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Outra tradição em perigo: a crise do óleo ameaça as bancas de batatas fritas a granel

As tradicionais lojas de batatas fritas, símbolo de um Madrid que existia, resistem à inflação e sobem de preço

Loja de batatas fritas em Madrid / CG
Loja de batatas fritas em Madrid / CG

Entre um supermercado e uma loja de calçado de toda a vida. Junto a um cabeleireiro de bairro, quase imperceptível ao passar. Num canto grande, orgulhosa. As fábricas artesanais de batatas fritas são um vestígio do Madrid de antes que resistem a desaparecer. Estão por toda a cidade, e muitas vezes combinam o sal das batatas com o açúcar dos churros. Com a atual conjuntura económica de inflação, estes negócios tão tradicionais, com décadas de experiência, estremecem.

Muito antes de que se falasse de snacks, em Madri já se compravam sacos de batatas a granel nestes estabelecimentos. Depois chegaram as dos súpers, as máquinas de vending… E a crise do óleo de girassol que, também, os derramou, e muito.

O quilo de batatas fritas, 1€ mais caro

Sonia Cuesta é uma das responsáveis pela fábrica de batatas La Carmencita, localizada na zona de Pacífico da capital madrilena. Admite que teve que subir os preços: o quilo de batatas a granel subiu 1 euro. "Mas à medida que continuamos assim, teremos que aumentar mais. Tivemos que torná-lo mais caro, não havia outra alternativa. A nós os custos quase triplicaram, e nossos fornecedores não tinham óleo, tem sido muito complicado", afirma Cuesta, sem ocultar a sua preocupação.

Mostrador desde el exterior / CG
Balcão desde o exterior / CG

Não são batatas para gourmets, senão negócios locais muito arraigados aos consumidores mais velhos. Segundo Cuesta, o seu cliente é um perfil adulto, que é o que abunda no bairro. Um perfil que agora atende menos. "É um círculo vicioso: nós trabalhamos mais, mas ganhamos menos, porque os clientes também não vêm tanto, então tudo se complica", relata Cuesta. Sob o seu ponto de vista, "a situação é mais grave que com o Covid, por isso basta imaginar. E as soluções, por enquanto, não chegam. "Isto vai ser um pau. E haverá pessoas que preferirão ir aos supermercados. Se não tomarem medidas em breve, o mais tardar até ao Verão, não sei quantos de nós irão sobreviver".

Irmãos Ortiz Sanz, uma instituição de Madrid

Talvez a maior instituição de Madrid quando falamos de batatas fritas artesanais seja Hnos. Ortiz Sanz. Dispõem de 18 lojas repartidas por diferentes zonas, desde a rua Alcalá até Cea Bermúdez e o Paseo de Extremadura, além de bancas em Pozuelo, Boadilla e Majadahonda. Um dos locais mais singulares é o do número 34 da Rua Toledo, em frente à Colegiata de San Isidro, padrão da capital, e a um passo da Plaza Mayor. Uma placa com letras fluorescentes sobre um toldo azul que, por sua vez, cobre um balcão transbordando de batatas fritas. No interior, acompanham doces e frutos secos. Esse ênfase na cor tem um ponto cativante, como de querer esquecer o branco e preto.

Diseño 'vintage' de la bolsa de Hnos Ortiz Sanz / CG
Desenho 'vintage' da embalagem Hnos. Ortiz Sanz / CG

Esperamos 10, 15 minutos que a loja se esvazie. São 12:30 horas de uma manhã qualquer e há trânsito, sobretudo de pessoas mais velhas. De fora vemos os preços: 1 quilo de batatas fritas custa 11 euros, meio quilo 5,50; 150 gramas 1,65 euros e 100 gramas, 1,10. Uma vez dentro, atende-nos Gabriel Ortiz, que conta que está há 35 anos neste local. "Tivémos que subir entre um 10% e 15% os preços", admite, conquanto se mostra satisfeito de ter superado a crise do óleo de girassol, já que dispunham de muito stock. No entanto, lamenta que o volume de clientes tenha baixado muito, apesar de que a localização é muito boa. "Tem em conta que subiu tudo, a luz e tudo; e há que pagar a vários empregados e o aluguer. Isto não é Carabanchel, aqui custa muitos milhares de euros todos os meses", expõe Ortiz.

"Subiu tudo"

Do outro lado do rio, a inflação afeta ainda mais. Na rua Antonio López ergue-se La Glória, um local que parece congelado no tempo há várias décadas. É pequeno, repleto de embalagens (com batatas, mas também churros, frutos secos e mel), algum calendário e um apenas um pouco gasto. Aqui, Ana e José (preferem simplesmente citar os seus nomes) contam que tiveram que subir 40 cêntimos o quilo das batatas.

La Gloria, en la calle Antonio López / CG
La Glória, na rua Antonio López / CG

"Os preços, creio eu, são acessíveis para o bairro", diz José, sem deixar que resignação abafar a voz. "Sempre há alguém que se queixa, mas é o que há. Continuamos a usar óleo de girassol alto oleico, e isto tem sido uma corrente: primeiro a gasolina, logo a luz, logo o transporte, logo a farinha…", lista Antonio, enquanto, frita num enorme recipiente de aço.

A crise do óleo continua por muito tempo

Todos os negócios de alimentação procuram um equilíbrio entre a sua própria solvencia e em não repercutir todos os custos para o consumidor. E até os alimentos mais humildes, como os churros, a torrija e o espetos de tortilla sofrem. Segundo a Coordenadora de Organizações de Agricultores e Ganadeiros (COAG), o preço da batata subiu 35% entre janeiro de 2021 e no mesmo mês de 2022.

Interior de La Gloria / CG
Interior da La Glória / CG

Quanto ao óleo, Espanha importava da Ucrânia 62% do óleo de girassol que usava, tanto no consumo directo na cozinha, como na indústria agroalimentar. Segundo a Associação Espanhola de Municípios da Oliveira (AEMO), a crise de preços no óleo "não será coisa de meses" mas sim de "pelo menos um ano e meio ou dois anos", já que, segundo apontam, a Ucrânia já dá por perdida a plantação do girassol desta primavera.

Bagaço de azeitona em vez de girassol

General Ricardos é um dos eixos do bairro de Carabanchel. Nesta rua, a empresa Guillén Hnos. conta com duas lojas de batatas fritas e produtos artesanais. Numa delas atende-nos Nicoleta, que prefere dizer só o seu nome. Reconhece que também teve que subir os preços, e ainda que prefira não dizer exactamente quanto, admite que "bastante". Além disso, revela, viram-se obrigados a substituir o de girassol pelo óleo de bagaço de azeitona.

Guillén Hnos, en la calle General Ricardos / CG
Guillén Hnos, na rua Geral Ricardos / CG

"Agora dizem que os preços sobem pela guerra, mas tudo está a subir há muito tempo", diz. Durante os minutos que dura a nossa conversa, apenas dois clientes entram na loja. O segundo deles não tem nem que pedir o que deseja: Nicoleta já sabe. "Estou aqui há 20 anos, e lembro-me quando havia filas para entrar. Então estávamos três pessoas, e agora só estou eu", lembra a funcionária. "Somos pequenos, e perder clientes significa muito para nós", admite. E, pelo seu tom, não se refere só ao económico.

Alguns consumidores protestam pelas subidas

Nem todos os clientes aceitaram de bom grado a subida. "Há pessoas que se queixam de que subiu o preço, e a mim me faz muita graça. Porque subiu aqui, mas também no Carrefour ou Mercadona, e eu não acho que o cliente se vá queixar ao caixa destas redes de que estão mais caros os produtos", protestou.

No entanto, Nicoleta dí-lo com mais tristeza que enfado. Quase tudo na loja sabe a nostalgia. Não deveríamos, mas vamos contá-lo: quando pedimos permissão para fotografar o balcão onde se acumula a montanha de batatas, Nicoleta franze o cenho e pede-nos para esperar um segundo. "Vou recarregá-lo! Vou pôr mais, que fique bonito". Então desaparece no fundo da loja e regressa carregada com um enorme balde, semelhante a uma lata de cereja, para encher, mais uma vez, o seu velho balcão com batatas fritas.

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