Nem Lorca nem Pérez Galdós: este é o escritor espanhol que mereceu o Nobel e nunca o recebeu
Em Consumidor Global desvelamos-te um dos episódios mais negros da literatura universal

A Benito Pérez Galdós nunca lhe afectou a mudança de século. Ainda que o mundo acelerava seu ritmo e as correntes da modernidad intensificavam-se, ele permanecia firme no coração da actividade cultural. Em 1912, com suas obras mais memorables já publicadas e tendo dominado a arte de conjugar palavras e sucesso, seguia sendo o dramaturgo mais representado em todo o país, gerando admiração e, ao mesmo tempo, inveja entre as novas gerações.

Nesse mesmo ano, mais de quinhentas personalidades do âmbito intelectual espanhol —entre as que se encontravam Ramón Pérez de Ayala, Jacinto Benavente, Santiago Ramón e Cajal, Octavio Picón e José Echegaray— respaldaram sua candidatura ao Prêmio Nobel de Literatura. Um galardão que parecia iminente, mas que finalmente acabou em mãos de Gerhart Hauptmann, movido por interesses políticos e um cainismo que açoitava o ambiente cultural do país.
Benito Pérez Galdós: A dualidad da maturidade e o activismo
A seus 69 anos, Galdós demonstrava que a idade não era sinônimo de fadiga. Longe de deter-se, combinava seu labor literário com um intenso activismo político, desempenhando-se como deputado da União Republicana e como presidente da Conjunción Republicano-Socialista. Esta dualidad, tão característica em sua pessoa, fazia-o inquebrantável em suas convicções, algo que não passava desapercibido para seus adversários conservadores e tradicionais.
Ao conhecer a notícia de sua candidatura ao Nobel, esses sectores reagiram com uma agresividad sem precedentes. Mal se difundiu a proposta, se puseram mãos à obra para forjar um complô destinado a sabotear as possibilidades do escritor. Enviaram-se milhares de cartas e telegramas à Academia Sueca, pedindo de forma vehemente que se lhe negasse o prêmio, pese a que, em condições normais, o reconhecimento teria sido seu sem lugar a dúvidas.
Invejas, intrigas e manobras no panorama cultural
A estratégia conspirativa não se limitou unicamente aos protestos diretos contra Galdós. Também se impulsionou uma candidatura alternativa: a de Marcelino Menéndez Pelayo. Esta manobra, além de ser política, tinha um matiz irónico, pois Menéndez Pelayo era íntimo amigo do próprio Galdós. A intenção, claramente, era semear a discórdia e criar uma imagem de desavenencia, minando assim a credibilidade do canario ante o prestigioso prêmio.

A Academia, que já contava com ambos candidatos em suas bichas, optou por dar apoio às duas propostas. No entanto, a imprensa desatou uma verdadeira tormenta mediática. Diversos diários atacaram com dureza a Galdós, qualificando-o, segundo A Época, de "escritor de novelas revolucionárias que tinham manchado o solo de sangue". Ainda que não contavam com redes sociais, a tecnologia da época —através de cartas e telegramas— permitiu que estes ataques se difundissem com rapidez, marcando um dantes e um depois na carreira do autor.
A decisão da Academia: Gerhart Hauptmann
Segundo Erik Karlfeldt, poeta e posteriormente secretário permanente da instituição encarregada do prêmio, a avalanche de mensagens recebidas na sede de Estocolmo foi determinante para que a candidatura de Galdós fosse descartada. O Nobel finalmente foi entregue a Gerhart Hauptmann, junto com uma dotação de 140.000 coroas suecas que teriam significado um grande alívio económico para o escritor.
A situação gerou um profundo sentimento de injustiça. Quando Miguel de Unamuno se inteirou de primeira mão da operação orquestrada contra ele, a qualificou de absolutamente vergonzosa. Por sua vez, Benavente denunciou "o lamentável espectáculo de nossas divisões e intolerâncias", evocando a imagem escura e trágica que, ao estilo de Goya, refletia um Saturno devorando a seus filhos.
Resiliência no meio da adversidad
Apesar dos ataques e a amarga experiência, Galdós soube enfrentar a situação com dignidade. No meio da tristeza provocada por sua progressiva cegueira, nunca permitiu que a pugna por um prêmio internacional afectasse sua amizade com Menéndez Pelayo. Parecia como se ambos tivessem sellado um silencioso pacto de caballeros, demonstrando que, apesar das diferenças ideológicas, a verdadeira amizade e o compromisso literário podiam trascender qualquer controvérsia.
Ainda que ficaram sem o Nobel, o que Galdós e Menéndez Pelayo ganharam foi, sem dúvida, uma amizade fortalecida e um respeito mútuo que perduraría ao longo de suas vidas. Ambos se mostraram assombrados, de forma serena, ante o nível de miséria e rivalidad ao que podiam chegar seus compatriotas, uma situação que, a seus olhos, refletia a triste realidade de um país dividido pela política e o ego.
O legado de um gigante cultural
A obra monumental de Galdós, especialmente seus Episódios Nacionais, se erige como depoimento de seu brillantez e seu compromisso com a realidade social e política de seu tempo. Numa época na que o reconhecimento internacional parecia reservado para outros, o escritor canario soube forjar um caminho próprio, narrando com paixão e precisão os convulsos acontecimentos de uma Madri em ebullición.

Seu legado literário tem trascendido gerações, convertendo numa referência inevitável para aqueles que procuram entender a complexa história de Espanha. Apesar dos obstáculos e das intrigas que marcaram seus últimos anos, Galdós deixou um legado imborrable que segue inspirando a novos escritores e leitores por igual.
Reflexiones finais sobre a luta pelo reconhecimento
A história de Galdós é, em definitiva, uma lição sobre a resiliência e a integridade no mundo da cultura. Sua luta contra os embates de um sistema marcado por rivalidades e manipulações políticas demonstra que a verdadeira grandeza reside na capacidade de manter a convicção e a paixão, inclusive quando o reconhecimento oficial se escapa de nossas mãos.
Hoje, ao recordar esses episódios, não só rememoramos o desencanto de uma candidatura frustrada, sina também a inquebrantável fortaleza de um homem que soube transformar as adversidades num exemplo de integridade e compromisso. Seu legado continua sendo uma fonte de inspiração para quem, no mundo da literatura, procuram honrar a verdade e a justiça, sem deixar-se amedrentar pelas sombras do poder e a política.