Aos 80 anos, Pedro quase nunca sai de casa. Passa a vida numa cadeira de rodas e sob o olhar atento da sua mulher, Maria Teresa - ou Mari Tere, como se apresenta frequentemente - que tem 75 anos. Ela dá-lhe de comer, muda-lhe a fralda, conforta-o quando ele se agita à noite. Foi-lhe diagnosticada uma dependência de grau III. Ela, a sua única prestadora de cuidados, não se queixa. “A única preocupação dela é que ele esteja bem”, diz o filho Pedro N., em declarações à Consumidor Global.
Entre consultas médicas, caixas de comprimidos e fraldas, a tecnologia fica muito para trás. A televisão só está sintonizada no Canal Sur. Um tablet, adaptado pelo filho, permite-lhes ver o Netflix. Não há Amazon Prime, nem HBO, nem linhas móveis adicionais, nem serviços digitais. E, no entanto, durante mais de quatro anos, a Vodafone cobra-lhes exatamente por isso.
Um contrato sem sentido
A 30 de dezembro de 2019, numa pequena franquia da Vodafone em Palma do Rio (Córdoba), Pedro e María Teresa contrataram duas linhas de telemóvel e conexão a internet por 36 euros ao mês. Era uma tarifa modesta e razoável para o seu uso. Era apenas o que precisavam.
Em janeiro de 2021, a Vodafone incorporou na sua conta novos serviços, uma terceira linha de telemóvel, canais de televisão pagos, acesso à HBO e à Amazon Prime Video. Segundo a companhia, María Teresa aceitou um novo contrato telefónico e confirmou o seu consentimento através de um SMS. "A minha mãe não sabe enviar um SMS", afirma o seu filho. "A duras penas sabe acender o telemóvel. Não tem correio eletrónico, não sabe o que é a Amazon, e o mais grave é que não se lembra ter aceitado nada", diz Pedro N.
Aumento das facturas
A realidade é que María Teresa, incapaz de compreender os detalhes da oferta, nunca imaginou que ao clicar no link estava a assinar um contrato que obrigá-los-ia a uma série de serviços digitais que jamais utilizaram. Durante três anos, as facturas começaram a aumentar paulatinamente, passando de 36 a quase 70 euros, sem uma explicação clara nem notificação alguma. No meio da rotina diária, marcada pela fragilidade física e mental de Pedro, nenhum membro da família conseguiu detectar o aumento nas tarifas.
Pedro e María Teresa não descobriram a irregularidade até muito tempo depois, quando o seu filho reviu as facturas e começou a solicitar documentação. "Pedi-lhe à Vodafone que me enviasse as gravações onde minha mãe supostamente consente a contratação. Ainda estou à esperar", assegura.
A sanção foi aplicada
Finalmente, em fevereiro de 2025, a família decidiu cancelar os serviços. Então chegou a penalização de 70 euros por quebrar um contrato que não se lembram ter assinado. Pagaram-no. E foram-se embora.
Não obstante, a 25 de março Vodafone emitiu uma nova factura de 140,31 euros. Desta vez, alegavam que o cancelamento não se tinha processado correctamente.
Erros contratuais
Foi a gota de água para o seu filho, que começou a rever todas as facturas, todos os contratos, todas as comunicações com a empresa. O que encontrou foi desconcertante. Contratos com dados errados, datas de nascimento erradas, moradas incompletas, etc.
"Peço-lhes que revejam a utilização dos serviços. Verifiquem se essas linhas foram utilizadas. Verifiquem se houve consumo no HBO ou no Prime Video. Não há nada. É como ter uma casa na praia e não saber que ela existe, mas pagar por ela todos os meses", queixa-se Pedro N.
Vulneráveis por defeito
A história de Pedro e María Teresa dá um nome e um rosto a uma questão incómoda: quem protege os idosos na era dos contratos digitais? A Espanha está a envelhecer. De acordo com os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), 20% da sua população tem mais de 65 anos. Muitos deles (como Mari Tere) não estão preparados para compreender a complexidade dos contratos digitais, das mensagens automatizadas e das assinaturas electrónicas. Mas, mesmo assim, são considerados consumidores em igualdade de circunstâncias.
"Quantos idosos estão a pagar por serviços que não utilizam e que não sabem que têm? Quantos aceitaram sem compreender? Quantos clicaram numa ligação sem saber que isso equivale a assinar um contrato? "A minha mãe, com 75 anos de idade, dedica-se a cuidar do meu pai. Não tem tempo nem disposição para lidar com um contrato digital. É justo que uma pessoa na sua situação possa ser vítima de uma burla destas?
Vodafone cobra 840 euros por serviços não utilizados
Ao todo, a família calcula que a Vodafone cobrou mais de 800 euros em serviços não utilizados nem solicitados, aos que há que somar um pagamento não autorizado de 140,31 euros -deduze-se que de uma mensalidade extra e a citada penalização.
Por todas estas razões, apresentaram queixas a organizações de consumidores, associações de utentes e ao Provedor do Idoso. Também partilharam o seu caso nas redes sociais, onde receberam mensagens de outras famílias em situações semelhantes.
Para além da compensação
"Eu não quero que me devolvam o dinheiro. Não estou a procurar uma compensação. Só quero que isto não aconteça a ninguém mais. Que não se aproveitem de quem não se pode defender", diz Pedro N.
"Porque não estamos a falar só de facturas. Estamos a falar de respeito, de ética, de dignidade", arguye.
Aprender a desconfiar
Atualmente, Pedro e Maria Teresa mudaram de empresa. Pagam uma tarifa mais baixa, adaptada às suas necessidades. Os seus quatro filhos tratam de tudo por eles. Mas os danos emocionais permanecem. Agora, quando o telefone toca e alguém lhes tenta vender alguma coisa, desligam. Aprenderam a desconfiar.
De acordo com dados de organizações como a OCU e a Facua, milhares de idosos caem todos os anos em armadilhas contratuais, muitas vezes sem sequer compreenderem o que assinaram. O fosso digital torna-se um terreno fértil para abusos. As grandes empresas sabem-no. E, em vez de reforçarem os filtros de segurança e estabelecerem protocolos de consentimento reforçados para este sector da população, optam por olhar para o outro lado. Porque, desde que o sistema funcione, desde que ninguém se queixe, o dinheiro flui.
A versão da Vodafone
“Os contratos foram efectuados presencialmente na sua loja local, conforme consta dos documentos assinados”, disse a Vodafone. Isso em 2019. Por outro lado, a empresa defende que a televisão foi contratada em 2021 e que “não foi recebida qualquer reclamação até ao momento, apesar de aparecer todos os meses na fatura”.
Com respeito à linha móvel que os afectados não reconhecem, afirmam que "fazia parte de uma oferta com desconto em dezembro de 2023, e já estava em nome do cliente noutro operador". Sobre a penalização, explicam que "foi de 78,52 euros mais IVA devido a uma permanência por terminal subvencionado".
A Vodafone admite, no entanto, que houve serviços que se mantiveram activos após a portabilidade. “Vamos pagar essas taxas e resolver quaisquer mal-entendidos”, concluem.