Giro de 180 graus: a desconhecida série que triunfa em Espanha e tem só duas temporadas
Uma série adictiva cujo argumento e trama não decepciona e rende homenagem à fama que tem adquirido entre seus espectadores de todo mundo que já a qualificam de " a melhor série da história"

Três anos tinham passado desde que Severance —conhecida em Espanha como Separação— irrompesse no panorama televisivo com a força silenciosa de um clássico instantâneo. Conceituada por muitos como uma das jóias do 2022, a série voltou o passado janeiro com uma segunda temporada que continua despregando sua inquietante universo de corredores sem janelas, memórias partidas e escritórios que parecem saídas de um sonho kafkiano.
Criada por Dão Erickson e dirigida, em sua maioria, por um surpreendente Ben Stiller —que aqui confirma seu virtuosismo por trás das câmaras— Severance tem sabido se ganhar um espaço privilegiado no catálogo de Apple TV+, ainda que durante muito tempo foi um tesouro oculto do streaming. No entanto, seu recente desembarco em Movistar Plus+ tem permitido que mais espectadores em Espanha descubram esta singular proposta, a médio caminho entre o thriller existencial e a distopía emocional.
'Severance', o desconcertante experimento de Apple TV+ que consegue perturbar nossa consciência trabalhista
A premisa de Severance parece saída de um relato de Philip K. Dick, mas sua execução é puro Stiller-Erickson: sobria, meticulosa e carregada de simbolismo. Num futuro tão próximo que resulta incómodamente plausible, a empresa Lumon Industries oferece a seus empregados um procedimento quirúrgico que divide sua mente em duas: o "dentro" e o "fora". Assim, a pessoa que entra a trabalhar —o denominado Innie— vive só em sua jornada trabalhista, sem acesso às lembranças pessoais, enquanto o Outie desconhece completamente o que ocorre depois de cruzar a porta do escritório.
Este experimento de higiene mental, apresentado como uma medida para melhorar a produtividade e preservar a intimidem, oculta uma realidade bem mais escura. E é nesse terreno ambiguo onde se move a série: entre o ético e o monstruoso, entre o humano e o corporativo.
Uma ideia tão retorcida como fascinante: Pode-se um partir em dois?
O epicentro emocional de Severance é Mark Scout (um brilhante Adam Scott), um homem rompido pelo duelo que decide submeter à separação como via de escape. Mas cedo compreenderá que há cicatrices que nem a tecnologia pode apagar. A seu ao redor, um grupo de colegas tão entrañables como misteriosos —interpretados por actores da talha de Britt Lower, John Turturro, Patricia Arquette ou Christopher Walken— acompanham-lhe neste descenso a um submundo burocrático onde a identidade se converte numa ilusão e as lembranças, em moeda de mudança.
A primeira temporada deixou-nos com o coração em vilo e um cliffhanger que redefinia todo o visto. Agora, em sua segunda entrega, a história se adentra ainda mais nas consequências de cruzar os limites da separação. Que sucede quando o "dentro" começa a questionar sua existência? E daí preço paga-se por querer saber mais?
Um fenómeno desconhecido que agora triunfa em Espanha
Severance não é só uma série brilhante, é um acto de resistência criativa. Com um 97% em Rotten Tomatoes e um 8,7 em IMDb, tem sido aclamada por crítica e público, e não obstante, ainda parece ser uma desconhecida para muitos. Num ecossistema saturado de conteúdos, esta obra impõe-se como um oásis de inteligência narrativa, onde a cada plano está pensado e a cada silêncio, carregado de sentido.
A estética da série, entre o minimalista e o perturbador, dialoga com a filosofia que a sustenta: quem somos quando trabalhamos?, podemos dividir-nos sem romper-nos? Dão Erickson e Ben Stiller não procuram respostas fáceis. Convidam-nos, mais bem, a sentar em frente ao espelho, ainda que o reflexo nos resulte incómodo.
Com uma partilha coral que parece sacado de um sonho de casting —e inclusive com cameos como a voz de Keanu Reeves num guiño que quase interpretou Barack Obama—, Severance se erige como uma das séries mais potentes dos últimos anos. Uma que não grita, mas sim deixa eco. Uma que não esquece, ainda que seus protagonistas o tentem com todas suas forças. Em tempos onde tudo parece desenhado para nos distrair, esta série nos pede algo radical: atenção e tomada de consciência. E vá se merece-a.