Porque é que o euro digital insistido por Bruxelas não convence os consumidores
O controlo “excessivo” que as instituições teriam sobre as despesas e a insegurança potencial de fraude levantam suspeitas.

Num contexto global marcado pela crescente fragmentação e a incerteza (e atravessado pelos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente), o Banco Central Europeu indicou que se deve acelerar o desenvolvimento do euro digital. De facto, a presidenta do BCE, Christine Lagarde, afirmou que se trata de "uma prioridade estratégica" para reforçar a autonomia europeia.
Hoje, o BCE está a estudar juntamente com os bancos centrais nacionais da zona euro a possibilidade de emitir um euro digital, mas parece que a decisão já está tomada. "Seria uma moeda digital do banco central: um equivalente eletrónico ao efetivo. Ofereceria uma opção adicional para realizar pagamentos que complementaria as notas e as moedas", explica-se na página do BCE, que utiliza o condicional.
Carteira eletrónica
A ideia é que o euro digital seja armazenado numa espécie de carteira eletrónica criada por cada banco ou por um intermediário público, permitindo aos utilizadores efetuar todos os pagamentos electrónicos do dia a dia - tanto em lojas físicas como electrónicas - com os seus telefones ou cartões, com ou sem ligação à Internet.

"A sua conceção proporcionaria um nível de privacidade mais elevado do que o geralmente oferecido por outros métodos de pagamento digital. O Eurosistema não identificaria as pessoas através dos seus pagamentos. Além disso, apenas o pagador e o beneficiário conheceriam os dados pessoais dos pagamentos efectuados fora de linha com euros digitais", afirma o BCE, que está ciente de que este ponto levanta muitas suspeitas.
O dinheiro não desapareceria
Além disso, seria um complemento do numerário e não um seu substituto. "O euro digital existiria em paralelo com o numerário, em resposta à preferência crescente dos consumidores pelo pagamento digital, rápido e seguro. O numerário continuaria a estar disponível na zona euro, tal como outros meios de pagamento electrónicos privados atualmente utilizados", afirma a instituição de Lagarde.
Na opinião da economista francesa, conquanto no momento os riscos para a estabilidade financeira da eurozona derivados dos criptoactivos parecem limitados, o rápido ritmo dos desenvolvimentos, somado à falta de dados que podem criar pontos cegos, requer uma vigilância mais estreita.

Correcções bruscas de preços
“À medida que as participações e avaliações de criptoassets aumentam, o risco para os investidores de correções bruscas de preços aumenta e pode reverberar em todo o sistema financeiro”, alertou.
Por outro lado, a Presidente do BCE salientou que, atualmente, 99% das moedas estáveis são denominadas em dólares, sendo emitidas a título privado, e apresentam riscos consideráveis para a política monetária e a estabilidade financeira. Esta abordagem, segundo ela, pode dar origem a novos riscos e vulnerabilidades sistémicas.
"Salvaguardar o sistema financeiro e monetário"
Assim, a presidenta do BCEdefendeu que o euro digital, para além de fazer face a alguns dos riscos colocados pelas moedas estáveis, “ajudaria a salvaguardar o sistema financeiro e monetário europeu baseado em bancos”, uma vez que não só reforçaria a autonomia estratégica da Europa, como também asseguraria um sistema europeu de pagamentos de retalho inovador e resiliente.

Não obstante, o euro digital não convence os consumidores espanhóis. Assim o refletiu no passado mês de março a Associação Espanhola de Consumidores, que realizou uma pesquisa entre 3.000 cidadãos que evidenciou que 70% eram contra a sua introdução.
Excessivo controle
Entre os motivos alegados para justificar a rejeição figuram o excessivo controle sobre a despesa que teriam as instituições (54%), a insegurança ante fraudes (30%) ou os problemas tecnológicos para o seu uso (15%).
Nesta linha, um estudo do Banco de Espanha revelou que só 22% dos espanhóis usaria o euro digital como meio de pagamento complementar aos meios de pagamento existentes na actualidade. Esta percentagem chega a 40% no caso dos espanhóis com uma idade compreendida entre os 18 e os 24 anos, enquanto desce a 11% entre os maiores de 65 anos.