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Noema Paniagua (Moda Re-): "A população espanhola segue sendo incrivelmente entregada"

Esta experiente declara que a 'ultra fast fashion' põe um volume de prendas no mercado que resulta "insostenible"

Juan Manuel Del Olmo

Noema Paniagua, directora de Moda Re JAVIER RODRÍGUEZ VALEIRO (CIRCULAR III)

Na passada sexta-feira celebrou-se em Madri Circular 3: Encontros de moda circular e sustentável, um foro sobre sustentabilidade que teve lugar no mesmo dia que muitas lojas penduravam cartazes vermelhos de descontos com motivo do Black Friday. Assim o assinalou na apresentação do evento Helena López de Ferro, diretora do Museu do Traje, edifício que acolheu e abraçou a cita, quem assegurou que o modelo de consumo desaforado danifica às pessoas e ao meio ambiente.

Os palestrantes recordaram que um dos debates mais acuciantes da indústria têxtil de nosso tempo é a sustentabilidade Entre os dados mais demoledores figura o facto de que a cada europeu consome 19 quilos de têxtil ao ano, dos quais 16 se eliminam. Desejos de usar e atirar, que cantaria Bunbury.

Moda Re- e a gestão da roupa usada

Outra das palestrantes foi Noema Paniagua, a diretora de Moda-Re, uma cooperativa de iniciativa social sem ânimo de lucro promovida por Cáritas. A entidade, que conta com multidão de lojas por toda Espanha, se dedica a gerir integralmente o ciclo da roupa usada: desde a recolhida e preparação para a reutilização até o reciclaje, a doação social e a venda.

Ademais, Moda Re- emprega a 1.600 pessoas, a metade das quais estão em situação ou risco de exclusão social, "acompanhando no desenvolvimento de habilidades e concorrências finque", explicam em sua página site. Falamos com ela.

Uma loja de Moda Re- em Madri / CARITAS MADRI

--Helena López de Ferro afirmou que "a cada um de nós tem que fazer um exercício de autoconsciencia sobre que consumidores somos e em que tipo de consumidores nos queremos converter. Que pensa ao respeito, há que atirar um pouco das orelhas ao consumidor?

--Não sê se atirar das orelhas. O que creio é que o repto ao que nos enfrentamos é global, de um calado importante desde o ponto de vista ecológico e social, e nos afecta a todos. Neste sentido, todos temos um lugar nesse leque de corresponsabilidad. Quando falamos da cidadania, acho que ao que se referia Helena é a nos fazer conscientes de que estamos a comprar, quanto vão durar as prendas que compramos, como vão ser consertadas, se quando nós já não as queiramos poderão ser doadas e se os materiais dos que estão feitas poderão ou não ser reciclados e entrar de novo na corrente de valor da indústria têxtil.

--Moda Re- é uma entidade sem ânimo de lucro, mas é possível rentabilizar a recolhida de roupa usada? Pergunto-o porque, recentemente, a Universidade de Harvard tem analisado o modelo de negócio de sua entidade e acrescentou-o a seu catálogo de publicações.

--Sim, Impact Bridge tem colaborado com o Instituto de Empresa para fazer de Moda Re- um caso que agora se pode estudar em Harvard, do qual estamos súper orgulhosos. A organização é interessante enquanto é uma organização sem ânimo de lucro constituída por empresas de inserção. Evidentemente, ou somos rentáveis ou não podemos dar resposta ao objeto de nossa organização, que é o emprego a pessoas que estão em risco de exclusão. Desde essa perspectiva, Moda Re- quer ser rentável para dar trabalho às pessoas que mais o precisam.

Doação de roupa / FREEPIK

--Você tem comentado que a cada vez recolhem roupa de menor qualidade. Isto faz pensar num relatório recente de Greenpeace que alertava de que muitas prendas de Shein contêm substâncias tóxicas, como os PFAS, que podem prejudicar a saúde. No entanto, o consumidor segue elegendo esta plataforma pelo preço. Como dar a volta a esta situação?

--É uma pergunta difícil, mas tem que ver com a primeira questão da que falávamos: como concienciamos a toda a cidadania da importância que têm nossos hábitos de compra. A ultra fast fashion está a pôr uma quantidade de moda no mercado que o faz às vezes insostenible. Que fazemos com todo esse produto? Porque, ademais, ao ser de pior qualidade, termina sendo um resíduo dantes. Acho que passa por saber como nos dizemos a nós mesmos, a nossos filhos ou netos como consumir de uma maneira diferente que faça sustentável a corrente.

--Um dos palestrantes destacou que seria importante realçar os aspectos positivos da indústria e não demonizar a moda por seu impacto ecológico.

--Sim, quiçá estou de acordo com ele. É uma indústria que está a realizar muitos esforços por competir neste contexto. Desde nossa perspectiva, acho que sempre é mais fácil enfrentar um repto tão importante como é o desafio ecológico e social que supõe o resíduo têxtil em Espanha com mensagens positivas, que ponham à roupa de segunda mão de moda. Fazer que seja interessante para todos comprar segunda mão de qualidade e duradoura.

Duas pessoas com carteiras de roupa / FREEPIK - teksomolika

--A Confederação Espanhola da Pequena e Média Empresa (Cepyme) tem alertado de que o Real Decreto que prepara o Governo em matéria de gestão de roupa e calçado usado poderia supor a destruição de milhares de empresas e 21.000 empregos diretos. Que opina ao respeito?

--Todo o sector está preocupado pela criação desta regulação: os produtores, as marcas, os gestores que estamos no dia a dia… Acho que o Ministério de Transição Ecológica tem um interesse por transpor as diretoras européias e por impulsionar a circularidad no sector têxtil. Desde Moda Re- temos contribuído alegações e pensamos que é imprescindível que se regule com urgência e que se translade o princípio de que quem produz é quem se tem que fazer responsável pela totalidade da vida útil do produto. Este real decreto vai ajudar-nos a pôr recursos para que isto se possa gerir adequadamente.

--Como funcionam os contêiners de Moda Re-? Você tem falado de que estão sensorizados.

--Temos 9.000 contêiners, imagina-te a dificuldade que supõe saber quando tens que abrir um para ir recolher o que há dentro. Os sensores determinam quando está cheio ou quando atinge certa capacidade, de tal maneira que, quando atinge um nível determinado, somos capazes de transladar os camiões para o recolher. Assim se optimizam as rotas e temos maior eficiência nos transportes e a logística.

Uma pessoa doa roupa num contendor / CÁRITAS JAEN - X

--Não sê se manejam algum dado surpreendente quanto a volume de roupa doada ou se coincide com as áreas mais povoadas, Madri e Barcelona.

--A qualidade da roupa varia em função do local no que estão os contêiners e também o tipo: recolhemos muitos mais abrigos no sul de Espanha que no norte. A população espanhola segue sendo incrivelmente entregada: recebemos muitíssima doação, e isso favorece a reutilização nas 200 lojas que temos por toda Espanha.

--Algumas prefeituras têm tido problemas com os roubos de roupa de seus contêiners, a vocês lhes ocorreu?

--Sim, também. É verdade que há amantes do alheio em todos os sectores, neste também, e em ocasiões nos encontramos os contêiners forçados. Estamos a tentar estabelecer mecanismos para identificar quando nos roubaram.