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A Renfe nega o roubo de uma mala no AVE: “Não há segurança nem responsabilidade”.

A companhia ferroviária abandona uma passageira a quem foi roubada uma bagagem no valor de 800 euros.

Ana Carrasco González

Duas pessoas com as suas malas à espera de um comboio Renfe na estação / Eduardo Parra - EP

Quando Raquel Navarro e o seu parceiro abordaram o comboio das 5.25 horas em Barcelona no sábado 9 de novembro, levavam consigo o fardo próprio de quem viaja com demasiados pertences e um cão numa transportadora. No vagão, s condições apertadas fez que as malas grandes fossem parar ao compartimento de bagagem ao fundo do vagão, enquanto mochilas e casavos se amontonaron aos pés de cada um.

O destino era uma semana em Madrid para visitar a família do seu noivo antes de voar juntos a 27 de novembro para o Japão. "Mas, ao chegar a Atocha, o meu companheiro disse-me que a minha bagagem tinha desaparecido. Ao princípio, pensei que ele se tinha confundido, mas era verdade. Não havia rasto dela”, conta Navarro. A mala, grande e escura, foi identificada com uma etiqueta azul clara com as suas iniciais em dourado. Estava na zona das bagagens, ao lado da outra mala que permaneceu intacta. 

Um sistema sem respostas

Alarmada, a jovem procurou ajuda na plataforma e localizou uma empregada da Renfe. "Expliquei-lhe que a minha mala não estava e que seguramente ma tinham roubado, mas parecia não dar crédito. Perguntou-me se estava segura e pediu-me que revisasse o comboio, como se alguém a tivesse movido por erro", recorda.

Um comboio da Renfe / EP - RENFE

Com resignação, percorreu todos os vagões à procura da mala perdida. "Era uma premisa ridícula, mas enquanto eu perdia o tempo, o ladrão já devia estar fora da estação", diz Navarro. Ao regressar, a resposta da Renfe foi fria formal: tinha de se dirigir ao gabinete de perdidos e achados.

A indiferença da Renfe

Navarro tentou argumentar. “Disse-lhes que não se tratava de um objeto perdido, que a minha mala tinha sido roubada, mas eles insistiram para que eu fosse ao gabinete de perdidos e achados”. Uma vez lá, porém, o passageiro deparou-se com mais indiferença. “O homem que me atendeu nem sequer anotou os meus dados. Deu-me um código QR para registar a mala numa aplicação e sugeriu-me que fosse à polícia. Senti-me completamente desamparada”, lamenta.

A afectada foi então à esquadra de polícia na mesma estação, mas encontrou-se com outro obstáculo. "Disseram-me que não aceitam denúncias ao fim de semana, que tinha que esperar pela segunda-feira ou ir a outra esquadra. Mesmo assim, o agente apontou alguns dados, como o número de comboio e o vagão, mas parecia mais um processo para fechar o expediente que uma tentativa real de procurar a minha mala", enfatiza.

Renfe não tem nenhuma segurança

“Eles têm câmaras nas plataformas. Se quisessem, podiam ter analisado as imagens para identificar quem levou a minha mala. Mas ninguém tem intenção de fazer nada. Fizeram-me perder tempo, quando eu podia ter corrido atrás da pessoa que me roubou a mala”, reflecte Navarro. “Além disso, na esquadra disseram-me que há pessoas que entram sorrateiramente na estação quando o comboio chega, levam uma mala e vão-se embora. Por outras palavras, a Renfe não tem segurança nas plataformas de chegada. Nesse momento, não se preocupam com quem entra ou sai”, sublinha. 

A mala, que custou 190 euros, continha roupa, artigos de higiene e maquilhagem, um valor total de mais de 800 euros. "Era uma mala grande, da American Tourister, com uma etiqueta azul clarito com os meus iniciais. Não havia forma de que alguém se confundisse. Se apanharam-na, foi de propósito", afirma Navarro. "A Renfe não permite que viagens junto com a tua mala, não há nenhuma medida de segurança, ainda por cima não se responsabilizam por nada. Como é que nos podem ignorar assim?", questiona.

É responsabilidade da Renfe?

Segundo Iván Rodríguez, advogado do escritório Abogado em Cádiz, casos como o de Navarro evidencian um vazio na responsabilidade das empresas ferroviárias. "O espaço destinado à bagagem nos comboios é reduzido e não conta com nenhuma vigilância. Ainda que a Renfe não actua como depositaria da bagagem —ao contrário do que ocorre nos aviões—, isto não exime a empresa de tomar medidas para garantir a sua segurança", explica.

O advogado detalha duas vias para reclamar. "A primeira seria através de consumo, apresentando uma queixa na OMIC (Escritório Municipal de Informação ao Consumidor) mais próxima ao domicílio do afectado. Se isto não resulta, pode-se ir à via civil para reclamar indemnização por danos e prejuízos. Em qualquer caso, o importante é que a utilizadora registe uma denúncia policial, já que o furto (diferente ao roubo, que implica violência) é um delito", aclara.

O único recurso: denunciar

Por sua vez, Jesús P. López Pelaz, diretor do escritório Abogado Amigo, sublinha que, legalmente, a Renfe tem poucas obrigações com respeito à bagagem não registada. "Nos comboios, o transportador não é depositario da bagagem. Por isso, as recomendações sempre incluem vigia os  teus pertences. O único recurso eficaz que fica ao utilizadores é denunciar o roubo junto da polícia e rever as coberturas dos seus seguros, como o de lar ou o sócio aos cartões bancários com as quais se tenha pago o bilhete", destaca.

Passageiros junto às máquinas de venda de bilhetes da Renfe na estação / Joaquín Sorolla de Valencia - EP

Aquela mesma tarde de sábado, a jovem foi a uma esquadra apresentar uma denúncia. "Passaram dias e ainda ninguém se pôs em contacto comigo. Perdi a minha mala, perdi a minha roupa, e sinto-me totalmente abandonada. A Renfe deveria ter protocolos mais claros, mais segurança. Viajar no AVE deveria ser seguro, não uma lotaria", exige.

A resposta da Renfe

Consumidor Global pôs-se em contacto com a Renfe para conhecer o seu procedimento em casos como o exposto. "Se este tipo de incidente ocorrer, recomendamos que informe imediatamente o inspetor a bordo do comboio ou que se dirija ao centro de serviço da Renfe na estação mais próxima para comunicar o sucedido. Além disso, é essencial apresentar uma queixa formal às autoridades competentes, como a polícia”, diz um porta-voz.

Quanto às medidas de segurança, a responsabilidade desvia-se para Adif, o gestor de infra-estruturas ferroviárias. "No sector ferroviário como em outros meios de transporte trabalha-se em coordenação com as forças e corpos de segurança do Estado para reforçar a vigilância e atuar rapidamente face a qualquer incidente", declaram da Renfe a este meio. No entanto, depoimentos como o de Navarro parecem contradizer esta intenção de acção rápida. A ausência de protocolos claros e a falta de compromisso com a segurança deixaram os utilizadores num limbo legal e emocional.

A lei e os direitos do viajante

Por último, ainda que a Renfe assegura que não é responsável pela bagagem em espaços comuns, convém destacar que o Centro Europeu do Consumidor estabelece direitos claros para os viajantes em casos de perda ou dano. Segundo este regulamento:

  • Bagagem de mão: O transportador é responsável por extravio ou dano, com um limite de indemnização de até 1.500 euros.
  • Bagagem regisatda: Em caso de perda total ou parcial, indemniza-se segundo o peso da bagagem, com um máximo de 80 unidades de conta por quilograma ou 1200 unidades de conta por mala.
  • Prazo de anulação: A bagagem pode ser considerada perdida se não for entregue no prazo de 14 dias após o pedido.