Javier Cottet (Barcelona, 1968), presidente da histórica óptica catalã Cottet, chega à entrevista com umas Ray-Ban. Uma eleição curiosa para o máximo responsável por uma empresa familiar centenaria e uma potente marca própria. De repente, clica uma patilla. Clique. "Acabo de fazer uma foto". Desliza um dedo pelo lateral e escuta-se uma melodia imperceptible para os demais. "Posso escutar música, atender um telefonema ou ler o correio sem sacar o móvel do bolso", explica.
São as Ray-Ban Meta, a última meta tecnológica, e para Cottet representam toda uma declaração de intenções. O homem, que de menino sonhava com ser piloto e atingir o espaço, hoje tende uma ponte entre o profundo respeito por um legado que iniciou seu bisabuelo em 1902 e uma visão empresarial que abraça sem reservas a disrupción. "Aí reside nossa chave do sucesso: combinar a solidez e a história de nossa marca com a inovação mais avançada do mercado. Se surge algo realmente novo, somos os primeiros em pôr ao alcance do cliente", arguye.
--Leva mais de 120 anos de história sobre os ombros. Seu bisabuelo, Constantino Cottet, veio do França e fundou a primeira óptica no emblemático Portal de l'Àngel. Que peso tem essa herança de ser a quarta geração nas decisões diárias do negócio?
--É um peso que, muitas vezes, te obriga a tomar decisões mais com o coração que com a cabeça. Por um lado, sentes o orgulho positivo de uma família que leva mais de um século dedicada com paixão a ajudar a milhares de pessoas a ver e ouvir bem. Por outro, é uma lousa, a responsabilidade de um apellido. Mas levo-o bem, é um orgulho pensar que, se não o tivéssemos feito bem, singelamente não estaríamos aqui.
--Você, de jovem, passou por todos os departamentos dantes de liderar a companhia. Teve algum já que fizesse-lhe entender melhor que precisa realmente o cliente de uma óptica?
--Comecei no armazém porque tinha vontade de ganhar-me meu próprio dinheiro e deixar de pedir paga-a. Fui passando por compras, finanças, marketing… até que um diretor geral externo me disse algo chave: "Javier, se para valer queres trabalhar aqui, tens que ir vender". E foi nas lojas, adiante do cliente, onde mais aprendi. Aí dás-te conta do difícil que é satisfazer uma necessidade e que uma pessoa confie em ti para trocar seu dinheiro por um produto.
--Aquela loja histórica de Portal de l'Àngel fechou em 2019. No foro BCN Desperta expôs que se o centro de uma cidade só tem lojas sem personalidade perderá seu atractivo. Que faz que um comércio seja "emblemático" e daí estamos a perder?
--O conceito "emblemático" é complexo. Falamos de antiguidade, de arquitectura, de que pertença à mesma família cem anos? O realmente importante é que uma cidade conserve sua personalidade. Que Bilbao, Sevilla ou Barcelona não sejam um "copiar e colar" das mesmas correntes que encontras em qualquer shopping do mundo. Isso é aburrido. As prefeituras devem proteger esse comércio diferencial. No entanto, nossa mudança foi um movimento lógico. O Portal de l'Àngel que apaixonou a meu bisabuelo não é o de hoje, que é um centro eminentemente turístico. Nossos clientes já não vinham ali. Movemos-nos para onde estava nosso cliente.
(VIDEO DAILY MOTION)
--No mesmo foro, você assinalou problemas como os horários de abertura ou o impacto das obras. De que maneira afecta esta problemática urbana à experiência de um cliente que só quer ir comprar umas gafas?
--A gente já não compra por obrigação, isso é só o 20% do consumo. O outro 80% é lazer, é uma experiência. E para que seja positiva, precisas as mesmas condições que te dá um bom shopping: facilidade de acesso, segurança e limpeza. Se a prefeitura de uma cidade como Barcelona põe travas constantes à mobilidade, reduz estacionamentos e gera insegurança, está a prejudicar directamente essa experiência.
--E com respeito aos horários?
--Sendo a cidade mais turística de Espanha, não faz sentido não poder abrir em domingo nas zonas centrais, enquanto outras localidades próximas sim podem. Há que ter uma mentalidade mais liberal: se alguém quer abrir e alguém quer trabalhar, se lhe deve permitir. A economia privada é a que gera os impostos que pagam a previdência, a educação e a segurança. Se a economia não funciona, o estado do bem-estar não se pode pagar.
--Você tem afirmado que "Espanha é o país do mundo com mais ópticas por habitante". Esta concorrência tão intensa, em que se traduz para o consumidor?
--É um fenómeno typical spanish. Somos o país com mais bares por habitante, fomo-lo com os videoclubs e agora com as lojas de unhas. Quando algo funciona, o replicamos até a saturação. A consequência direta é que Espanha se converte num país low cost. E low cost é low cost. Ninguém dá duros a quatro pesetas.
--Afecta a qualidade?
--Não é o mesmo voar em Ryanair que em Lufthansa. O modelo espanhol de sucesso no retail, como Inditex ou Cabo, é brilhante, mas se baseia no volume e o preço, a diferença do modelo francês, focado no luxo como Louis Vuitton ou Kering. Em nosso sector, esta pressão à baixa pode afectar à qualidade, ainda que, para nós, ao ser um produto sanitário, há bastante controle. Mas, sobretudo, afecta ao tipo de serviço que recebes.
--Nesse mar de ofertas, com quase o 50% de suas vendas de marca própria, é Cottet o Mercadona das gafas?
--Não, em absoluto. Somos muito diferentes. Respeito muitíssimo a Mercadona, é uma das melhores empresas do mundo, mas nosso negócio não é equiparable. Nós nos dedicamos a solucionar problemas de saúde. Um cliente não vem só a por um produto, vem com uma necessidade. Nosso labor é diagnosticar seu problema e oferecer-lhe a melhor solução, seja uma gafa, umas lentillas ou inclusive derivar a um médico se é necessário. Por isso, nosso maior sucesso não é a primeira compra, é quando um cliente te diz: "Meu pai já vinha a comprar aqui".
--Fala da diferenciação de sua empresa num mundo globalizado, mas leva postas umas Ray-Ban. Por que não umas Cottet?
--Porque estas são as Ray-Ban Meta. E aqui está a chave de nossa estratégia: combinar a solidez de nossa marca com a inovação mais puntera do mercado. Somos uma empresa pequena, não temos a capacidade tecnológica de Meta ou Luxottica para desenvolver um produto assim. Mas sim preocupamos-nos por ser os primeiros em oferecer-lho a nossos clientes. Fomos pioneiros em trazer Oakley a Espanha nos 90, em vender lentes de contacto, em audiología e agora em smartglasses.
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--Ser os primeiros também tem um risco?
--Sim, não tudo funciona, como ocorreu com as Google Glass, que foi um falhanço. Mas é nosso caminho. Não podes ser o primeiro em inovar e, ademais, o mais barato. Isso não existe. Nosso valor é ser bons, não necessariamente caros.
--Cottet fala de lentes que amanhã poderiam graduarse com impulsos elétricos ou aparelhos de medida precisos. Qual é o calendário real para que o cliente comece a beneficiar destas tecnologias?
--O futuro já está aqui (diz, assinalando seus gafas). O que dantes era ciência ficção, hoje me permite fazer uma foto, escutar música ou usar um tradutor. A velocidade da inovação é exponencial. O importante é estar sempre provando, lançando novidades. Os provedores já nos conhecem e confiam em nós para declarar seus novos produtos. Essa confiança, construída durante décadas, permite-nos aceder ao último e ser essa ponte entre a tecnologia mais avançada e o cliente final.
--Com planos de expansão a México ou Portugal, como se exporta a esencia de um comércio tão barcelonés sem que se diluya?
--Adaptando-nos e procurando um sócio local. A saúde está regulada de forma muito diferente na cada país. Em Andorra, por exemplo, não podemos vender estas gafas Meta por sua estrita lei de protecção de dados. Tens que entender e respeitar as normas locais. E, sobretudo, não temos pressa. A vantagem de ser uma empresa familiar de quarta geração é que não temos pressa. Nosso lema é o que se diz em catalão: 'De mica em mica s'omple pica-a' (pouco a pouco enche-se o tanque). Queremos crescer, mas fazendo as coisas bem.
--A história empresarial de sua família é muito longa. Olhando atrás, que queria ser de pequeno? Sempre assumiu que faria parte do negócio familiar?
--De pequeno encantava-me o desporto, a acção. Fazia-me muita ilusão todo o relacionado com voar, o espaço. Quiçá, poderia ter sido piloto. Mas a vida e as circunstâncias levam-te por caminhos mais terrenales. Se não tivesse tido o negócio em casa, provavelmente não dirigiria uma óptica. Mas tenho descoberto que ser empresário é apasionante. Ademais, tento virar essa energia em ajudar. Participo em várias associações porque acho que temos a obrigação de ser boas pessoas e tentar arranjar as coisas, não cair na desafección de pensar que nada se pode mudar.
–Terá sempre um Cottet à frente de Cottet?
--Não vou obrigar a minha família a continuar. Isso seria uma jaula de ouro, e são muito perigosas. Herdar uma empresa com empregados é uma complicação enorme, uma grande responsabilidade. Meus filhos devem ter a liberdade de decidir que fazer. Eu não quero lhes deixar um ónus em herança. Se algum dia tenho a sorte de poder deixar-lhes algo, quero que seja um presente, não um problema.