Tomar suplementos de melatonina de forma prolongada para melhorar o sonho poderia ter efeitos secundários mais graves do que se pensava. Um novo estudo adverte que quem consomem este composto durante mais de um ano apresentam um risco significativamente maior de sofrer insuficiência cardíaca, ser hospitalizados por esta causa e inclusive morrer por outras patologias.
Ainda que os resultados não estabelecem uma relação de causa e efeito, os pesquisadores consideram que os dados são o suficientemente preocupantes como para questionar a segurança da melatonina em longo prazo. O trabalho, que apresentar-se-á na reunião anual da Associação Americana do Coração (AHA) em Nova Orleans, sugere que o uso continuado deste suplemento deve ser reevaluado pela comunidade médica.
Um rastreamento a mais de 130.000 pessoas com insónia
O estudo baseou-se na análise de dados de 130.000 adultos com insónia crónica, com uma idade média de 55 anos, dos quais o 61% eram mulheres. Os pesquisadores utilizaram a Rede de Investigação Global TriNetX, um banco# de dados internacional que permite comparar grandes grupos de pacientes segundo seus tratamentos e evolução clínica.
Durante cinco anos, comparou-se a quem tomaram melatonina durante mais de 12 meses com outro grupo que nunca a tinha consumido. Excluiu-se a quem já padeciam insuficiência cardíaca ou recebiam medicación para dormir, com o fim de reduzir as distorções. Ainda assim, os resultados foram claros: os utentes habituais de melatonina tinham um mais 90% de risco de desenvolver insuficiência cardíaca nos cinco anos seguintes.
Risco de hospitalização e mortalidade mais alto
Os resultados do estudo também revelaram que o 19% destes pacientes é mais propenso a ser hospitalizado por problemas cardíacos, em frente ao 6,6% do grupo controle. Também se observou que quase o duplo tinha mais probabilidades de morrer por qualquer causa (7,8% em frente a 4,3%).
"Os suplementos de melatonina costumam considerar-se uma opção natural e segura, por isso foi surpreendente observar um aumento tão constante e significativo dos problemas graves de saúde, inclusive depois de ajustar outros factores de risco", explicou o autor principal, Ekenedilichukwu Nnadi, chefe de residentes de medicina interna em SUNY Downstate/Kings County Primary Care, em Nova York.
Uma hormona natural que não sempre é inócua
A melatonina é uma hormona que produz a glándula pineal e regula o ciclo sonho-vigília. Em sua forma sintética utiliza-se como suplemento para a insónia ou o jet lag, e pode se adquirir sem receita médica tanto em Espanha como em Estados Unidos. No entanto, sua composição -em potencial, pureza e formulação- varia segundo a marca, o que complica a avaliação de sua segurança.
Pese a sua fama de produto natural, existem poucos estudos sobre seus efeitos em longo prazo. "Ainda que não podemos demonstrar uma relação direta de causa-efeito, os dados propõem dúvidas sobre a segurança deste suplemento tão utilizado", advertiu Nnadi. O pesquisador faz questão da necessidade de novos ensaios clínicos que analisem seu impacto na saúde cardiovascular.
Experientes pedem cautela e mais investigação
Especialistas consultados têm recebido os resultados com prudência, ainda que coincidem em que o estudo abre um debate relevante. "Surpreende-me que os médicos receten melatonina durante mais de um ano, quando em Estados Unidos não está indicada para esse fim", assinalou Marie-Pierre St-Onge, presidenta do grupo de redacção da próxima declaração científica da AHA.
Em Espanha, o neurofisiólogo Óscar Larrosa destacou que "a suposta inocuidade da melatonina em longo prazo ou em doses altas não está do todo confirmada". Também Carlos Egea Santaolalla, presidente da Federação Espanhola de Sociedades de Medicina do Sonho, e Javier Garjón, do Serviço Navarro de Saúde, coincidiram na necessidade de ensaios clínicos mais sólidos. Como resume Garjón, "este estudo põe em questão a segurança cardiovascular da melatonina e deveria motivar uma revisão por parte das agências reguladoras".