Engordamos por vaguear ou por zampar a mais? Spoiler: a geladeira ganha
Um novo estudo científico analisa o eterno debate: que explica melhor a obesidad, o sedentarismo ou a ingestão calórica? Os resultados apontam a que os excessos dietéticos são significativamente mais importantes que o descenso de actividade física

Factores como a genética, certos transtornos metabólicos, a microbiota, o meio, a publicidade, a disponibilidade alimentar, o estrés, os disruptores endocrinos... entre muitos outros, são habitualmente mencionados como elementos com a faculdade de incidir no risco de desenvolver obesidad.
No entanto, convém dar um passo atrás e ser consciente de que ainda hoje em dia existem muitas áreas de sombra sobre o que conhecemos ao respeito da obesidad. Durante décadas, a discussão sobre as causas da obesidad tem girado em torno de uma pergunta aparentemente singela: engordamos porque comemos demasiado ou porque movemos-nos demasiado pouco? Apesar de que a estas alturas muitas pessoas criam ter a resposta, é possível que se levem uma surpresa. Um estudo recém publicado em Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) contribui nova luz a este debate, concluindo que o incremento na ingestão calórica tem bem mais peso que o descenso na actividade física à hora de explicar a epidemia de obesidad nas sociedades industrializadas.
Assim se fez o estudo
Neste trabalho analisou-se a despesa energética e a ingestão calórica em diferentes populações humanas, desde caçadores-recolectores até habitantes de países industrializados.
Os pesquisadores contrastaram os dados a mais de 4.000 pessoas entre 18 e 60 anos procedentes de estudos prévios com informação sobre disponibilidade de alimentos e níveis de urbanização, elaborando assim uma imagem global de como mudam tanto o consumo de alimentos como a despesa energética com o desenvolvimento económico. É necessário indicar que para o desenho da mostra do estudo se descartaram pessoas doentes e desportistas profissionais. Os principais achados foram surpreendentes:
- O volume da despesa energética individual entre as pessoas de sociedades modernas não foi menor que o daquelas outras de populações caçadoras-recolectoras ou agricultoras tradicionais. Isto é, apesar da percepção geral de que hoje vivemos mais sedentarios, a despesa calórico diário não é tão baixo como caberia esperar.
- A grande diferença entre ambas populações se encontrou na ingestão calórica: esta tem aumentado significativamente à medida que os países se industrializavam e crescia a disponibilidade de alimentos ultraprocesados, baratos e com alta densidade energética.
- Por todo isso, e segundo os autores, este aumento da ingestão desempenha um papel bem mais determinante que a redução da despesa na prevalencia atual de obesidad. De facto, atrevem-se à hora de atribuir um peso específico à cada elemento e dizem: "Nossas análises sugerem que o aumento da ingestão energética tem sido aproximadamente mais dez vezes importante que a diminuição da despesa energética total na crise de obesidad moderna".
Para valer gasta-se o mesmo num meio industrializado que não industrializado?
Esta é, sem dúvida, a questão mais surpreendente do estudo. Por isso, os próprios autores oferecem um par de explicações combinadas para este aparente paradoxo.
- Segundo a teoria da despesa energética restringido (ou de compensação metabólica), nosso organismo regula com bastante sucesso o total de calorías que queima ao longo do dia. A hipótese propõe que o organismo e o cérebro vigiam de perto esse balanço e o mantêm dentro de uma margem relativamente estável. Assim, quando dedicamos energia extra de maneira sustentada —já seja seguindo a uma presa durante jornadas inteiras ou nos preparando para correr uma maratona— o organismo compensa reduzindo outras funções secundárias, muitas delas vinculadas ao crescimento ou à manutenção, de modo que a despesa calórico total mal se desvia dessa faixa prefixada
- Ademais, as sociedades modernas seguem tendo uma despesa energética alto por factores diferentes à caça ou a agricultura. Ainda que não caçamos nem trabalhamos no campo, os autores destacam que mantemos uma despesa energética considerável devido ao tamanho corporal meio (mais massa corporal, mais gasto basal), à termorregulación, às demandas próprias da vida urbana e, em general, ao facto de que o metabolismo basal representa a maior parte do total da despesa energética (ao redor do 60–70%). Assim, o impacto do descenso na actividade física se exerce sobre um relativamente pequeno percentagem da despesa energética total e este não se reduz tanto como costumamos crer. Isto é, porque a fracção "móvel" do total da despesa energética é menor do que pensamos e, por tanto, também seu impacto.
Significa isto que o exercício não importa?
Não, nem muito menos. Os pesquisadores não negam que a actividade física tenha um papel tanto na saúde como no próprio controle do peso. O que sugerem é que, ao menos em termos populacionais, a escalada de obesidad se explica melhor pela facilidade para consumir mais calorías das que precisamos que por um descenso drástico da despesa energética.
De facto, os autores apontam a que as sociedades caçadoras-recolectoras gastam muita energia, sim, mas também têm um acesso limitado aos alimentos, o que mantém seu balanço energético em equilíbrio. Em mudança, no mundo industrializado dispomos de uma abundância de calorías sem precedentes, com um meio que praticamente empurra ao sobreconsumo.
A saúde é uma bicicleta com duas rodas
A estas alturas creio conveniente introduzir uma opinião crítica... e argumentada. Propor o debate como se só tivesse uma causa principal pode ser tão enganoso como contraproducente. A metáfora da bicicleta explica-o bem: que roda é mais importante, a delantera ou a trasera? A resposta é óbvia: sem ambas a bicicleta não funciona.
Do mesmo modo, dieta e exercício formam um binómio inseparável. Centrar todo o foco na alimentação implica assumir o risco de minusvalorar o impacto do sedentarismo na saúde geral —não só no peso, sina no risco de doenças cardiovasculares, a diabetes tipo 2, certos tipos de cancro ou inclusive a saúde mental—.
Por outra parte, o exercício físico, ainda que não seja uma "bala mágica" para emagrecer, ajuda a manter a massa muscular, a melhorar a sensibilidade à insulina, regular a pressão arterial e elevar a despesa energética basal em longo prazo (para além do momento no que se realiza).
Ignorar seu papel pelo facto de que o excesso calórico seja mais fácil de quantificar seria um grave erro. Ao final, qualquer estratégia eficaz contra a obesidad deve abordar simultaneamente ambas rodas da bicicleta: melhorar a qualidade e quantidade do que comemos e, ao mesmo tempo, fomentar estilos de vida ativos que contrarresten o sedentarismo estrutural das sociedades modernas.