais para compreender seus sentimentos e aprender a querê-los melhor.