O turismo olha-se ao espelho: "Voltámos-nos caros para nossa demanda habitual"
Os experientes acham que o sector deverá enfrentar uma reconversão, e reconhecem que, por desgraça, "sair e consumir fora a cada vez se torna mais um luxo que menos pessoas se podem permitir"

"Segue soando a música, ainda que baixou-se o volume". A frase é de Jorge Marichalar, presidente da Confederação Espanhola de Hotéis e Alojamentos Turísticos (CEHAT), quem resume assim as sensações depois de um verão raro: o recorde de turistas estrangeiros tem vindo acompanhado de um descenso da despesa em muitos lugares, apesar das ofertas de última hora e do ânimo de desconexão. Claro que o facto de que a música segua soando pode ser bom para uns e mau para outros, que escutam mais bem ruído.
A gallina dos ovos de ouro, crê Marichalar, está longe de gripar. "A situação em si mesma não podemos a classificar como preocupante, mas sim como um toque de atenção de que se pôde tocar teto e se vê uma verdadeira fadiga na demanda nacional e em alguns segmentos da demanda estrangeira", escreve este experiente. Não obstante, este meio tem publicado informações que, no mínimo, revelam situações anómalas e desenham um panorama incerto para o turista espanhol.
Encher o vazio
Por exemplo, a primeira quincena de agosto, Menorca registou uma perda de clientes de 10% com respeito ao período anterior, o que obrigou às correntes hoteleiras a rebajar as tarifas de suas habitações para salvar "o pior verão em anos". Na mesma linha, Iberia anunciou no final de agosto um plano de ofertas em voos e pacotes de viagem para os próximos meses, rebajas que poderiam falar da necessidade de rechear praças vazias.

"Os economistas muitas vezes falamos de desaceleración, que afinal de contas é um eufemismo", explica a este meio Mario Sorribas, professor de OBS Business School. "Os dados dizem que se gerou riqueza, mas não ao ritmo do ano passado", expõe. E propõe várias razões. Em primeiro lugar, este experiente acha que no ano passado cresceu-se mais do que cabia esperar, já que a pandemia e a inflação desbocada provocada pela guerra em Ucrânia causaram um baixo que se compensou com cresces com a explosão de 2024.
Signo de agotamiento
"Neste ano, quiçá simplesmente não se pôde crescer ao mesmo ritmo", diz Sorribas. Com tudo, sustenta que "a indústria turística espanhola tem dado sinais de um verdadeiro agotamiento", como têm corroborado alguns conhecidos em bares e restaurantes: os turistas gastam menos e preferem cozinhar mais num Airbnb ou um apartamento.
O professor de OBS responsabiliza, de novo, à inflação: o menu do dia que faz só uns anos custava 10, 12 ou 15 euros, "agora ronda os 17 ou 18". Por tanto, considera que, quiçá, os empresários hosteleros têm previsto para este ano uma faixa de preços que consideravam conveniente, mas que não tem quadrado ao consumidor. "Não estava dentro da expectativa da despesa do cliente médio".
Financiamento e novos destinos
A ninguém gosta de renunciar às férias. Um estudo da Universidade VIU revela que, durante o verão, um da cada cinco espanhóis recorreu a financiamento para pagar suas preciosas escapadas.

Também não pode obviarse que um 33% dos espanhóis não pode se permitir ir de férias ao menos uma semana ao ano, tal e como reflete o Instituto Nacional de Estatística (INE). Agora, muitos se têm percatado, com maior ou menor cabreo, de que passar uma semana em alguns lugares de Cádiz resultava mais caro que o fazer em Turquia ou Albânia, que também têm praias atrayentes.
"A gente cansa-se de fazer as mesmas coisas"
"Por custos, a esse tipo de países sai-lhes muito a conta. Entendem que, se há riqueza no âmbito mediterráneo, a pouco que possam, tentarão montar seus próprios projectos", raciocina Sorribas, que não descarta que o façam com algum tipo de dumping. Assim mesmo, fala da importância de um factor psicológico: "A gente cansa-se de fazer as mesmas coisas todos os anos", aponta. E se um turista tem ido muitas vezes a um destino de costa espanhol e sua última lembrança não é brilhante… elegerá mudar. Há muitos peixes no mar.
"Voltámos-nos caros para nossa demanda habitual", declara a este meio, sem tapujos, Raúl Loiro. Este profissional é revue manager de dois hotéis da Costa Branca, e considera que, a cada vez mais, a demanda parece não aguentar as subidas de preços. Menos ainda se não estão justificadas com um serviço superior ao de anos anteriores ou com um produto que marque a diferença com respeito aos competidores. "Este inverno se avecina com incerteza", reconhece.

Subidas ano após ano
Mas, até que ponto está justificada esta subida de preços sustentada? Os implicados costumam mencionar o custo de contratação, a subida de muitas matérias primas e o ónus fiscal. Não obstante, Loiro considera que a enorme demanda dos últimos anos tem feito que estabelecimentos hosteleros e de restauração começassem a subir preços "ano após ano" e inclusive a pôr a cada vez mais restrições à hora de reservar. O limite parecia longínquo.
"Se íamos batendo recordes de número de visitantes turísticos ano após ano, por que não iam subir o preço?", questiona Ricard Santomà, vicedecano de turismo da IQS School of Management. Este experiente recorda que se deve considerar a quantidade desde uma perspectiva global, não só quanto à quantidade de turistas: estadias, tempo médio, os artigos que se compram…
Incremento da quantidade
A chave está, aponta, em analisar se a percentagem de incremento dos preços é menor ou maior que a percentagem de incremento da quantidade.

Santomà também menciona a incerteza geopolítica mundial, que leva a muitos a estar em alerta. "Se temes que subam as taxas de juro, que a inflação se dispare, que o preço do petróleo suba… Decides destinar menos dinheiro a tuas férias".
Estadias menores
Por sua vez, Loiro cita aos que considera como referentes do sector, como Chema Ferreiro, e sugere que "estamos a chegar a uma cume e pode que comecemos a ver uma baixada mais cedo que tarde". De facto, ele tem percebido que as estadias médias de alojamento têm sido inferiores às de anos anteriores. "Para poder encher, teve-se que baixar a estadia mínima mais do habitual, com estadias de até 1 ou 2 noites em certas datas", relata.
Ao respeito, Santomà recorda que se viram preços de hotéis "que nunca tínhamos tido", mas o considera algo relativamente lógico dada a consagración de Espanha como meca do turismo mundial. Como outros factores a ter em conta, menciona a turismofobia e o impacto da mudança climática, que fará que subam zonas de Espanha que até faz pouco eram muito baratas, como Astúrias.
Mudanças na forma de viajar
"Nosso turismo local, com um poder adquisitivo a cada vez mais mermado, começa a mudar sua forma de viajar ou viaja durante um período mais curto de dias", descreve Loiro. Por exemplo, o cliente que dantes se hospedava num hotel 4 estrelas com pensão completa, agora quiçá procura um hotel mais económico com alojamento e café da manhã ou média pensão. O que se alojaba duas semanas se aloja uma e o que se alojaba uma semana agora passa o fim de semana.

"Também muitas das pessoas que passavam suas férias em hotéis têm passado a alojarse em apartamentos, já que é uma opção mais económica. Prima-se o poder ir de férias durante um período de tempo mais longo apesar de perder a comodidade e os serviços de um hotel". Consequentemente, vêem-se a cada vez mais bares e restaurantes médio vazios.
Nichos de clientes
Há, crê Sorribas, duas opções para os empresários do turismo: baixar preços ou orientar para a especialização em nichos de clientes que não sejam sensíveis ao aumento de custos.
Loiro coincide. "Por desgraça, os preços têm subido tanto que o sair e consumir fora a cada vez se torna mais um luxo que menos pessoas se podem permitir". Portanto, o hostelero deverá eleger se quer investir numa melhora e inovação de produtos e serviços que atraia uma demanda com maior poder adquisitivo ou "evoluir para um modelo low cost, reduzindo custos, que permita recuperar essa demanda que tem deixado de vir porque tem ficado fora de suas possibilidades económicas".