O turismo em torno dos cemitérios, conhecido como necroturismo, está em plena expansão em Espanha, onde estes espaços já não só se percebem como lugares de sepultura, sina como museus ao ar livre que convidam à reflexão, a arte e a história.
O recente Concurso de Cemitérios de Espanha, organizado pela empresa funeraria Enalta e celebrado na sede da Fundação Mapfre em Madri, tem posto de relevo este fenómeno cultural crescente, que já se consolidou como uma tendência européia anos atrás.
Um concurso de camposantos
Entre os galardoados desta nona edição, que contou com a participação recorde de 74 camposantos, o primeiro posto foi a necrópolis dAs Rodas, em Padilla de Duero (Valladolid), um impressionante enclave prerromano de seis hectares (e com para perto de 120.000 tumbas) pertencente à antiga cidade vaccea de Pintia, que conserva os restos de umas 24 gerações de vacceos e romanos. Trata-se de um yacimiento ativo e um espaço de homenagem, onde inclusive se adaptaram zonas para novos enterros de pessoas e mascotas.
Seguiu-lhe o camposanto modernista de Montornès de Segarra (Lleida), com sozinho 96 habitantes, seu cemitério modernista do século XIX, localizado numa colina e desenhado com um cuidado estético que surpreende por seu meio rural. O terceiro lugar ocupou-o o Cemitério Jardim de Alcalá de Henares, em Madri.
Prêmios de 7.000 euros
O certamen reconhece também outros aspectos como o melhor monumento funerario, história, actividade de portas abertas e iniciativa meio ambiental. Nesta edição, repartiram-se prêmios por um valor total de 7.000 euros mediante votação popular, depois de uma pré-seleção realizada por um júri profissional.
Uma das iniciativas destacadas foi a do cemitério de Ripoll, em Girona, premiada na categoria meio ambiental por seu projecto de conservação de borboletas mediante o cultivo de plantas autóctonas.
Crescente interesse editorial
O auge do necroturismo manifesta-se também no crescente interesse editorial. Livros como De tumba em tumba: Rota misteriosa pelos cemitérios de Espanha de Marta Sanmamed e Alguém caminha sobre tua tumba: Minhas viagens a cemitérios de Mariana Enríquez têm acordado a curiosidade de leitores por estes lugares carregados de simbolismo, arte e história.
Em paralelo, proliferan propostas culturais e artísticas nos cemitérios, como a experiência sonora interactiva oferecida pela companhia O Conde de Torrefiel, que convidava a percorrer de forma introspectiva os recintos funerarios com uma narrativa urbana e poética.
Actividades culturais nos cemitérios
Cemitérios como o de Ciriego, em Santander, ou o de Montjuïc, em Barcelona, acolhem a cada vez mais actividades culturais, visitas guiadas e inclusive eventos noturnos que combinam dança, música e artes visuais. Este tipo de iniciativas têm conseguido atrair a centos de visitantes, reforçando a ideia de que os cemitérios são também espaços de cor viva e legado cultural.
Desde Enalta, organizadores do concurso, destacam que a maioria dos camposantos que participam provem/provêm de municípios pequenos, cujas prefeituras apostam por reivindicar o valor patrimonial destes espaços. O interesse turístico, segundo recolhe O País, cresce a cada ano e perfila-se como uma oportunidade tanto para o desenvolvimento local como para a reinterpretación do conceito da morte na sociedade atual.
Incineração, a opção maioritária
Em paralelo, cresce o debate sobre o futuro destes espaços num contexto onde a incineração é já a opção maioritária, elegida por mais de 70% das famílias. Alguns experientes fazem questão da necessidade de preservar os cemitérios como espaços de repouso, para além do destino das cinzas. Porque num mundo acelerado, contemplar uma lápida, ler um epitafio ou deter-se baixo um ciprés pode ser também uma forma de voltar ao essencial.
Desde os enterradores, considerados por alguns autores como guias do alma e custodios das histórias do lugar, até as grandes necrópolis urbanas como A Almudena, em Madri, com sua própria rede de transporte interno e quase cinco milhões de pessoas sepultadas, o necroturismo se abre caminho. Espanha, como reivindicam desde Enalta, tem cemitérios maravilhosos. E visitá-los não é sinônimo de tristeza, sina de cultura, beleza e, em verdadeiro modo, de vida.