Farmaferoles, caso aberto: porque é "a pior farmácia online" de Espanha e quem está por detrás
Milhares de clientes atribuem críticas negativas a esta farmácia, referindo longos atrasos, problemas na receção de reembolsos ou mesmo a receção de produtos fora de prazo.

Em Burgos, o nome de Bartolomé Ordoñez remete ao escultor renacentista nascido ali no século XV, mas também à rua que lhe recorda. Nesta pequena via situada a uns 4 quilómetros do centro histórico há um talho, uma lavandaria e uma farmácia peculiar. Trata-se de Farmaferoles, um estabelecimento que vende muitíssimo no canal online e que tem levantado uma ingente quantidade de críticas de clientes que dizem sentir-se decepcionados ou directamente defraudados.
Em março 2023, este meio publicou um artigo sobre Farmaferoles no qual recolhia o descontentamento dos compradores e denunciava os atrasos dos envios. "Ficaram-se uns 70 euros de um pedido que nunca chegou e não respondem de jeito nenhum", manifestava então um deles. Desde então, os problemas têm-se agravado, mas a farmácia parece continuar impune, protegida por alguma razão e pelo silêncio de certos organismos.
Muitas críticas
O grau de insatisfação é tal que, neste mês de agosto, a Organização de Consumidores e Utentes (OCU) decidiu tomar mãos no assunto e apresentou uma ação coletiva contra a Farmaferoles "depois de receber 1.177 reclamações públicas contra a farmácia online por pedidos não entregues, atrasados ou em más condições".

Assim, não é uma farmácia que venda muitíssimo e, consequentemente, tem problemas pontuais com os prazos. É algo mais sério. Disso também dá ideia a extraordinária quantidade de críticas publicadas no Trustpilot: há mais de 8.700 opiniões, 45% das quais outorga à empresa a pior pontuação possível, o que quer dizer que quase 4.000 consumidores acham que o serviço de Farmaferoles é mau.
Falta de stock
"Realizei o meu pedido há já 3 meses. Depois de uma primeira demora (…) comunicam-me que o pedido se vai atrasar pela falta de stock de alguns produtos. Pergunto quais e quando poderiam estar, ao que obtenho uma escassa resposta de 'não saber', sem me dar nenhuma solução", alertava um cliente neste fórum.
"Depois de ver que o serviço de atendimento deixa muitíssimo a desejar, pedi o reembolso dos produtos. Depois de outra espera, recebo um email onde afirmam ter feito o reembolso, em agosto. Disto faz mais de um mês e não recebi nada, nem respondem", acrescentava.

Acusações de publicidade enganosa
"Senti-me enganada pela sua publicidade enganosa: aparece um creme MOLI CARE Skin, com zinco na foto, e é a que eu queria e no entanto enviaram-me outra de outra marca inferior que nada tem a ver", denunciava outra. "É uma fraude! Não enviam o produto, não respondem aos emails, não há forma de se comunicar com eles por telefone. No dia 28.08 faço a compra e hoje 13.09. não chegou nada", diz uma terceira pessoa.
Os erros esgotam a paciência dos utilizadores: "Enviaram-me um colirio para a vista expirado por mais de 6 meses. Contacto com eles e em três vezes dizem-me que o vão reparar no dia seguinte. 1 mês depois, continuo á espera, e não respondem nem a telefonemas nem a emails", denunciava outra quarta.
Opinião de outras farmácias
Este meio tentou contactar com Farmaferoles para conhecer que explicação dão a estas críticas, mas, tal como sucedeu há ano e meio, não obteve resposta. Contudo, alguns colegas intuem que as práticas de Óscar Fernández Eroles, diretor técnico e dono do negócio, não são do todo honestas, mas preferem não ser demasiado explícitos. "Isto que o fale o Colégio, que para isso lhe pagamos. É um tema delicado", responde telefonicamente um gerente de outra farmácia de Burgos.

Assim, a Consumidor Global tentou contactar com o Colégio Oficial de Farmacêuticos de Burgos, uma entidade que proclama no seu site que a sua finalidade é "a representação e defesa dos profissionais farmacêuticos colegiados em Burgos e província, em congruência com os interesses e necessidades da sociedade", mas também não foi possível. Neste organismo aparecem como colegiados tanto Óscar Fernández Eroles como sua irmã.
"Vigarista"
De uma terceira farmácia de Burgos, onde conhecem as práticas da Farmaferoles, são mais diretos: descrevem o responsável como um empresário “vigarista”, que “vende coisas que não tem e é por isso que demoram tanto tempo a chegar”.
Além disso, esta farmácia alega que, durante a crise do coronavírus, “os testes que dizia ter não existiam”, um caso obscuro que chegou aos noticiários nacionais, onde, no entanto, o nome da Farmaferoles não foi explicitamente mencionado. “Alguns laboratórios já nem sequer lhe vendem: vende tão barato que faz baixar os preços”, revela esta fonte. E se toda a cidade tem conhecimento destas irregularidades, porque é que o Colégio ou o OMIC não intervêm? “Não sei”, responde.

Família Fernández Eroles
A Farmaferoles não nasceu do nada: antes de que Óscar Fernández estivesse à frente, a farmácia pertenceu aos seus pais. A sua irmã, Ana Luzia Fernández Eroles, também está colegiada e bem situada: é a Diretora Gerente do Complexo Asistencial Universitário de Burgos.
Uns meses antes de que a polémica salpicase ao negócio do seu irmão por vender teste que não chegavam ao seu destino, o nome dela também saltou aos jornais: O Correio de Burgos publicou em dezembro de 2021 que Ana Luzia Fernández Eroles estava por trás de um documento interno que se filtrou na Cortes no qual dava instruções para reduzir e "maquilhar" as listas de espera do hospital de Burgos.
Um negócio que mexe "500.000 euros ao mês"
Em nove anos podem mudar muitas coisas e quase qualquer negócio pode ir-se a pique, mas surpreende ler que em 2015 Óscar Fernández Eroles declarava ao Correio de Burgos que o seu projecto era "crescer, crescer e crescer, dando serviço ao cliente porque os produtos que eu vendo não são os que eu pretendia vender, são os que me procuram". Também se orgulhava de facturar "mais de 500.000 euros por mês".

Esse jornal descrevia a Fernández como um "jovem farmacêutico, que não para de gerir pedidos enquanto atende ao jornalista, transmite um grande optimismo, crê no seu projecto e está em permanente inovação comercial". Ademais, recolhia que a Farmaferoles tinha nascido em 2013, e dois anos depois geria "5.000 pedidos por mês a partir do computador". "Em 24 horas abastecem toda a Península". À luz dos depoimentos atuais, esta afirmação está, como pouco, desactualizada.
"Pouco fiável"
Em Farmacias.org, uma consumidora opinava que Farmaferoles era "a pior farmácia online". No Google, mais do mesmo: há quase 13.000 avaliações, entre as quais aparece a de um comprador que pagou 3,95 euros em conceito de despesas de envio para receber o seu pedido em 24 horas e o recebeu 11 dias depois; ou a de outro que descreve a Farmaferoles como uma empresa "pouco fiável".
"Imaginemos que eu vou todos os dias à farmácia Farmaferoles, de Burgos, durante anos, e lhes defraudo. E ninguém pode me parar. Vá país, não? Vale, pois agora o façam em sentido inverso. Ah, não, não faz falta o imaginar. Está a acontecer. Mais de 600 denúncias e ninguém o pára", dizia outra na rede social X. Neste sentido, quando a Consumidor Global fez eco destes problemas há ano e meio mencionou a existência de um grupo de afectados no Facebook que tinha quase 1.000 seguidores. Hoje são 1.200.