A Bibi + Reus, duas emblemáticas galerias mallorquinas aliam-se para chegar ao novo coleccionista

Fran Reus, que com seu novo projecto pretende ligar com "gente jovem ou com sensibilidade contemporânea", fala de sua profissão, da paixão genuina e dos problemas no paraíso balear

Fran Reus y Miquel Campins, propie  tario y director de LA BIBI + REUS
Fran Reus y Miquel Campins, propie tario y director de LA BIBI + REUS

Jean Dubuffet achava que não existia a verdadeira arte sem embriaguez, de modo que não concebia que existissem pessoas que falassem do mesmo com fria "serenidad". Considerava, de facto, que um não deveria dizer a um amigo "agora irei ver um quadro" sem que lhe castañeasen os dentes e sem que a emoção reverberase por seu corpo; sina que o acertado seria assumir a capacidade hechizante da experiência e afirmar: "Dentro de um momento, irei ver ao mago para que me converta em rato".

Não obstante, para que a arte se exiba, se compra e se venda faz falta serenidad. Inclusive calculadoras e tabelas de Excel. Falar de cifras e números no contexto da arte pode parecer fria, reduccionista e inclusive inapropiado, mas também é uma maneira de apostar pelo mesmo, num sentido amplo. De implicar-se. De continuar crendo no encantamento.

A Bibi + Reus

É o que fazem A Bibi + Reus, duas galerias emblemáticas de Mallorca que agora se aliaram para unir forças "num mercado internacional a cada vez mais competitivo e globalizado no que resulta complicado se medir com as megagalerías", indicam. Assim, Fran Reus (Palma, 1978) e Miquel Campins (Palma, 1988) aúnan os mais de 20 anos de experiência no mundo da arte do primeiro e o enfoque rompedor e experimental dA Bibi, projecto de Campins.

Cartel de la galería (1)
Cartaz da galeria / A BIBI + REUS

"Poupamos em burocracia e despesas administrativas e oferecemos a artistas e coleccionistas a experiência de duas galerias que têm sido um referente local para competir no mercado da arte", asseguram.

Evolução da profissão

"Quando abri a galeria em 2003, com 24 anos, efectivamente foi como se lançar à piscina sem saber muito bem que profundidade tinha. Não vinha de família do sector nem tinha grandes referentes próximos, mas tinha claro que queria criar um espaço para a arte contemporânea em Mallorca, com vocação de continuidade", conta Fran Reus a Consumidor Global.

Desde então, considera, a profissão de galerista tem mudado muitíssimo. Dantes o foco estava posto quase exclusivamente no espaço físico e nas exposições que se programavam, e hoje a galeria "é um ponto de partida, mas o trabalho se estende a feiras, produção de obra, acompanhamento curatorial, residências, publicações e redes internacionais".

Fran Reus
Fran Reus / A BIBI + REUS

A figura do galerista

Por tanto, Reus acha que são "agentes culturais, mediadores, gestores, editores e, muitas vezes, impulsores de processos longos e complexos. A figura do galerista voltou-se bem mais transversal, e também mais exigente, mas isso o faz apasionante", assegura.

Precisamente ao respeito da paixão, este experiente acha que mantém-se viva porque o que manejam nasce de impulsos criativos profundos, genuinos. "Quando trabalhas com artistas que estão comprometidos com sua prática, que pesquisam, que se arriscam, isso te contagia. A cada exposição, a cada processo de produção, a cada conversa, é diferente, e isso impede que este trabalho se volte rotineiro", defende.

Conexão emocional

Também ajuda, reconhece Reus, poder ir adaptando o projecto aos tempos e às próprias inquietudes de um. "Nestes anos temos crescido, transformámos-nos, e projectos como A Bibi + Reus nos permitiram abrir novos caminhos e seguir gerando energia. A conexão emocional com os artistas e com a obra é chave para sustentar esta dedicação ao longo do tempo".

Vista de la exposición 'A new moon en el interior de la galería
Vista da exposição 'A new moon no interior da galeria / A BIBI + REUS

Essa conexão estende-se, como uma sorte de fio mágico, a certos compradores. "Quando uma obra se vai com alguém com quem temos uma boa relação, há algo muito bonito em jogo: uma mistura entre alegria, cumplicidade e certa nostalgia. As peças que expomos costumam ter um valor emocional, porque conhecemos o processo que há detrás, temos seguido ao artista de perto e, muitas vezes, temos estado implicados na produção. De modo que quando uma dessas obras se coloca em mãos de alguém que a vai cuidar , que a entende ou que a deseja profundamente, é muito gratificante".

Vendas e coleccionistas

Perguntado por sua primeira venda importante, o galerista mallorquín arguye que a recorda não tanto pela cifra (que também não era desorbitada), sina pelo que significou: "A validação de uma aposta pessoal e profissional. Foi um ponto de inflexão que me ajudou a confiar mais no caminho que tinha elegido".

Com o passo do tempo, Reus tem conseguido que seus clientes tenham um perfil muito diverso, algo que é bem mais que uma estratégia comercial e que pode se interpretar como um fecundo signo de vitalidad. Assim, trabalham tanto com coleccionistas institucionais ou com trajectórias longas como com pessoas que fazem sua primeira compra de arte. "Há também coleccionistas internacionais que nos conhecem através de feiras, e outros que se acercam por curiosidade desde o próprio contexto local ou regional", assegura.

Vista de la exposición 'And this old world is a new world'
Vista da exposição 'And this old world is a new world' / A BIBI + REUS

Para além do valor económico

Com tudo, seu interesse principal é chegar a novos públicos: "gente jovem ou com sensibilidade contemporânea, que não vê a arte como um investimento especulativo, sina como uma experiência vital. Pessoas que querem conviver com as obras, que se sentem interpeladas pelo que mostram ou por como o fazem", descreve.

Com A Bibi + Reus, os galeristas têm procurado precisamente ampliar essa base de público, "gerando um ecossistema mais aberto, mais poroso, onde possa participar também quem nunca se sentiu 'coleccionista' no sentido tradicional".

Fisuras no paraíso

Não obstante, ainda que em ocasiões a arte apele a valores e a questões universais, não é o mesmo exercer o labor de galerista em Mallorca que o fazer em Dubái ou em Londres. Determinados contextos podem ser determinantes. Ao respeito, A Bibi + Reus acolheu recentemente a exposição Pærdís, do artista An Wei, que explorava a tensão entre natureza e civilização e abordava "as problemáticas relações humanas com a ideia do paraíso".

Mencionava-se o conceito de jardim fechado e como a humanidade continua criando barreiras. São temas que parece impossível não vincular com a própria situação de Mallorca, uma ilha até faz não tanto paradisíaca para muitos locais, que se enfrenta ao paradoxo de sua própria popularidade corrosiva, com uma crise de moradia demoledora.

Varias personas con pancartas durante una manifestación por la vivienda, a 15 de junio de 2025, en P
Várias pessoas com cartazes durante uma manifestação pela moradia em Palma / EUROPA PRESS - ISAAC BUJ

Crise de moradia alarmante

Estas problemáticas, diz Reus, ressoam muitíssimo em sua galeria. "Mallorca leva décadas projectando-se como paraíso, mas essa imagem está a cada vez mais em tensão com a realidade quotidiana de quem vivemos aqui. A crise de moradia é alarmante, o território altera para um ritmo muito agressivo e estão a perder-se referentes comunitários que sustentavam a vida social e cultural da ilha", expõe.

Isto, prossegue, tem um impacto direto na arte, nos artistas e em seu próprio trabalho: "Aceder a um espaço, manter um projecto independente ou simplesmente habitar aqui com dignidade voltou-se complicado. Pærdís abordava estas tensões desde o simbólico, mas inevitavelmente ligava-se com o contexto insular", agrega.

Dinâmicas de expulsão

Assim, o jardim fechado do que falava An Wei "era uma metáfora potente dessa pulsión por controlar, delimitar, proteger... mas também por excluir. Essa leitura amplifica-se quando a transladamos a Mallorca, onde a ideia de paraíso tem acabado gerando dinâmicas de expulsão. Desde a galeria tentamos que o local não seja só um decorado, sina uma realidade ativa que atravessa nossas decisões curatoriales, nossa forma de trabalhar e os vínculos que construímos".

Varios turistas en las inmediaciones de la catedral de Palma de Mallorca
Vários turistas nas inmediaciones da catedral de Palma de Mallorca / EUROPA PRESS - TOMADAS MOYÀ

Conscientes disso, o local que ocupam em Palma está numa zona comercial, não residencial, e isso também tem seus envolvimentos. "Não estamos num bairro operário, o que afecta tanto à relação com o meio como ao preço e à sustentabilidade. Não deixamos de ser conscientes destas tensões urbanas e sociais", remarca Reus.

Desde Mallorca, com Mallorca

Assim mesmo, a importância do tecido local também se põe de manifesto nas decisões curatoriales. "São fundamentais para nós nomes como Fátima de Juan, Bel Fullana, Alejandro Javaloyas, Grip Face, Maite e Manuel ou José Fiol. Eles não só fazem parte do programa expositivo, sina do próprio tecido que sustenta a galeria: desde Mallorca, com Mallorca, mas também com uma mirada ampla para fora", indica.

El artista Paul Riedmueller en LA BIBI Residence
O artista Paul Riedmueller nA BIBI Residence / A BIBI + REUS - LINKEDIN

Outro ponto interessante dA Bibi + Reus são as residências artísticas que oferece para criadores. Para muitos deles, diz o galerista, aceder a uma significa ter um tempo de qualidade para pensar, para experimentar, para se afastar do imediato. "É um parêntese produtivo. E também é uma oportunidade de entrar em contacto com outro lugar, com outras formas de vida, com outras linguagens. Em nosso caso, levamos oferecendo residências desde 2018, e com A Bibi + Reus temos potenciado muito esse formato. Não se trata só de oferecer alojamento ou um estudo: trata-se de criar um contexto de acompanhamento, de conversa, de comunidade".