A lei da selva cumpre-se também na sociedade; onde há vulnerabilidade, surgem os predadores. O que no início se apresenta como uma solução simples para obter dinheiro rápido, pode converter-se num problema financeiro a longo prazo. É que os minicréditos continuam a ser um dos produtos mais caros do mercado financeiro.
Gabriel Rodríguez Lorenzo e Miguel Otero Vaccarello, cofundadores de SinComisiones, analisam nesta entrevista o verdadeiro impacto dos minicréditos, desde os seus elevados custos até as cláusulas abusivas que podem derivar em sobre-endividamento. Ambos explicam como identificar práticas abusivas, que alternativas existem e daí direitos assistem aos consumidores em caso de condições abusivas. Uma conversa chave para compreender os perigos do financiamento rápido e como evitar as suas consequências.
--O que é um minicrédito e para que situações se costuma usar?
--Um minicrédito é um empréstimo de pequena quantidade que se obtém rápido e com poucos requisitos. Costumam ir de 50 a 1.000 euros, com prazos de devolução curtos, geralmente entre 7 e 30 dias. Usam-se sobretudo para sair de apuros, como uma emergência médica, uma reparação inesperada ou simplesmente para chegar a fim de mês. Ainda que pareçam uma solução fácil e rápida, é importante ter claro o custo real e as possíveis consequências antes de pedir um.
--Porque é que as pessoas as pedem sem pensar muito nas consequências?
--Porque costumam usar-se quando a pessoa não tem tempo para comparar opções e precisa o dinheiro de imediato. Ademais, o processo para obtê-los é muito rápido e fácil, sem documentação nem análise de solvencia estritos. E, se isso fosse pouco, a publicidade agressiva e a facilidade de acesso fazem com que muitos não revejam bem as condições antes dos pedir. Por isso, durante a pandemia, estes minicréditos tiveram um boom, mas muitas pessoas ainda continuam a pagar essas dívidas, porque os juros eram altísimos e abusivos.
--Quais são os principais riscos de pedir um minicrédito?
--Os minicréditos vêm com vários riscos. O principal é o custo altísimo em juros e comissões.
--Gera-se uma dívida…
--Exato. Estão desenhados para prender num círculo de dívidas; alguém pede 500 euros e, se não paga a tempo, acaba a dever milhares. Ademais, atrasar nos pagamentos significa entrar em listas de devedores, o que pode complicar o acesso a futuros créditos ou serviços financeiros. E se a dívida continua sem pagar-se, a entidade pode levar o caso a julgamento ou, em muitos casos, recorrer a práticas de assédio para cobrar.
--Quanto dinheiro pode acabar por pagar por um pequeno mini-empréstimo?
--Dependendo da entidade e as condições, o custo de um minicrédito pode ser uma loucura. Por exemplo, se pedes 300 euros a devolver em 30 dias com uma TAE de 1.000%, só em juros pagarias 250 euros no primeiro mês, quase duplicando o que pediste. E isso no melhor dos casos, se consegues pagar a tempo.
--E se não se consegue?
--Caso contrário, a dívida continua a crescer com comissões de mora igualmente abusivas, transformando o que começou por ser um pequeno alívio num enorme problema.
--Quais são as principais empresas que os oferecem em Espanha e daí condições costumam pôr?
--Em Espanha há muitas empresas que oferecem minicréditos. Algumas das mais conhecidas são Vivus, Moneyman, Creditea, Prestamer, Wandoo ou Cofidis, por mencionar só algumas.
--Quais são as taxas de juros habituais nestes produtos? São realmente legais algumas delas?
--As TAE nestes minicréditos podem ultrapasar os 1.000%, o que significa que, se não se paga a tempo, a dívida dispara. Temos visto casos no nosso escritório de clientes com empréstimos a 2.000% ou inclusive a 3.000%, uma autêntica barbaridade.
--Como é possível que algumas entidades cobrem juros de 1.000% TAE ou mais?
--Para começar, não jogam limpo. Aproveitam-se da urgência dos clientes e da falta de regulação em alguns casos. Ademais, disfarçam os custos dividindo-os em comissões e outras cobranças ocultas, para que o cliente não veja primeiramente o verdadeiro peso da dívida.
--Isso é legal?
--Quando estes clientes se queixaram, os tribunais decidiram a seu favor, declarando estes juros como usurários. Em Espanha, embora não exista um limite máximo de TAEG fixado por lei para todos os empréstimos, existe a Lei da Usura (Ley Azcárate), que estabelece que um empréstimo pode ser considerado usurário se as taxas de juro forem exageradamente elevadas em relação ao normal.
--Anularam-se créditos com juros abusivos?
--Sim, há muito que os tribunais têm vindo a anular créditos com taxas de juro desproporcionadas, nomeadamente nos minicréditos e nos cartões rotativos, criando uma jurisprudência cada vez mais clara sobre esta matéria.
--Quais são as armadilhas mais comuns nos mini-empréstimos que levam as pessoas a contrair dívidas?
--Estes mini-empréstimos estão cheios de armadilhas. A primeira é, ironicamente, a sua maior vantagem: a rapidez. Como são concedidos numa questão de minutos, muitas vezes são aprovados antes de o cliente receber o contrato. E quando ele finalmente o lê, já o assinou e está preso a uma dívida. Jogam com a urgência e o desespero das pessoas. Mas a verdadeira burla reside nas taxas de juro elevadíssimas, nas renovações automáticas, nas penalizações abusivas por falta de pagamento e na publicidade enganosa que esconde o custo real do empréstimo.
--Que práticas abusivas detectou nas empresas que oferecem estes empréstimos?
--Temos ajudado mais de 5.000 clientes a reclamar, e encontrámos-nos com todo o tipo de cláusulas abusivas. As mais comuns são as que escondem custos extras e fazem com que a dívida cresça sem controle, o assédio telefónico constante e a venda da dívida a terceiros sem avisar o cliente.
--Como é que a contração de um mini-empréstimo afecta a saúde financeira de uma pessoa a médio e longo prazo?
--Pedir um mini-empréstimo pode tornar-se uma armadilha. Não só o endivida e arruína o seu historial de crédito, dificultando o acesso a outros empréstimos, como também afecta o seu bem-estar. O stress de não poder pagar gera ansiedade, desespero e até depressão. Muitas pessoas sentem-se encurraladas e isso pode levar a discussões familiares e afetar todo o seu ambiente. Não se trata apenas de um problema financeiro, é também um golpe emocional.
--Se uma pessoa não tem outra opção que pedir um minicrédito, que conselhos dar-lhe-ias para minimizar os riscos?
--Para reduzir os riscos, a primeira coisa a fazer é comparar várias opções e escolher a menos má. Antes de assinar qualquer empréstimo, leia atentamente o contrato, incluindo as letras pequenas. Observe atentamente o plano de reembolso. Este deve ser claro, sem falhas ou pontos confusos. E, acima de tudo, evite empréstimos com renovações automáticas, porque é aí que muitas pessoas acabam por ficar presas numa dívida interminável.
--Existem alternativas viáveis para que precisa de dinheiro urgente mas não quer cair na armadilha dos minicréditos?
--Como alternativas, podes pedir ajuda a familiares ou amigos, consultar opções de crédito em bancos ou, se a situação é realmente complicada, procurar programas de assistência social que te possam dar uma mão.
--Os bancos tradicionais oferecem opções mais seguras nestes casos?
--Sim, ainda que os bancos têm requisitos mais estritos e o processo é mais lento. Mas essa demora faz sentido, é porque são opções mais seguras. Os créditos preconcedidos e os cartões de crédito, bem geridas, podem ser alternativas mais saudáveis para tuas finanças.
--Que tipo de ajuda legal ofereceis a quem têm caído nestas dívidas abusivas?
--No nosso escritório de advogados, ajudamo-lo a reclamar juros abusivos e usura. O que nos distingue é o nosso acompanhamento constante. Mantemos os nossos clientes informados em todas as fases do processo, com informações claras, honestas e diretas.
--Conseguiu anular ou reduzir as dívidas dos clientes afectados por mini-créditos? Pode contar-nos um caso real?
--Sim, atualmente conseguimos que mais de 1.000 casos fossem anulados pelos tribunais por serem considerados usurários. Um exemplo claro é o de um cliente de San Cristóbal de la Laguna, que tinha pedido 7 empréstimos abusivos. O tribunal declarou os contratos nulos por usura, alegando que as taxas de juro (entre 2 000 % e 3 000 %) eram desproporcionadas em relação aos padrões do mercado. Noutro caso, um cliente de Navarra conseguiu a anulação de 33 empréstimos rápidos com a Moneyman por usura. E com um cliente de Santiago de Compostela, conseguimos que o tribunal declarasse a nulidade de 7 microcréditos solicitados à Vivus pelas mesmas razões.
--Como pode um utilizador identificar cláusulas abusivas no contrato de um minicrédito?
--Para detetar cláusulas abusivas, procure taxas de juro desproporcionadas, encargos de mora excessivos ou falta de transparência nas comissões. Em caso de dúvida, os nossos advogados estão prontos para o ajudar e analisar o seu caso.
--Que sinais de alerta devem levar alguém a pensar duas vezes antes de contrair um mini-empréstimo?
--Alguns sinais são a rapidez, o facto de o mutuante ter pressa em conceder o empréstimo, não pedir muitos documentos para provar a solvabilidade, oferecer-se para conceder o empréstimo sem enviar previamente o contrato, apressar o cliente a assinar.
--Como pode uma pessoa que já tem várias dívidas de minicréditos começar a sair do problema?
--O primeiro passo é procurar ajuda jurídica, para que os profissionais possam analisar o seu caso em pormenor e oferecer-lhe a melhor alternativa. Nem todos os casos são iguais, pois o sucesso da reclamação dependerá de muitos factores. Em geral, quando as taxas de juros são abusivas, os tribunais decidem a favor da parte lesada e os contratos costumam ser anulados, mesmo que tenham sido assinados há vários anos.
--Da SinComisiones, recomenda-se evitar a todo o custo os mini-créditos.
–Na SinComisiones, queremos ser o comparador mais honesto do mercado, e os mini-empréstimos são o oposto disso. São uma solução cara e arriscada para problemas de tesouraria, e muitas vezes acabam por prender as pessoas num ciclo de endividamento difícil de sair. Mas se caiu num destes empréstimos com cláusulas abusivas, ainda há esperança. Ainda pode reclamar, e a justiça está a decidir a favor dos afectados, porque é evidente que estes contratos estão cheios de abusos e as suas taxas de juro são pura usura.