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As chaves sobre a redução da jornada trabalhista: "O vital não são as horas, sina os objectivos"

Consumidor Global entrevista a Giulia Miazzo, Head of People de Payfit, para analisar o impacto do novo anteprojecto de lei aprovado pelo Governo

Ana Carrasco González

Giulia Miazzo, Head of People de Payfit, habla de as claves sobre la reducción de la jornada laboral

A redução da jornada trabalhista em Espanha avança um passo mais com a recente aprovação do anteprojecto de lei no Conselho de Ministros. A medida, que diminuirá progressivamente a jornada máxima legal de 40 a 37,5 horas semanais sem impacto salarial, gera tanto expectativas como incerteza em empresas e trabalhadores. Enquanto o Governo encara um complexo processo parlamentar para sua aprovação definitiva, surgem questões finque: como afectará à produtividade e à organização do trabalho? Que envolvimentos terá em sectores com alta demanda operativa? Poderia influir na evolução salarial e na competitividade empresarial?

Para analisar estes desafios desde uma perspectiva experiente, Consumidor Global entrevista a Giulia Miazzo, Head of People de Payfit, plataforma especializada em digitalização de nóminas e gestão de recursos humanos. Com sua experiência em optimização do tempo de trabalho e eficiência organizativa, Miazzo oferece uma análise detalhada sobre os efeitos da medida na conciliação trabalhista, a adaptação empresarial e o futuro do emprego em Espanha.

--Depois da aprovação do anteprojecto de lei, os empregados trabalharão até duas horas e meia menos à semana. Como pode impactar este ajuste em seu dia a dia?

--No dia a dia isto impactará de várias maneiras. Em minha opinião, por um lado, para os empregados será uma ajuda em termos de conciliação, desconexão e equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Acho que esse será um dos primeiros efeitos.

A vice-presidenta segunda e ministra de Trabalho e Economia Social, Yolanda Díaz / EP

–Terá mais tempo de lazer, formação, descanso… Portanto, também terá mais benefícios para a saúde mental.

--Claro. O maior benefício que vejo é que, ao final, somos pessoas dantes que trabalhadores. Se chegas a teu posto com um ónus mental mais ligeira, após ter conciliado bem tua vida pessoal e familiar, é mais provável que te sintas motivado e com mais energia em teu dia a dia. E ter um nível de energia mais alto também influi na produtividade, a concentração e, em general, no bem-estar. Por isso, acho que esta medida pode ser muito positiva tanto para a produtividade como para a felicidade dos empregados.

--E, qual é o impacto para as empresas?

--Também terá um impacto nas empresas. Eu sou muito positiva, mas entendo que desde sua perspectiva pode ter verdadeiro temor com respeito à produtividade dos empregados. No entanto, creio firmemente que, se se estabelecem objectivos claros e se gerem bem as particularidades da cada empresa—como no caso dos turnos ou faixas horárias—, a produtividade não deveria se ver afectada.

--Por tanto, de que depende a produtividade?

--Ao final, tudo depende de como a cada pessoa organize seu tempo de trabalho e de que as empresas reforcem a definição de objectivos. Se até agora não tinham um controle muito claro neste sentido, quiçá seja um bom momento para lho repensar.

--Acha que uma jornada de 37,5 horas semanais pode ser suficiente para manter o mesmo nível de rendimento em sectores de alta exigência?

--Terá que ver, uma vez mais, como se organizam os objectivos. Porque sim, a jornada reduz-se, mas estamos a falar de duas horas e meia à semana, não de 15 horas. Então, é questão de avaliar se as metas da cada departamento ou equipa seguem sendo alcanzables com pequenos ajustes de tempo ou, quiçá, sem necessidade de mudanças. O importante não são as horas, sina os objectivos claros.

--O desafio surge se não se conseguem atingir esses objectivos…

--Em caso que realmente não se possam cumprir ao 100%, poderia se considerar algum reforço. Não sê se o Governo oferecerá algum tipo de ajuda para contratar a mais pessoal em situações muito específicas, mas, de ser assim, poderia ser uma opção a valorizar.

--Que sectores beneficiar-se-ão mais da redução da jornada trabalhista e em quais poderia ter mais dificuldades para a aplicar?

--Acho que, na maioria de trabalhos de escritório, tanto em empresas privadas como em sectores administrativos, não deveria ter um grande problema. Inclusive em atenção ao cliente, é possível organizar turnos para garantir uma cobertura mínima. Por isso, não o vejo especialmente complicado nestes casos.

Pessoas durante sua jornada trabalhista / EP

--Onde poderia ser mais complicado?

--Em sectores mais orientados ao público, onde o horário de atenção é fixo e o escritório fecha a determinada hora, sim poderia se reduzir o tempo de serviço. E em âmbitos como a restauração, o transporte ou a logística, o impacto poderia ser maior. Aí teria que analisar como redistribuir tarefas ou se seria necessário contar com mais pessoal operativo para cobrir a demanda. Esses seriam alguns exemplos.

--Como podem se assegurar os consumidores de que esta medida não afectará à qualidade do serviço em sectores finque como a previdência ou o comércio?

--Estamos a falar de duas horas e meia menos à semana. Acho que a chave está em reorganizar horários e turnos. Em sectores como o sanitário, por exemplo, também teria que ajustar a jornada trabalhista. Mas se gere-se bem e, em alguns casos, se reforça a equipa com pessoal de apoio em jornada reduzida, não deveria ter um impacto significativo. Ao final, o importante é assegurar-se de que o serviço não se veja afectado no dia a dia das pessoas que o utilizam.

--Payfit trabalha com empresas de diferentes tamanhos. Como acha que afectará a redução de jornada às PMEs em comparação com as grandes corporações?

--Nas empresas mais pequenas, os empregados costumam assumir responsabilidades mais variadas, já que as equipas são reduzidas e cada pessoa cobre múltiplas funções. Por isso, a ausência de um trabalhador pode gerar um maior impacto e requerer que o resto da equipa assuma tarefas adicionais para manter o fluxo de trabalho. Em mudança, nas grandes corporações, os papéis tendem a estar mais definidos e especializados. Isto permite que, se alguém se ausenta, suas funções possam ser cobertas temporariamente por outros colegas sem afectar tanto o rendimento geral da empresa.

--Hoje em dia há bastante flexibilidade.

--O tradicional horário de nove a cinco ou seis já não é uma norma estrita em muitas empresas. Inclusive naquelas onde se mantém uma jornada de 40 horas semanais, costuma ter margem para organizar o trabalho de maneira mais autónoma, sempre com o objectivo de cumprir com as metas estabelecidas.

--A redução de jornada aprovou-se sem recorte salarial, mas poderia ter algum tipo de compensação que afecte aos trabalhadores, como uma menor subida de salários?

--Se as empresas entendem que reduzir ligeiramente a jornada não afecta à produtividade, e inclusive podem notar que os empregados estão mais motivados e aproveitam melhor seu tempo para cumprir com seus objectivos, não vejo razão para que isto impacte outras decisões. É mais, espero que não o faça, porque caso contrário pareceria quase uma represália para os trabalhadores, o que claramente não contribuiria a uma boa cultura e ambiente trabalhista.

--Mas, existe o risco de que algumas empresas tentem "compensar" as horas perdidas com maior ónus de trabalho ou pressão sobre os empregados?

--Entendo que alguns empregados possam ter medo de que, ainda que se reduzam as horas de trabalho, as empresas esperem o mesmo ónus trabalhista e terminem os chamando constantemente para se assegurar de que cumprem seus objectivos. Se isto ocorresse, a medida perderia seu propósito e não funciona.

Um serviço de call center para empresas / EUROPA PRESS

--Deve impor-se um objectivo razoável tendo em conta a redução de horas.

--Claro. Acho que esta preocupação pode existir em certos meios, mas não deveria ser a realidade. O importante é que os objectivos sejam realistas. Um bom objectivo deve ser ambicioso, sim, mas também alcanzable dentro do tempo disponível. Aqui é onde as empresas jogam um papel finque. Devem assegurar-se de que esta mentalidade se implemente correctamente, formando tanto aos empregados como, sobretudo, aos managers, já que são eles quem estabelecem os objectivos e organizam o trabalho da equipa.

--Como deveria se regular esta medida para evitar possíveis abusos ou estratégias empresariais que prejudiquem aos trabalhadores?

--Uma vez que a empresa decida como vai implementar a redução horária e como distribuirá as horas, é crucial que siga com um plano de comunicação e formação, tanto para empregados como para managers. Isto ajudará a reforçar um meio de flexibilidade, organização e clareza nos objectivos. Ademais, é importante evitar qualquer sensação de reproche ou castigo, como mencionava dantes. Se esta medida é positiva, não faz sentido que os empregados sentam que há represálias por isso. Ao invés, deve gerir-se de maneira que beneficie tanto à empresa como a sua equipa.

--Que direitos têm os trabalhadores se sua empresa não aplica correctamente a redução de jornada?

--Esse é um tema muito legal e acaba de sair, de modo que entendo que sim se pode demandar à empresa em caso de incumprimento. Sê que terá sanções bastante severas para as empresas que não cumpram com a redução horária ou com o controle de horários. As multas serão muito altas, e como em qualquer assunto legal, os empregados poderão ir aos sindicatos ou tomar as medidas necessárias para reclamar seus direitos.

--Que impacto acha que terá esta medida nos contratos temporários e na precarización do emprego?

--Acho que algumas empresas, se têm dúvidas sobre se poderão cumprir com seus objectivos em menos horas, poderiam apoiar-se em contratos temporários para cobrir bicos de trabalho. Imagino-me seu razonamiento: "Para evitar o risco de não chegar a tudo, quiçá possamos contratar a alguém de forma temporária para apoiar à equipa". É o primeiro que se me vem à cabeça e, em alguns casos, poderia ser uma solução viável.

--Em países onde se reduziu a jornada trabalhista, alguns têm optado por aumentar a automação. Acha que em Espanha pode ocorrer algo similar?

--Sim, eu acho que isto já está a passar, de facto. Especialmente em empresas com um enfoque tecnológico, muitas startups e PMEs que têm crescido rapidamente nos últimos anos agora procuram formas mais eficientes de operar. Em lugar de seguir contratando mais pessoal, estão a apostar pela tecnologia, a inovação e a automação para optimizar processos e melhorar a produtividade.

--Acha que no futuro a jornada trabalhista seguirá reduzindo-se até atingir modelos como na semana trabalhista de quatro dias?

--Oxalá! Para mim seria um sonho, porque significaria que se começa a valorizar mais o tempo das pessoas e a importância de um verdadeiro equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Seria uma mudança real na cultura trabalhista, onde já não se trata de viver para trabalhar, sina de que o trabalho seja uma ferramenta para viver melhor. Ademais, também implicaria que estamos a aproveitar a tecnologia, a inovação e a inteligência artificial da maneira correta, isto é, como um aliado para melhorar nossas condições trabalhistas, e não como uma ameaça para os empregados.

--Por último, para os cépticos que temem uma queda na produtividade, que argumentos dar-lhes-ia em prol de esta reforma?

--Para mim, todo se resume numa ideia finque, e é que mais horas de trabalho não quer dizer mais qualidade. Não funcionamos assim. Os seres humanos não somos mais produtivos sozinho por passar mais tempo trabalhando. Por isso, o importante é aproveitar ao máximo as horas de trabalho, nos assegurando de que sejam realmente produtivas. Isto se consegue quando os empregados chegam mais descansados, com melhor energia e com objectivos bem definidos e mensuráveis.

Agora bem, também não há que ser rígidos. Se com o tempo vê-se que os objectivos não se estão a cumprir porque realmente faltam mãos ou mais horas de trabalho, então terá que valorizar se é necessário contratar a mais pessoal. Mas, em princípio, se respeita-se este direito a uma melhor desconexão, não deveria ter um impacto negativo na produtividade.