O Parador que apaixonou a Mick Jagger: "É um dos melhores lugares nos que tenho estado"
Estes enclaves históricos guardam histórias que vão desde estrelas do rock dormindo na cama de um papa até escritores exilados, aristócratas e duelos desportivos de lenda

Em 1999, o líder de The Rolling Stones, Mick Jagger, oferecia um concerto em Santiago de Compostela durante as festas do Xacobeo. Se alojó no Parador de Santiago, também conhecido como a Pousada dos Reis Católicos, um edifício monumental do século XV. Ali ofereceram-lhe "a habitação do cardeal", uma suite carregada de história, pois em 1954 foi estreada por Angelo Giuseppe Roncalli, quem anos mais tarde seria proclamado papa Juan XXIII.
Jagger, acostumado ao luxo extremo, ficou fascinado com o enclave. "É um dos melhores lugares nos que tenho estado em minha vida", assegurou ao diretor do Parador, Julio Castro. Pese a sua fama, mal fez exigências; só pediu várias toalhas adicionais, algo de fruta fresca e água Evian. O que mais lhe surpreendeu foi a história viva que respirava o lugar, algo, disse, que nem o hotel mais luxuoso do mundo pode oferecer. Jagger não foi o único surpreso, estas são as oito histórias mais curiosas que encerram os enclaves históricos da rede hoteleira de Paradores.
Gredos (Ávila): onde se fraguó a Constituição Espanhola
Em 1978, em plena Transição democrática, sete políticos espanhóis de ideologias muito diferentes retiraram-se ao Parador de Gredos para redigir em segredo o texto final da nova Constituição Espanhola. Manuel Fraga, um dos chamados "pais da Constituição", elegeu este enclave por sua localização isolada e sua discreción. Tratava-se de evitar filtragens à imprensa e trabalhar com tranquilidade.

A imagem dos sete reunidos numa mesa repleta de papéis ficou inmortalizada numa icónica fotografia da época. Segundo conta a atual diretora, Eva Legaza, os trabalhadores que então os atenderam recordam episódios curiosos: Gregorio Peixes-Barba fazia questão de fumar puros Montecristo, que tinham que se trazer especialmente desde Ávila, e Miguel Ferreiro e Rodríguez de Miñón costumava se esquecer a gabardina por todo o Parador, provavelmente com a mente ocupada em assuntos mais trascendentales.
Oropesa (Toledo): o flechazo de Somerset Maugham
O célebre escritor britânico William Somerset Maugham, autor do fio da navaja, fez uma parada imprevista no Parador de Oropesa nos anos 40 enquanto viajava por Espanha. O que começou como uma simples comida, se transformou numa estadia prolongada depois de apaixonar do castelo medieval e as vistas à serra.
Desde sua habitação observava aos cernícalos voando entre as torres. Anos depois, descreveu sua experiência num artigo publicado no Chicago Tribune em 1948. "Desde a janela do Parador vê-se aos cernícalos voar elegantemente e, ao longe, montanhas nevadas", escreveu. Também era um grande amante da cozinha espanhola, especialmente da tortilla de batatas, que pedia sempre ao chegar.
Arcos da Fronteira (Cádiz): a lenda do chapéu de três bicos
O Parador de Arcos da Fronteira não é só um alojamento com vistas espetaculares. Segundo diversos experientes, alça-se sobre a casa do corregidor que inspirou a Pedro Antonio de Alarcón para escrever sua célebre novela O chapéu de três bicos (1874). Em suas paredes ainda se conservam azulejos com retratos das personagens principais: o corregidor e a molinera.
A novela narra a história de um político corrupto e as peripecias de um molinero para vingar-se. Esmeralda Aguilar, recepcionista do Parador, conta que muitos visitantes chegam sabendo a história e percorrem o povo em procura dos palcos reais que aparecem na novela, como o molino e a taberna.
Granada: um jantar demasiado bom para os duques
Em 2016, o Parador de Granada, localizado dentro da Alhambra, acolheu o jantar de gala prévia ao casamento de Charlotte Wellesley, filha do duque de Wellington, com o empresário colombiano Alejandro Santo Domingo. Durante a prova do menu, os noivos consideraram que a comida do Parador era tão extraordinária que temeram que eclipsara o banquete do dia seguinte.
Assim lho fizeram saber ao chef, quem teve que "suavizar" a apresentação e os sabores. Entre os convidados estavam o príncipe Carlos de Inglaterra e Camila Parker Bowles. José Ángel Cabeça, chefe de comedor, recorda com ironía aquele jantar: "Nunca nos tinham pedido que cozinhássemos um pouco pior".
O Saler (Valencia): a surra de Jordan a Ballesteros
Em 2003, durante uma viagem a Espanha por negócios, o mítico jogador de basquete Michael Jordan quis jogar uma partida de golfe no campo do Parador do Saler, um dos mais reputados de Europa. Seu contrincante foi nada menos que Severiano Ballesteros, lenda do golfe espanhol e um de seus ídolos.

Francisco Contreras, atual diretor do Parador, exerceu de caddy na partida e foi testemunha de uma autêntica exibição: Jordan ganhou os 18 buracos. "No buraco 15 meteu a bola com um puro Cohiba na boca", recorda. Apostaram-se 50 euros, que ganhou Jordan "holgadamente". A estrela do basquete também almoçou no Parador, ainda que era tão alto que teve que comer de lado. "Mede 1,98 metros e as pernas não lhe cabiam embaixo da mesa", comenta Contreras.
Benicarló (Castellón): o último respiro de Antonio Machado
Em abril de 1938, Antonio Machado se alojó no Parador de Benicarló, em seu caminho para o exílio no França, fugindo da Guerra Civil. Foi uma das últimas paradas do poeta dantes de cruzar os Pirineos e morrer em Colliure (França) em fevereiro de 1939.
Durante sua estadia, Machado passeava pelos jardins do Parador com vistas ao mar, reflexionando sobre a dor da guerra. No bolso de seu abrigo, já no França, apareceu um verso que se crê escreveu então: "Nestes dias azuis e este sol da infância". Também foi lugar de referência para Manuel Azaña, presidente da Segunda República, que ambientó ali sua obra A velada em Benicarló.
Cardona (Barcelona): o rodaje de Orson Welles
O castelo medieval que hoje alberga o Parador de Cardona foi o palco de parte do rodaje de Campanadas a meia-noite (1966), dirigida pelo legendario Orson Welles. Apasionado de Shakespeare e a estética medieval, Welles encontrou em Cardona o decorado perfeito para seu filme inspirado em várias obras do dramaturgo inglês.
Xavi Segura, chefe de Recepção, recorda como os maiores do povo ainda falam daquele rodaje. "Ia pelas ruas com uma capa negra, um puro na boca, e repartia caramelos aos meninos". Muitos palcos do Parador e da Colegiata de San Vicente seguem intactos, e os cinéfilos podem reconhecê-los ao visitá-los.
Palcos de cor coletiva
De poetas a rockstars, de escritores exilados a pais da pátria, os paradores são bem mais que hotéis históricos: são palcos vivos da memória coletiva.
Como disse Mick Jagger depois de sua estadia em Santiago: "É fácil encontrar o luxo. Isto, não".