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Santiago Peralta, fundador de Paccari: "O melhor chocolate do mundo custa 6 euros"

Consumidor Global entrevista ao fundador e diretor geral da marca de chocolates que conta com mais de 400 prêmios e que tem sido reconhecida como a chocolatería mais ética do mundo

Ana Siles

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Pacari significa amanhecer ou natureza em quichua. "O amanhecer é quando deixas a escuridão e começas a te dar conta de onde estás parado", explica a este meio Santiago Peralta, fundador e diretor geral de Paccari. Trata-se de uma das marcas de chocolates mais selectivas do sector do cacau. Uma assinatura gourmet que tem recebido mais de 400 galardões ao longo de seus 23 anos de trajectória.

Comprometida com o pequeno agricultor, esta companhia equatoriana tem conquistado o paladar de ricos e gente mais modesta. "Estamos em First Class de Emirates", sublinha Peralta. Mas também em supermercados com preços que não ultrapassam os 6 euros. Uma marca que, em palavras de seu fundador, é uma "love brand".

--Paccari ou Pacari? Vi-o escrito de ambas maneiras…

--Um dos dogmas em marketing é que a marca não se toca. Tocá-la são palavras maiores, mas, se o mundo está a pedir mudanças, pensei que podíamos começar nós.

--Conte-me…

--Começamos chamando-nos Pacari, com um 'c'. A marca tem 23 anos e quando cumpriu 20, minha mulher e eu fizemos uma reflexão. Além da comunidade do campo, demos-nos conta de que se tinha construído outra comunidade, a da cidade. Um consumidor consciente na cidade gera que as comunidades do campo também vivam bem. Faltava-lhe esse 'c' a Paccari porque estas duas comunidades juntas são as que fazem a vitória.

--Como recebeu vosso público a mudança?

--Teve muita gente molesta. Gente dizendo que o que tinha feito a mudança era um cínico. Paccari é uma love brand, é a marca mais amada de Equador. É um culto no bom sentido da palavra. Uma assinatura muito querida. O campeão do mundo, o revolucionário, o Robin Hood, muitas coisas.

--Como definiria estes 23 anos?

--Tem sido uma constante evolução. Começamos com o ânimo de pagar bem aos agricultores e isso requer muitas mudanças no caminho, mudanças que não estão no que geralmente se ensina na universidade. O que o professor diz ninguém o discute e esse é um problema. Eu era contestatario e sempre considerava que tinha coisas que não estavam bem. Que o 99% das coisas que comemos tenham agrotóxicos, a mim não me parece bem. Se a todos não nos parece bem, por que o seguimos fazendo?

--Boa pergunta.

--És todo o que comes. E se és o que comes, és um saco de venenos. O convencional há que ver de uma forma um pouco crítica. Parece que tudo está inventado mas, em realidade, não. Há pessoas que se atrevem a mudar as coisas.

--Como se pode inovar no sector do chocolate?

--Nossos competidores estão fundados em 1890. Começamos a fazer as coisas bem desde o início. Agricultores sem agrotóxicos, terra limpa, fertilidad, longo prazo, pagar bem, que o agricultor não morra de fome. Um 80% do cacau do mundo vem de gente que ganha menos de 25 euros por família ao mês. Quando pagas bem aos agricultores, a qualidade do cacau começa a florescer. É como o vinho.

--A que se refere?

--Você não salta em uvas durante um par de horas, mete isso numa barrica e sai um grande vinho. Tem que cuidar todo o processo até que saia um grande vinho. O processo é essencial. Sabe por que? Porque o grande vinho vende-se a 400 euros. O cacau não era valorizado. Começamos a educar à gente com provas. Pessoalmente tenho feito provas a mais de 100.000 pessoas. O que precisa é o butterfly effect. Sacamos um chocolate diferente. Demorou até que os dez primeiros se converteram em 100, depois em 1.000. Tudo em longo prazo demora. Mas nada que valha a pena é de curto prazo.

--Acha que em Europa sabemos apreciar o chocolate?

--Acho que há grandes bases. O cacau foi domesticado em Equador faz 5.500 anos. É o principal produtor e exportador de cacau histórico de Latinoamérica. É o berço e a meca. Há tantas variedades e denominações de origem que ainda não temos estudado nem entendido a cada cacau. Nessas estamos.

--Desconhecia-o…

--Isto é divertido porque, se não, é um chocolate aburrido. Um industrial que não tem nem pena nem glória. O 80% do chocolate que se vende em Equador é Paccari, biológico e orgânico. Compra-o gente normal e não são milionários. Têm uma afección por este chocolate porque tem sido um tema de educação. Dizem: 'Se este chocolate freia a migração, pois que maravilha'. Os consumidores conscientes da cidade começam a entender que o campo é importante.

--É uma reflexão similar à do princípio.

--Somos os que metemos os golos, pagamos os impostos, movemos o país e somos os que trabalham todos os dias. Quando a gente começa a se dar conta que tem um papel protagonista, as compras do consumidor começam a ter consequências.

--E quando se compra de forma consciente também se está disposto a pagar um preço mais elevado?

--Óbvio. Eu dependo de você. Somos interdependentes. Há, obviamente, gente que está simplesmente cochina e cegamente apaixonada do sabor de Paccari. Os sabores não se esquecem, as experiências são únicas. Quando a cabeça, o coração e as tripas estão alinhadas, já tens a uma pessoa que quer este chocolate e não outro.

--'Ethical Consumer' reconheceu-vos como a chocolatería mais ética do mundo. Que supõe um reconhecimento assim?

--O mundo está mau. Se Paccari é um líder é porque o resto está muito equivocado ou sou eu o que o estou. Mas um dos dois está muito equivocado. Tão mediocre, injusto e antiético é o mundo que somos os melhores?

--Mas é um halago, um reconhecimento.

--Eu sou um grão de areia e a praia está podre. O halago dura-me cinco minutos, mas a realidade dura sempre. E que essa realidade seja a que se tenha imposto no mundo me assusta profundamente.

--Com quantos agricultores trabalha Paccari na actualidade e como é esse vínculo?

--Recordo um episódio. Fui a um lugar onde sabia que tinham bom cacau. Apanhei à melhor cocinera do povo, convidei-lhes a comer e falei-lhes de que lhes íamos pagar o triplo. Pusemos-nos a conversar e duas pessoas confiaram em mim ou se arriscaram, não sei. Mas começamos a processar o cacau.

--E daí passou?

--Aos seis meses o resto de agricultores perguntaram-lhes como lhes estava a ir com o louco que veio. Eles lhes responderam: "Perfeito, muito bem. Estamos a melhorar". E assim, começas com dois, depois são 20. Agora são 3.000 ou mais. São agricultores de pequena escala porque acho que esses são os que mais me precisam. Para alguém muito grande não vou ser trascendente. Mas se dou-lhe a mão a alguém que realmente o precisa, é um grande acto de justiça.

--Tem recebido dezenas de galardões dos International Chocolate Awards ao melhor chocolate do mundo, basta com oferecer só qualidade?

--Há muitas qualidades. Nos International Chocolate Awards não se valoriza se o chocolate é livre de gluten, por exemplo. A dimensão ética é mais importante que os International Chocolate Awards. 440 prêmios parecem-me bem, mas acho que há que refrescar o chocolate.

--Que opina do chocolate com leite?

--Não é chocolate. Pusemos-nos de acordo na mentira, mas é uma fraude e que o sigam dizendo é um pouco cínico. Algo que tem um 60% de açúcar, gordura, leite em pó e o último ingrediente é o cacau, não se chama chocolate. Paccari sim é-o porque o primeiro ingrediente é o cacau.

--Há alguma marca em específico que lhe alarme?

--Olhe o ranking ético. Eu não compraria nada que não esteja em verde. Eu não tento ser parte do problema, sina da solução. Isso é um consumidor consciente. Por princípios, eu não compraria um chocolate desses.

--A crise do cacau tem disparado seu preço.

--Faz uns 50 anos, não se pagava bem aos agricultores. Os agricultores não tinham razão económica para semear cacau. Ghana e Costa Marfil, que são os produtores de 60% do cacau do mundo, nunca foram pagos. Os agricultores não ganharam dinheiro. Por tanto, não tem tido irrigação nem novos cultivos durante 50 anos.

--E como afecta isso na actualidade?

--Neste momento, as árvores têm 80 anos e estão velhos. E quando todos somos velhos e doentes não podemos trabalhar e produzir. Isso é o que lhes passa às árvores do cacau. Essa crise foi gerada por todos nós. Quando se paga pouco, não se gera o incentivo para que se produza. E agora com a mudança climática… Acho que a produção de cacau tem caído em torno do 30%, é um warming.

--Que podemos fazer para o recuperar?

--Há que se pôr a cultivar uma quantidade enorme de cacau. Mas sem apoio financeiro, por que se vai fazer? Precisa-se uma billonada de dinheiro para replantar todo isso. O cacau não é como o trigo ou o milho, que semeias e em seis meses tens. Com o cacau demoras cinco anos em começar a ver as mazorcas.

--Quanto se tem encarecido o chocolate?

--O triplo. 12.000 dólares a tonelada. Na carteira, do ano 2023 ao 2024 produziu-se o primeiro bico. Primeiro, estava a 2.500 dólares, depois disparou-se a 10.000 e depois a 12.500. Agora já se está a estabilizar em 9.000 dólares. Mas de 2.500 a 9.000 é três vezes e meio. Isso é semear fome e cosechar fome. Se o campo está mau, todos estamos mau.

--Tendes tido que subir vossos preços por esta crise?

--Claro. No sector do cacau, os chocolates para valer estão caros. O outro não depende disto porque é muito menor o conteúdo de cacau. Nós tivemos que subir o preço mais de 50% progressivamente.

--O consumidor é muito sensível à mudança de preços...

--Todos. Eu cheguei a dizer: "perdão, não posso te entregar. Prefiro combinar-me com o cacau a perder". E com a mudança climática chega a má sorte. Isto é, se não chove, ninguém come. Há uma demanda maior pelo chocolate para valer e o cacau não existe. Por um lado, a gente está disposta a pagar por sua saúde e, por outro lado, não há cacau.

--Não considera que marcas como Milka ou Nestlé são concorrência de Paccari?

--A concorrência é a ignorância. A gente não sabe. A quem gosta de um produto assim, não gosta o de meu e quando entra ao meu, já não gosta do outro. Temos 80 sabores. O tema é como fazes para que a gente que vem destas golosinas com cacau não se assustem do chocolate negro. Temos chocolate com sal, maracuyá, cardamomo… Com estes puentecitos a gente deixa de comer chocolate mentiroso e estás a dar-lhes anos de vida.

--Mas todo mundo não tem o mesmo orçamento para fazer a compra no supermercado.

--Estou de acordo.

--E a realidade é que muitas marcas oferecem um produto azucarado, mas mais barato.

--Come médio queijo e não um inteiro, mas come um bom queijo. Isto é, prefiro comer menos, mas comer melhor. Se mudas a dieta a uma boa dieta, estás a presentear-te anos de vida. Não sê quanto custa um ano de vida.

--Não tem preço.

--Exato, não tem preço. O que sim há que ser é cautos. Não todos temos a mesma prata. O melhor vinho do escaparate vai custar-te 100 euros, o melhor chocolate do mundo vai custar-te 6 euros. E não o vais provar? Podes compartilhá-lo entre 15 pessoas. Reúne-te com cinco amigos, põe 1 euro por pessoa e prova-o. Paccari é um luxo absolutamente pagable. Estamos em First Class em Emirates, somos o chocolate oficial do Museu do Prado… Lugares icónicos do mundo. Está feito com sentido e com ética. Não é só o melhor do mundo, é o melhor para o mundo.