Lições do crash de 29 versus receios do atual crash da bolsa
Há quase um século, a chamada “quinta-feira negra” marcou o início de uma derrocada que aniquilou 85% do valor da bolsa em apenas três anos.

O mundo financeiro está de novo a sangrar com a fratura de Wall Street. No meio da queda dos principais índices bolsistas depois dos recentes direitos aduaneiros impostos pelos Estados Unidos e as represálias da China, o eco de 1929 ressoa com força.
Então, como agora, um mercado eufórico e desligado da economia real precipitou-se para o abismo. Aquela queda não foi só uma crise económica; foi um trauma coletivo que redefiniu gerações.
Quinta-feira negra
Há quase um século, no dia 24 de outubro de 1929, a chamada “Quinta-feira Negra” marcou o início de uma derrocada que aniquilou 85% do valor da bolsa em apenas três anos. O comércio internacional registou uma queda de 65%, milhões de americanos perderam as suas poupanças e os bancos entraram em falência. A euforia de investimento que tinha feito das acções o novo passatempo nacional revelou-se uma bolha sustentada por crédito frágil e promessas vãs.

Atualmente, o panorama mundial é abalado por um novo tipo de tempestade: guerras comerciais, tensões geopolíticas e mercados em queda. O índice S&P 500 caiu 16% desde o início do segundo mandato de Donald Trump, enquanto o Hang Seng de Hong Kong registou o seu pior dia desde 2008. As perdas estenderam-se de Tóquio a Madrid, com o Nikkei do Japão a cair 7,8% e o Ibex 35 a cair mais de 5%.
A história de 1929
A história de 1929 mostra como um mercado alimentado pela especulação, desligado da produtividade real e com uma distribuição desigual da riqueza, pode terminar por colapsar o sistema inteiro.
Na altura, as indústrias viveram anos de prosperidade após a Primeira Guerra Mundial, mas esta prosperidade não foi distribuída uniformemente. Enquanto a produtividade do trabalho aumentava 3,5% ao ano, os salários subiam apenas 2,5%. As grandes fortunas concentraram o poder económico e financeiro, sustentando bolhas insustentáveis.
A história de hoje
Hoje, o “mercado quente” dessa época reflecte-se num sistema excessivamente dependente em excesso da confiança, dos estímulos estatais e numa economia global ainda a ressentir-se dos efeitos da pandemia. A volatilidade volta a dominar, com o índice VIX - conhecido como o “termómetro do medo” - a aproximar-se dos níveis de alarme.
Apesar de algumas retomas recentes terem trazido um alívio temporário, a desconfiança mantém-se. Os analistas já colocam a probabilidade de uma recessão nos EUA entre 45% e 60%.
A grande lição do crash de 29
A grande lição de 1929 não foi apenas económica, mas também política e social. O medo abriu a porta ao autoritarismo em todo o mundo. Onde antes havia otimismo e liberdade, passou a haver um desejo de ordem, de controlo. A democracia cambaleou sob o peso do pânico financeiro. E hoje, num contexto em que os populismos estão a ressurgir e a estabilidade internacional está a estalar, recordar esse resultado não é apenas um exercício histórico; é um aviso urgente.
O passado não se repete, mas às vezes rima. E nesse eco, nessa vibração entre décadas, o mundo atual faria bem em escutar com atenção.