Os vinhos de pagamento são autênticas jóias que brilham com um fulgor especial no saturado mundo do vinho, que em Espanha é de uma abundância que pode resultar avasalladora. São pequenos tesouros, mais ou menos escondidos, repartidos por toda a geografia espanhola. Só há 24. E, se a exclusividad não sempre é sinônimo de qualidade, sim o é num contexto no que acima de tudo manda a terra e daí saibam fazer com ela os viticultores.
Em Consumidor Global temos falado com Antonio Merino, enólogo de Pagamento Casa do Blanco, um pagamento de Manzanares (Cidade Real) onde se trabalha com 4 variedades brancas e 8 variedades tintas. "Não pensávamos que nossos vinhos fossem melhores ou piores que os de nosso meio, mas sim que eram singulares e em isso nos virámos desde que em junho de 2009 apresentamos nossa solicitação para ser Pagamento: em demonstrar essa exclusividade ou personalidade que nos fazia diferentes e que isto fosse recolhido pelas autoridades", explicam em sua página site.
–Pergunta: Que são os vinhos de pagamento?
–Resposta: Um vinho de pagamento vem a reconhecer a exclusividade de um determinado vinho. Um pagamento vitícola é um enclave geográfico (não falamos de grandes regiões, sina que normalmente costumam ser fincas pequenas e muito delimitadas) onde a combinação do solo e o clima, o que nós gostamos de chamar o terruño, unida à elaboração que fazemos em adega, dá lugar a um produto singular, diferente, com personalidade própria.
–E assim o reconhece a administração?
–O que faz a administração é reconhecer essa diferenciação ou esse carácter com a criação de uma nova denominação de origem para uma sozinha adega. Normalmente, este tipo de vinhos são vinhos de qualidade, com uns protocolos de viticultura que procuram a excelência.
–Isto é, que se põe o acento na exclusividade.
–Sim. Em Espanha há umas 4.000 adegas, e o fim que temos todos os produtores é trabalhar em projectos que resultem surpreendentes e fugir da estandardização. Uma fórmula é ter uma figura de qualidade que vem a reconhecer essa diferenciação que achas que tens.
–Acha que os vinhos de pagamento têm o reconhecimento que merecem?
–A maioria da gente não o conhece, quiçá porque se trata de uma figura de qualidade restritiva e pelo reduzido número de adegas que fazem parte. No mundo do vinho fazem-se encuestas de quando em quando, que nos dizem que, se se lhe diz a qualquer viandante da rua 'me diga três uvas ou três variedades da região na que vive', a maioria não sabe tas dizer. Imagina-te se perguntam que é um vinho de pagamento. É para a gente que está mais metida no sector.
–Neste ano, os dados em Espanha refletem verdadeiro incremento no consumo de vinho, apesar de que a tendência dos últimos anos é claramente descendente.
–Assim é. Pode-se falar de um ano de estabilização, mas, lamentavelmente, quando um apanha uma forquilha um pouco mais ampla, comprova que a tendência geral é descendente. Bebe-se menos, ainda que tenha gente que se interesse por ir a cursos, provas ou oficinas de maridaje… Mas a queda é um facto. E acho que ao final, em certa medida, a responsabilidade temo-la os produtores.
–Por que?
–Porque durante muitos anos temos tentado endiosar o mundo do vinho, fazê-lo excessivamente complexo, quando eu considero que há que o fazer fácil, atractivo ou ameno para o consumidor. E isto tem provocado que um produto do que muitas vezes se fala como um alimento e que fazia parte de nossa dieta, se tenha deixado só para as ocasiões especiais, os restaurantes ou os eventos.
–Há mais factores que expliquem o menor consumo?
–Também há outros factores que explicam a queda do consumo, por suposto, como a preocupação cada vez maior pela saúde. Ao final, o consumo vai-se reduzindo e temos que ser capazes de criar um produto que seja atraente, sobretudo para as novas gerações. O consumidor que começa a interessar pelo mundo do vinho o faz com 30 ou 35 anos, e nos estamos a perder uma grande percentagem.
–Na página site de Casa de Blanco faz-se uma referência às concentrações de íones de litio em seu vinho Quixote. Acrescentavam que o litio é o principal ativo utilizado em medicina como antidepresivo. Seu solo é mais proclive a gerar felicidade que os de seu meio?
–(Ri) Tem que ver com o terruño do que falávamos ao princípio, que é o que marca a variedade. É o que faz que um cabernet sauvignon, sendo a mesma espécie, não tenha nada que ver se se planta em Castilla-A Mancha, em Tarragona ou em Napa Valley. Nós, fazendo uma análise, nos demos conta de que nossa zona é rica em basalto. Isto se explica por um passado vulcânico, e um dos componentes do basalto é o litio.
–Até que ponto é significativa essa exclusividade da terra?
–As quantidades são muito pequenas, nem muito menos falamos de um efeito medicinal, mas, ainda sendo pequenas, estão até 10 vezes acima do que se considera um valor normal de litio. E a maioria dos chamados moduladores do comportamento, isto é, os antidepresivos, têm o litio como componente principal. Eu sou farmacêutico de formação, e sensorialmente, ou através de uma prova, um pode identificar notas, aromas… Mas uma prova não deixa de ser a opinião de um experiente ou de um catador, e quiçá possa estar influenciada ou mediatizada por nosso próprio interesse.
–Que tem que ter um bom enólogo para ser tal?
–Digamos que o enólogo tem duas vertentes: uma é a puramente científica ou técnica (quiçá a que mais desenvolvemos em adega) e outra é uma parte comercial e de comunicação, que tem que ver com explicar o produto e o fazer atraente. Às vezes, num enólogo, as duas coisas não vão unidas: podes ser tecnicamente um figura e não ser bom comunicador.
–E qual é a chave para conseguir isso?
–Há que ser capaz de interpretar a matéria prima, conseguir o melhor grão de fruta para depois o ter fácil em adega e identificar como o trabalhar com o coupage, com as montagens, essa soma de partes. Mas é fundamental fazer que o produto não seja difícil. Quando vamos a um restaurante, nos vamos passando a carta de vinhos de uns a outros porque ninguém quer assumir a responsabilidade de eleger. E deveria ser ao revés: deveríamos brigar-nos por eleger o vinho. Todo mundo quer que se peça o arroz ou o torrezno que a ele lhe apetece, e com o vinho deveria ser igual. Mas por medo a incomodá-la, a errar ou a que pareça que não sabes muito, o deixamos a um lado. De modo que o enólogo tem que saber o fazer atraente e até divertido. Creio ademais que, neste sentido, a cerveja nos leva uma delantera terrível.
–Que opina da tendência dos chamados vinhos naturais, que foi uma moda que colou muito forte nas grandes cidades? Pergunto-lho porque a FEV explicou a este meio que falar de natural é problemático, já que pode sugerir uns conceitos de sustentabilidade que não sempre são tais.
–Neste sector, se queres-te cingir ao regulamento, há que cuidar tudo: os tamanhos de letra, o que se pode pôr e o que não… Mas não todo mundo funciona da mesma forma. E quando há um nicho que se põe de moda, ainda há mais gente que se quer subir à carroça. A mim me dá igual como se chame o vinho, eu o que quero é que goste, que me satisfaça e seja de de qualidade. Se o facto de que seja natural implica que muitas garrafas se tenham tido que eliminar pelo heterogéneas que saem ou porque o não usar fitossanitários implica que sai boa 1 em cada 10, pois não me resulta interessante. Não me vou tomar um mau vinho porque seja natural.
–A qualidade por adiante da metodologia de cultivo?
–Se o vinho é de qualidade ainda por cima não se utilizaram determinados elementos químicos tanto na viticultura como na enología, pois genial, todo a soma. Geralmente, quando se dão bons resultados, se dão porque detrás há pessoas viradas com seu trabalho. Às vezes fala-se de vinhos biodinámicos ou de tratamentos e práticas estranhas, trasiegos segundo as fases lunares e coisas assim, mas o que realmente importa é o bom fazer.
–Que dizer-lhe-ia ou aconselharia ao consumidor medeio de vinho que tende a apostar pelos grandes nomes e quiçá se sente algo intimidado ante outras propostas?
–Que nunca em Espanha se fizeram tão bons vinhos e tão baratos. A concorrência tem feito que todos tenhamos que sair com a faca entre os dentes a vender nosso produto, e hoje não nos podemos permitir a falha de ter um produto mau. De modo que dizer-lhe-ia que vá a uma vinoteca ou a uma loja especializada e poderá provar vinhos de 54 Indicações Geográficas Protegidas, 69 DO… Há tantas opções que nunca te cansas. Que se desfrute do vinho com moderación, em companhia se podem e que se deixem atrapar por este mundo.
–Diga-me um filme ou um livro que recomendaria.
–Nesta linha de tentar fazer atractivo o mundo dos vinhos, há um divulgador e, digamos, influencer, que gosto de muito: Santi Rivas. Tem escrito dois livros. O primeiro é Deixa todo ou deixa o vinho e o segundo é Vinhos gentrificados. São uma forma de acercar a este mundo de forma desenfadada, amena e chamando às coisas por seu nome.