Enterprise exige 2.300€ a uma cliente por uma "falha mecânica" que disse que não era responsável

A empresa, que já foi obrigada a reembolsar o montante pedido a um cliente que acusou de danificar um automóvel sem qualquer prova, contradiz-se e apresenta um relatório com lacunas.

Um cliente desesperado com a Enterprise / CG PHOTOMONTAGE
Um cliente desesperado com a Enterprise / CG PHOTOMONTAGE

Alugar um carro é uma experiência arriscada. Não porque os consumidores ponham em causa a sua segurança, mas pela estabilidade das suas carteiras: como este jornal já sublinhou em numerosas ocasiões, é incessante o número de clientes que denunciam encargos inesperados, surpresas desagradáveis ou alegadas más práticas de empresas como a Hertz, a Enterprise ou a Avis.

"Acontece um pouco como ocorre com as companhias aéreas e a bagagem. O processo de reclamação é complicado para o cliente e muitas vezes não compensa. As companhias de rent a car têm muito a ganhar e pouco a perder", resumia em 2023 a este médio Vale Bascón, advogada especializada no direito do consumidor do escritório Sin Comisiones.

Aumento de incidências e fraudes

Javier Risueño, advogado no escritório AMG Legal, vai mais longe e alertava que no sector, "em temporadas altas, com tanta procura, aumentam muito as incidências e as fraudes".

Una persona entrega a otra las llaves de un coche / FREEPIK
Uma pessoa entrega a outra as chaves de um carro / FREEPIK

Isso é o que ocorreu a M. Miranda, uma consumidora que no passado verão alugou a Enterprise um carro com o qual pretendia desfrutar das suas férias, mas a experiência virou um pesadelo. Realizou o aluguer do veículo pela internet (contratou a máxima protecção prevista, se acontecia algo), e a 21 de agosto apresentou-se em León, onde o devia recolher.

Atraso e mudança de carro

Os acontecimentos desviaram-se do curso esperado desde o princípio. Não por uma questão de sorte, mas sim de eficiência: oos trabalhadores da agência da Enterprise em Leon atrasaram duas horas a entrega do veículo (uma demora pela qual não recebeu nenhum tipo de compensação) e finalmente Miranda resignou-se a escolher um Opel Astra, veículo que não tinha reservado, mas que resultou ser o mais similar dos que lhe ofereceram. Teve, conta a este meio, propostas bem mais dispares.

Esta consumidora foi de carro até à Corunha, onde a certa altura se apercebeu, alarmada, que não conseguia mudar de velocidade. Aconteceu nos arredores da cidade galega: a embraiagem parecia estar obstruída, bloqueada.

Una persona cambia de marcha / FREEPIK
Uma pessoa muda de velocidade / FREEPIK

Assistência em estrada

Parou o carro e tentou arrancar várias vezes, sem sucesso. Quando se convenceu de que o problema era muito sério, e com uma enorme intranquilidade, viu-se obrigada a chamar a assistência em estrada. "Por muito mau que tenha sido, aconteceu numa zona da Corunha com uma visibilidade relativamente boa, onde o carro não estava muito atrapalhado. Quero dizer, não estava atrás de uma curva nem nada do género. Caso contrário, não sei se poderia ter havido um desastre”, diz.

A assistência rodoviária disse-lhe que enviaria um reboque. À chegada, o condutor do reboque tentou pôr o carro a trabalhar para o levantar para o reboque e transportá-lo para a oficina estabelecida, mas também não o conseguiu fazer, pelo que utilizou os carris para o transportar.

Cancelamento do contrato

Miranda demorou alguns minutos e, depois disso, ainda sem conseguir deixar para trás o sentimento de nervosismo e impotência, dirigiu-se a pé ao escritório da Enterprise na Corunha para comunicar a situação. Telefonou também para o escritório de León para pedir a anulação do contrato.

Oficina de Enterprise EP ENTERPRISE RENT A CAR
Escritório da Enterprise / EP ENTERPRISE RENT A CAR

Não tinha carro, de modo que, uma vez na cidade galega, quando suas férias já pareciam amarguradas, teve que cancelar as escapadelas que tinha previsto a diferentes cidades da costa atlántica. Dias mais tarde, o pessoal do escritório de León pôs-se em contacto com ela através do WhatsApp para lhe informar de que procederiam a devolver-lhe o depósito e o preço pago pelos dias que não pôde fazer uso do carro.

"Uma falha mecânica que não vos corresponde"

"Fiquei contente. Aliviada, quiçá, mais contente", reconhece. Ademais, o trabalhador da Enterprise León, através de uma mensagem de áudio, assegurou-lhe que não se devia preocupar, já que o incidente se devia a uma falha mecânica do veículo do que ela não era responsável.

A Consumidor Global pode escutar o dito áudio, no qual se diz literalmente: "O contrato está fechado e o que te comentei, isto é uma falha mecânica que não vos corresponde a vocês, de modo que não tendes que vos preocupar".

Una mujer conduce / FREEPIK
Uma mulher conduz / FREEPIK

Reclamação de danos

Não obstante, quando o drama do carro já se estava a converter numa má lembrança, a Enterprise enviou à afectada uma notificação informando sobre uma reclamação de danos por um total de 2.338 euros. A empresa acusava-a de ter feito um mau uso da embraiagem. Este desconcertante mensagem, que contradizia as garantias que lhe tinha dado o trabalhador da empresa, chegou a 7 de novembro.

No entanto, Miranda tem a sensação de que o argumento apresentado pela Enterprise para a obrigar a pagar “tem todos os defeitos”. Em primeiro lugar, porque a empresa baseia a sua argumentação num relatório de peritagem que contém erros: o perito reconhece ter sido informado de que “o veículo entrou na oficina pelos seus próprios meios”, o que não aconteceu.

Análise de fotografias

Além disso, o relatório de peritagem reconhece que as conclusões se basearam exclusivamente na análise das fotografias partilhadas pela oficina que recebeu o veículo, uma vez que a oficina não localizou as peças danificadas quando a equipa de peritos as solicitou. “Que garantias é que isto oferece?”, pergunta a vítima.

Una persona revisa un coche / FREEPIK
Uma pessoa revê um carro / FREEPIK

"O relatório técnico indica que o veículo devia ser submetido a manutenção periódica a cada 20.000 quilómetros. O veículo tinha percorrido 19.842 quilómetros no momento em que terminou a minha condução", argumenta Miranda, sublinhando que lhe deram um carro que ainda não tinha sido devidamente "revisto e confirmado".

Casos similares

No final deste relatório, Miranda ainda não pagou o dinheiro que a Enterprise lhe está a exigir e garante que, se necessário, irá a tribunal. “Deram-me um carro atrasado que eu não tinha reservado e que provavelmente não estava como devia estar, e agora acusam-me de ter partido uma embraiagem depois de confirmarem que havia uma falha mecânica”, afirma.

O seu caso é semelhante ao de um condutor de Sevilha em 2019. A Enterprise culpou-o de uma avaria na embraiagem, sem ter provas fiáveis disso, e emitiu-lhe uma fatura com o custo da reparação mais de quatro meses depois. Esta vítima recorreu à Facua, e a organização conseguiu que a Enterprise lhe reembolsasse os 1.125 euros reclamados.

Acusações sem provas

A FACUA invocou a Lei Geral de Defesa dos Consumidores e Utilizadores, que estabelece como cláusula abusiva, entre outras, “a fixação de uma indemnização que não corresponde ao dano efetivamente causado”. Além disso, em junho de 2024, a Facua CV conseguiu que a Enterprise reembolsasse 950 euros a um utilizador que acusou, sem provas, de ter danificado uma carrinha de aluguer.

Sede de Enterprise en Madrid / EP
Sede da Enterprise em Madrid / EP

A Consumidor Global cobriu o caso, e recolheu que a Facua citou uma sentença do Tribunal Supremo (3309/2007) na qual se reafirma que é responsabilidade das empresas de aluguer proporcionar provas contundentes para justificar qualquer imposição de cobranças por danos.

Este meio contactou (com enormes dificuldades) com a empresa para perguntar se parece-lhes um procedimento ético, mas, até ao termo desta reportagem, não obteve resposta.