Ángela Ibáñez, psiquiatra: "Entre 2% e 3% da população sofre de algum TOC"

Na Consumidor Global quisemos olhar em profundidade para essa percentagem - não negligenciável - de pessoas que vivem diariamente com TOC e dar visibilidade à sua existência.

Uma pessoa em terapia, que é entre 2% e 3% da população, sofre de TOC/ PEXELS.
Uma pessoa em terapia, que é entre 2% e 3% da população, sofre de TOC/ PEXELS.

Alguma vez perguntaste-te o porquê de muitas vezes caminhas sem pisar as linhas do solo sem motivo aparente? Talvez nem sequer tenhas querido pensar porque é que regressas ao seu carro depois de ter saído a meio caminho com a terrível ideia de que o deixou destrancado e, não só isso, mas também porque acciona várias vezes o guiador, mesmo sabendo que está totalmente trancado e controlado.

Talvez seja uma daquelas pessoas que consegue fazer as suas necessidades numa casa de banho pública, mesmo que não toque na tampa ou na torneira de uma casa de banho pública. Estas são questões sem importância que, embora muitas pessoas considerem simples manias, a verdade é que há muitas pessoas que vivem com este tipo de pensamentos irracionais de angústia, pois tornam-se persistentes e geram um impulso em que têm de os realizar de forma significativa. Estas pessoas sofrem de TOC.

O que é o Transtorno Obsesivo-Compulsivo (TOC)?

O TOC é um transtorno mental crónico caracterizado pelo aparecimento de pensamentos intrusivos recorrentes (obsessões) e a necessidade de levar a cabo ações repetitivas (compulsões) para aliviar a ansiedade. Estas condutas podem interferir na vida quotidiana, afectando as relações pessoais, laborais e a estabilidade emocional de quem padece disso.

As pessoas com TOC costumam experimentar pensamentos involuntarios, repetitivos e persistentes que percebem como ilógicos ou inaceitáveis. Não se trata de preocupações habituais como as dificuldades económicas ou os problemas laborais, mas sim de ideias irracionais que podem estar relacionadas com a religião, a simetria, a segurança, a moralidade ou inclusive com pensamentos intrusivos de carácter violento ou sexual.

Estes pensamentos geram ansiedade extrema e culpa, o que impulsiona a pessoa a realizar compulsões para tratar de as neutralizar. A conta de psicologia chamada @somosestupendas no TikTok quis-nos aproximar de um relato de uma pessoa que padece de TOC e o seu depoimento de como começou a sentir que tinha um problema.

@somosestupendas Viver com TOC (Transtorno Obsesivo Compulsivo) para muitas pessoas é algo muito difícil. Uma das pessoas que o sofrem é, Alba e hoje, conta-nos a sua experiência. Conhecias este transtorno? 💔 #toc #trastornoobsesivocompulsivo #salumental #psicologia #testemunho #fyp ♬ som original - SomosEstupendas

Ángela Ibáñez, psiquiatra: "Entre 2% e 3% da população poderia estar afectada pelo TOC"

É importante não confundir o TOC com o transtorno de personalidade obsesivo-compulsiva, que se caracteriza por uma necessidade extrema de controle, perfeccionismo e rigidez. Enquanto o TOC causa angústia e a pessoa costuma reconhecer o irracional dos seus pensamentos, que apresentam um rasgo de personalidade obsesivo-compulsiva costumam ver os seus comportamentos como apropriados e necessários.

Outro paciente de TOC chamado Jaume também quis explicar para a mesma conta como vive ele os seus pensamentos compulsivos, bem como enfatizar o magro favor que fazemos como sociedade quando banalizamos este problema dizendo frases como "tenho um TOC com tudo arrumado” ou “ponha tudo direitinho, senão fico com TOC”. Não, não se tem TOC porque se quer fazer as coisas de forma arrumada ou à nossa maneira, por isso não se deve referir a este problema desta forma.

@somosestupendas Depoimentos como o de Jaume são necessários para desestigmatizar o transtorno obsesivo compulsivo (TOC). Esperamos que o seu depoimento nos nutra como sociedade e nos empurre a procurar mais informação sobre este transtorno que limita a vida de tantas pessoas e gera tanto mal-estar. E esperamos que também ajude a que todas as pessoas que têm TOC se sintam um pouco menos sozinhas e menos "loucas". Estamos com vocês. 💞 Na nossa equipa temos profissionais especializados em TOC. Se queres fazer terapia, não duvides em escrever-nos. #COT #trastornoobsesivocomsulsivo #transtorno #transtornos #saludmental #psicologia #psicoterapiaintegradora #somosestupendas #terapia #terapiaonline #trastornoobsesivo #parati ♬ som original - SomosEstupendas

Segundo peritos em psiquiatría como o doutor Jerónimo Saiz e a doutora Ángela Ibáñez, "entre 2% e 3% da população poderia estar afectada pelo TOC, ainda que continua a ser uma condição infradiagnosticada", explica esta última especialista. "Costuma manifestar-se na adolescência, mas muitas pessoas demoram entre 8 e 17 anos a receber um diagnóstico adequado. Não distingue entre géneros e o seu aparecimento após os 35 anos é menos frequente", enfatiza o médico, alertando do poder que tem a vergonha e o medo da rejeição para fazer que muitos o ocultem, dificultando ainda mais a sua detecção e tratamento.

O que é a "fusão pensamento-acção"?

Investigações têm demonstrado que muitas pessoas com TOC têm um pensamento denominado "fusão pensamento-acção", o que significa que sobrestimam a probabilidade de que algo ocorra apenas por o ter pensado e não o levar a cabo. Por exemplo, podem achar que se imaginam um acidente, este será mais provável, ou que ter pensamentos inadequados equivale moralmente a ter realizado a acção. Assim mesmo, algumas pessoas com TOC sentem uma responsabilidade desproporcionada por evitar eventos negativos, como contar objetos para impedir um acidente familiar.

A criadora de conteúdo Ro Vitale tem uma conta onde visibiliza e explica como limitada é a sua vida com um TOC severo, o seu objectivo apenas é dar a conhecer a realidade de muitas pessoas que sofrem e enfrentam os sintomas em silêncio, mas também ajudar aqueles que não têm coragem de o verbalizar aos que os rodeiam.

@rorovitale Querem ver como pode ser começar no dia com TOC severo? 🙋🏽‍♀️🥹. Se queres que te mostre o pequeno-almoço deixa-me um comentário ♥️ #COT #fypシ #parati #foryou #rovitale #trastornoobsesivocompulsivo #saludmental #cazzuchelli ♬ Muita Data - Cazzu

Alguns destes comportamentos incluem limpeza excessiva, arrumação meticulosa, repetição de palavras ou frases, contagem de objectos ou mesmo rituais mentais em que tocar num objeto é impensável. Embora responder à sua mente e cumprir estas acções alivie momentaneamente a ansiedade, com o passar do tempo reforçam a obsessão, criando um ciclo vicioso difícil de quebrar.

@rorovitale 👇 Conta-me nos comentários: Tinhas escutado algum destes mitos? Que outro gostarias que desmascarássemos em outro video? #Neurodiversidad #COT #DesmintiendoMitos #fyp #parati #fypシ゚ ♬ som original - Ro Vitale

Visibilizar o TOC: a importância dos depoimentos e literatura

Existem múltiplos recursos para ajudar tanto a quem padece de TOC como os seus seres queridos. Livros como Vença seus obsedes, de Edna Foa, ou Dominar as obsedes: Uma guia para pacientes, de Pedro Moreno, oferecem estratégias úteis para enfrentar o transtorno. Também há títulos adaptados a crianças, como Que posso fazer quando me obsedo demasiado, de Dawn Huebner.

@tmerino11 #fyp #parati #booktok #booktoker #bookworm #bookish #bookclub #bookrecommendations #bookrecs #livros #libroslibroslibros #harrypotter ♬ som original - toño📖

A literatura e o cinema têm abordado o TOC em diferentes ocasiões. J.K. Rowling refletiu a sua própria experiência nUma vaga imprevista, incluindo uma personagem com TOC inspirado na sua adolescência, quando realizava listas de verificação obsesivas. Damián Alcolea, no seu livro Tocados, narra a história de um actor que deve superar os seus medos para seguir adiante com a sua carreira, inspirando-se nas suas próprias vivências. Esta obra sublinha a importância de normalizar o TOC e evitar que se perceba como uma excentricidade.

Como se trata o TOC?

Quando os sintomas afectam a funcionalidade diária, laboral ou social, é fundamental procurar ajuda profissional. A terapia cognitivo-conductual é uma das ferramentas mais eficazes, já que expõe progressivamente a pessoa às suas obsessões sem permitir a compulsão, reduzindo assim a ansiedade a longo prazo. Em vez de tratar de eliminar os pensamentos intrusivos, a terapia ensina a aceitá-los sem reagir de forma compulsiva.

O tratamento farmacológico também é uma opção eficaz nos estádios iniciais, porque certos medicamentos ajudam a reduzir a intensidade dos sintomas.