O 'boom' dos livros de edição especial: "São o Murillo das livrarias"
Nem Planeta nem Rebecca Yarros inventaram os cantos pintados, mas os dragões no lombo de 'Asas de ferro' e 'Asas de ónix' têm desencadeado um novo fenómeno editorial

Viver numa época de incerteza implica "a tendência a esquecer e a vertiginosa velocidade do esquecimento", dizia o filósofo Zygmunt Bauman sobre dois rasgos que são, "para desventura nossa, marcas aparentemente indelebles da cultura moderna líquida".
E, ante o absurdo destes tempos apantallados, o ser humano sente a necessidade biológica de rebelar-se contra o estabelecido e voltar ao físico, voltar a tocar, observar e admirar o que lhe rodeia, para além da luz azul. Quiçá por isso em 2024 se venderam mais livros que nunca em Espanha: 77 milhões de instâncias.
'Romantasy', 'new adult' e BookTok
"O romantasy move tanto, que quase todo o que se faz nas grandes editoriais está focado a isso", expõe a diretora de Editorial Caçador, Carmen Moreno. Os 120.000 instâncias vendidas numa semana em Espanha do livro Asas de Ónix (Editorial Planeta), de Rebecca Yarros, são um fiel reflexo do bom momento que vive o sector do livro, a nível de vendas.

"Na Feira do Livro de Frankfurt de 2024 tinha um pavilhão dedicado exclusivamente aos géneros new adult e romantasy, e à comunidade BookTok -o hashtag de TikTok para livros-. E todas estas obras destacam por ter muito bons acabamentos", aponta Mathilde Sommeregger, diretora de Edições Maeva, sobre o auge das edições especiais.

O 'boom' de livros de edição especial
"Faz 15 anos, em Alemanha já existiam estas edições. Foi o primeiro país onde as ví. É uma moda que vem do mundo das novelas românticas para as fazer mais atraentes visualmente", prossegue Sommeregger.

Em Espanha publicam-se ao redor de 70.000 obras literárias ao ano e o mercado editorial está tão saturado que os leitores vão em procura do diferente. A segunda entrega da saga Empíreo (Asas de ferro), publicada em fevereiro de 2024, gerou uma grande expectación com sua edição limitada de cantos pintados, que se esgotou rapidamente e chegou à reventa em eBay e Wallapop a preços desorbitados. "É um boom que tem chegado para ficar. Neste ano consolidou-se com Asas de ónix e tem gerado um efeito chamada que se está a notar nas livrarias", acrescenta Moreno sobre uma tendência que tem tomado mais força com os sucessos marketinianos de Planeta.
Livros como objetos coleccionables
Se um leitor acerca-se à Casa do Livro, encontrará infinidad de livros com capas repletas de cor, os lombos pintados e as bordas das páginas brilhantes, enfundados em cofres do tesouro. "Taschen começou a fazer livros com uns acabamentos preciosos com o objectivo de que fossem objetos de coleccionista. Enquanto agora se faz com livros potencialmente exitosos para seduzir aos jovens", remarca a diretora editorial de Maeva.

A capa de um livro sempre tem sido sua carta de apresentação, mas, "se dantes nos conformávamos com que fosse bonita, agora tem de ser preciosa, chamar a atenção e ser o Murillo da livraria", aponta Moreno, quem assegura que gastam mais dinheiro na capa porque a sociedade é mais visual que nunca.
Um produto de venda
Se compras o último de Murakami, "não o fazes porque vem com as bordas tintados. Mas sim há uma revisão de Gabriel García Márquez por parte de Penguin Random House, que faz as novas edições bem mais cuidadas, ilustradas e super bonitas", explica Moreno. Na mesma linha, O infinito num junco, de Irene Vallejo, tem uma edição especial com um desenho artesanal.
A editora de Caçador também assegura que a cada vez mais edições procuram um desenho similar ao que se utiliza no romantasy, um género no que, "mais que o produto literário, se procura o produto de venda, e o digo como um elogio". E Sommeregger dá-lhe a razão: "É verdade. Nós tentamos sempre em Maeva Young que os livros tenham um acabamento excelente, de qualidade, e capas muito especiais para que sejam livros de presente".
A vida decorativa das palavras
Temos chegado a um ponto no que tem mais importância o contingente que o conteúdo? "Pode ser", responde Sommeregger, ainda que trata-se de um fenómeno "bem mais amplo que a estética. Os jovens procuram pertencer a um grupo e também existe um fenómeno fã".
Num mundo a cada vez mais digital e efémero no que quase tudo, também as lembranças, se perde na imensidão da nuvem, "o ser humano precisa algo que perdure e se possa tocar", sentencia a editora Carmen Moreno. Parece que em 2025 os livros já não só seduzem com suas palavras.