Esta é a nova Casa da Poesia de Madri: um cántico à Geração do 27 e as 'Sinsombrero'

A Comunidade de Madri fez-se com a moradia de Vicente Aleixandre ao comprá-la em leilão por 3,1 milhões de euros

Exterior de Velintonia, futura Casa de la Poesía
Exterior de Velintonia, futura Casa de la Poesía

A relação entre Madri e a poesia é estreita e fructuosa. Na praça de Santa Ana, por exemplo, a estátua de Federico García Lorca (que costuma ter flores em suas mãos) contempla ao Teatro Espanhol e observa aos turistas que procuram um terraço na que tomar uma cana.

No Bairro das Letras, de facto, pode-se rastrear as impressões dos maiores poetas do Século de Ouro espanhol, desfrutando, entre outros lugares, do pequeno jardim de casa-a -museu de Lope de Vega. Bem perto de ali localiza-se o Ateneo, uma instituição cultural de referência fundada no século XIX que tem acolhido multidão de conferências, leituras e debates em torno da poesia ao longo de sua história. Já em Malasaña, são multidão os estabelecimentos que organizam slam poetry.

Lugares para a poesia

Poder-se-iam citar também pontos como o Café Gijón, o Teatro do Bairro (que acolhe o festival Poesia ou Barbarie), A Casa Acendida ou, por suposto, a Biblioteca Nacional. A esta comitiva de nomes evocadores soma-se agora um espaço que, até faz muito pouco, era desconhecido para a maioria de madrilenos.

Interior de Velintonia (1)
Interior de Velintonia / COMUNIDADE DE MADRI

Trata-se de uma casa localizada no número 3 da rua Vicente Aleixandre, localizada no limite do distrito de Chamberí com o de Moncloa-Aravaca. Conhecida como Velintonia e construída em 1927, foi lar do autor Vicente Aleixandre (Sevilla, 1898 - Madri, 1984), e faz uns dias, pela primeira vez desde o fallecimiento do poeta em 1984, abriu suas portas ao público.

Património protegido

O Boletim Oficial da Comunidade de Madri (BOCM) publicou o passado 27 de junho a incoación do expediente para a declaração da casa do Nobel de Literatura como Bem de Interesse Cultural (BIC) na categoria de Património Inmaterial.

A Comunidade de Madri, que ostenta a propriedade do inmueble depois de seu compra em leilão por 3,1 milhões, procura acondicionar a casa e converter nA 'casa da Poesia', um espaço cultural de referência em homenagem à Geração do 27. A intenção é que seja peça central da comemoração do centenário deste movimento, bem como do 50º aniversário da concessão do Nobel a Vicente Aleixandre em 1977.

La presidenta regional, Isabel Díaz Ayuso, visita Velintonia, la casa del poeta Vicente Aleixandre
A presidenta regional, Isabel Díaz Ayuso, visita Velintonia, a casa do poeta Vicente Aleixandre / COMUNIDADE DE MADRI

Prêmio Nacional de Literatura

Figura chave da poesia do século XX, Aleixandre foi galardoado com o Prêmio Nacional de Literatura em 1933 pelA destruição ou o amor e nomeado académico da Real Academia Espanhola em 1949. Agora, as estadias de seu lar albergam uma série de fotografias que recordam sua trajectória e homenageiam a suas amizades: aqui Aleixandre recebia a Lorca, a Miguel Hernández, a Gil de Biedma ou a Javier Marías.

A casa foi um refúgio para outros destacadísimos poetas em pleno franquismo, e ali se leram livros proibidos, se compartilharam crias dissidentes e se deu refúgio a quem não podiam falar fora. Provavelmente, algumas destas conversas celebraram-se à sombra do grande cedro do Líbano plantado pelo próprio escritor em 1940 depois de seu regresso à casa, que se reconstruiu depois da guerra civil, quando foi bombardeada.

Reordenação depois da guerra

Depois da guerra, reorganizaram-se algumas estadias, como a biblioteca, onde recebia a todas suas visitas, que passou a ocupar o que até esse momento era cozinha.

Una de las estancias de la casa COMUNIDAD DE MADRID
Uma das estadias de casa-a / COMUNIDADE DE MADRI

"Foi para fazer frente às estrecheces económicas da posguerra. A planta alta alugou-se ao historiador e catedrático Cayetano Alcázar e a escritora Amanda Junquera, que converteram esse andar num discreto, mas ativo centro cultural de orientação decididamente feminista", tem explicado ao País Emilio Calderón, biógrafo de Vicente Aleixandre e participante nas visitas.

Academia de Bruxas

Em Velintonia 5 fundou-se o que Amanda Junquera e seu casal, Carmen Conde, baptizaram como a 'Academia de Bruxas', um círculo literário feminino que replicava, ainda que de uma maneira mais clandestina, o espaço cultural do número 3. Assim, a parte superior da casa também acolheu leituras, tertulias, dramaturgias, críticas literárias e a personalidades como Maruja Mallo, Eulalia Galvarriato, Consolo Berges e outras muitas das 'Sinsombrero'.

De facto, Carmen Conde, a primeira mulher em ingressar como académica de número na Real Academia Espanhola (RAE), guardava um caderno de tampas duras onde apontava quem vinha, a que hora, quanto tempo ficava, se era homem ou mulher, jovem ou maior. Inclusive registava os amantes do poeta, tanto homens como mulheres. Anos depois, esse caderno converteu-se numa sorte de arquivo paralelo da história literária do Nobel.