A obsessão absurda pelas proteínas

O grande desafio de marketing de muitas empresas do sector alimentar é criar uma necessidade que não existe de facto. O caso dos produtos proteicos, ricos ou enriquecidos em proteínas, é um dos melhores exemplos disso.

O consultor dietista-nutricionista Juan Revenga e os alimentos diferentes, não os suplementos / Fotomontagem CONSUMIDOR GLOBAL
O consultor dietista-nutricionista Juan Revenga e os alimentos diferentes, não os suplementos / Fotomontagem CONSUMIDOR GLOBAL

É possível que, tal como muitos outros consumidores, tenhas sucumbido à tentação de protetizar a tua vida. Estou a falar de encher o teu carrinho de supermercado com iogurtes, pães, barras energéticas... e até mesmo água, cujo principal argumento de venda é o facto de estarem repletos de um milhão de gramas de proteínas. Se assim for, estás a ser vítima de uma das mais bem concebidas estratégias de marketing. O prejuízo mais imediato é que estás a gastar muito dinheiro em algo de que não precisa. Mas há mais: é possível que tanta proteína, durante tanto tempo, não seja de todo benéfica para a tua saúde.

Não, não precisas de mais proteínas

Não precisamos delas. Nem através da alimentação propriamente dita nem, muito menos, através dos alimentos especialmente proteicos que se tornaram tão em voga nos últimos anos. Não sou eu que o digo, mas sim os inquéritos sobre o consumo alimentar dos espanhóis, que, quando se analisam os seus dados (mesmo antes da febre de proteinar tudo), mostram que tanto os espanhóis como as espanholas estão cheios de proteínas até ao pescoço. De facto, o Inquérito Nacional sobre o Consumo Alimentar (ENIDE) já nos informava que, em nenhum grupo etário, os espanhóis têm necessidade de incorporar mais proteínas na nossa alimentação do que as que já existem.

  • As quantidades diárias recomendadas de ingestão de proteínas segundo a Autoridade Européia de Segurança Alimentar (EFSA) são, em média, 54 gramas para os homens e de 41 para as mulheres.

  • No entanto, os espanhóis, naquele inquérito, consumiam em media cerca de 109 gramas/dia e, no caso das mulheres, 88 gramas/dia.

Por outras palavras, em 2011, muito antes da atual oferta avassaladora de proteínas, tanto os homens como as mulheres consumiam, em média, mais do dobro da dose recomendada de proteínas. Tanto assim que, nesse documento, assinado pelo Ministério da Saúde, se conclui, nesta secção, que a população espanhola consome muito mais proteínas do que o recomendado.

As proteínas: um herói inventado

A população, sejamos realistas, não sabe muito de nutrição e dietética. Uma situação que, aparentemente, não os impede de exprimir as suas opiniões a torto e a direito sobre o assunto. Ou, pior ainda, de formar uma opinião através de um carreto ou de histórias nas reviravoltas sempre incertas das redes sociais. Por qualquer razão, quando se trata de falar de nutrientes (macronutrientes), há duas verdades praticamente inamovíveis no imaginário coletivo: as gorduras e os hidratos de carbono (para não falar do açúcar) são o diabo. O pior do pior. Assim, por exclusão, resta-nos apenas um dos três nutrientes principais, a proteína, que tem de ser o herói de chapéu branco que, no dorso de um belo pónei, virá salvar-nos de todos os problemas causados pelos outros dois nutrientes. Porque, como é óbvio, temos de comer, não podemos deixar de comer, e não pode ser tudo mau. Assim, se já temos dois vilões no filme, o terceiro dos protagonistas tem de ser o bom da fita. A proteína é, portanto, um herói propiciatório.

E agora que o herói foi inventado, só falta dotá-lo de virtudes... também inventadas. Diz-se que a proteína é mais saciante do que os outros macronutrientes, diz-se que, quando incluída na alimentação em vez dos seus homólogos, ajuda a emagrecer ou a controlar o peso, diz-se que quanto mais proteína tiver, mais músculo vai construir, mais gordura vai queimar... e, em suma, muitos outros disparates. Criadas ad hoc. Para a ocasião. Mais uma vez, em 2010, a EFSA publicou um documento de posição sobre a base científica para transferir estas alegações de saúde (ou, se preferir, estas propriedades) para a proteína de soro de leite. Posso dar-vos um resumo desse documento que é tão breve quanto verdadeiro: nenhuma destas propriedades tem apoio científico.

Não, o efeito Popeye não existe

Sim, é inegável que a massa de tecido muscular requer a presença de aminoácidos para formar proteínas. Mas não é o único requisito. Se não houver estímulo, não há criação de massa muscular. E pode sempre chegar-se a um ponto a partir do qual se pode tomar duches de proteínas, mas isso não significa que se vai “criar mais músculo”.

Assim, e dado o consumo real de proteínas que nós, espanhóis, temos, já atingimos - e ultrapassámos largamente - essa quantidade com a qual, por muito que estimulemos a formação muscular, já atingimos o “fator limitante” da proteína. Só porque se consome mais, não se vai crescer mais. Deixem-me dar-vos um exemplo. Imagine que tem de copiar Dom Quixote à mão em tempo recorde, e para isso precisa de canetas, papel e uma cópia da obra (porque acho que não a sabe de cor). A velocidade a que o conseguirá fazer dependerá de um “fator limitativo” fundamental: ter uma mão para escrever. Assim, dar a si próprio mais papel, mais canetas e mais cópias (tudo o que precisa para copiar) não o fará copiar mais depressa. No caso da musculação, dar mais proteínas num determinado limite (muito facilmente alcançável com uma dieta saudável) não só não conduzirá a um maior aumento da massa muscular, como também poderá encontrar alguns efeitos indesejáveis.

Efeitos indesejáveis de se passar com as proteínas (os seguros e os prováveis)

O efeito indesejável e seguro da adição de proteínas à sua dieta far-se-á sentir no seu bolso: a proteína é um nutriente muito mais caro do que as gorduras e os hidratos de carbono (a não ser que fortifique a sua dieta com leguminosas). Se olharmos para os alimentos “proteicos”, as diferenças são assustadoramente elevadas. Se escolhermos um iogurte natural básico, o preço pode rondar 1,82 euros/kg; se optarmos pela versão gorda, ou seja, com proteínas até ao tutano, o preço é de cerca de 10 euros/kg, ou seja, cinco vezes mais caro, mais de 500% de aumento. E assim por diante, com todos os produtos hiperproteinizados ultraprocessados. Porque, não tenhamos dúvidas, a grande maioria dos produtos proteicos que surgiram nos últimos anos pertencem a esta família pouco recomendável: os produtos ultra-processados de sempre.

Mas há mais. É objeto de debate científico, e não é improvável, que um excesso de proteínas durante um longo período de tempo tenha consequências negativas para a saúde. Tanto assim é que o referido documento assinado pelo Ministério da Saúde afirma: "O excesso de ingestão de proteínas não é armazenado, mas os aminoácidos que o constituem são metabolizados para formar compostos (cetoácidos) que podem ser utilizados como fonte de energia ou transformados em hidratos de carbono ou ácidos gordos. O consumo excessivo e contínuo de proteínas pode aumentar o azoto ureico no sangue e o cálcio urinário. O Instituto Medina dos EUA relata alguns estudos em que a ingestão de proteínas acima de 35% da energia não teve efeitos adversos, mas acima de 45% pode ser letal se for mantida durante várias semanas".

Assim, lembre-se, preocupar-se em comprar produtos ricos em proteínas para além do que corresponde a uma dieta equilibrada resultará numa urina cara, pois é esse o destino do excesso de proteínas após uma filtração renal confusa,, e quem sabe se preocupante.