Que passa com a moratoria de desahucios: a quem afecta e como pode se resolver
Uma série de organizações sociais e partidos políticos exigem ao Governo que prorrogue a medida para evitar que milhares de pessoas possam acabar na rua
Em Espanha, o preço da moradia tem-se encarecido mais de 40% em 10 anos, e o do aluguer fazer numa percentagem similar. Neste contexto, a proporção dos rendimentos do lar requerido para aceder a uma moradia em aluguer encontra-se no 36% de todos os ganhos netos de uma família média em Espanha, segundo um cálculo de Idealista.
Por sua vez, o IX Relatório FOESSA detalha que o 45% da população que vive em regime de aluguer se encontra em risco de pobreza e exclusão social, a cifra mais alta de toda a União Européia. Neste marco, uma medida de protecção destinada a amparar aos mais vulneráveis está a ponto de cair: a moratoria antidesahucios, que caduca o próximo 31 de dezembro.
Moratoria de desahucios
Por isso, a princípios de semana, uma ampla representação de entidades, associações de consumidores e movimentos sociais alertou sobre a iminente finalização da moratoria de desahucios, que desde sua aprovação em 2020 e até 2024 tem mantido suspendidos quase 60.000 lançamentos de famílias vulneráveis.

A julgamento destas entidades, entre as que figuram a Plataforma de Afectados pela Hipoteca (PAH), Facua-Consumidores em Acção e a Federação de Consumidores e Utentes (CECU), "esnecesario fazer que esta moratoria seja permanente e que se amplie sua cobertura, já que detectamos que não tem funcionado no 75% dos desahucios devido a diferentes lagoas tanto na redacção da medida como na interpretação que se faz desde o poder judicial".
Uma medida estrutural, e não coyuntural
Pablo Pérez, porta-voz do Sindicato de Inquilinas de Madri, explica a Consumidor Global que é algo que levam denunciando ano após ano. "Sempre nos vemos na mesma situação: pressionar ao Governo até que se renove quando chega dezembro. Achamos que deveria ser uma medida estrutural e não coyuntural. Falamos de pessoas que não têm alternativa habitacional: o estudo que se fez em Barcelona reflete que só ao 2% se lhe tem oferecido algum tipo de alternativa", argumenta.
"Se vão-te a desahuciar e a Administração não te pode garantir o direito à moradia nem te oferecer alternativas, tem que ter uma moratoria, como já a há com as hipotecas", alega. Sua análise coincide com o da porta-voz de Somar no Congresso, Verónica Martínez Barbero, quem tem pressionado ao PSOE para que prorrogue a suspensão e a faça permanente "de maneira urgente".
Insegurança jurídica
Por sua vez, a Agência Negociadora do Aluguer (ANA) tem alegado que a medida só cria insegurança jurídica. Assim o afirmou José Ramón Zurdo, advogado especializado em arrendamentos e diretor geral da entidade, a idealista/news, quem tachó a proposta de "intervencionista".

"Esta medida só cria mais insegurança jurídica entre os que têm a potestade de sacar mais moradias ao aluguer, que são os arrendadores, tanto privados como institucionais, e que por tanto são os que têm a chave para aumentar a oferta de alugueres. Se ataca-se-lhes não sacam moradias ao aluguer", assegurou ao citado meio.
"Os que precisamos segurança somos quem vivemos de aluguer"
"Os que precisamos segurança somos as pessoas que vivemos de aluguer", replica Pérez. "Esta moratoria não cobre, por exemplo, os alugueres de temporada e por habitações, que temos visto que são os que mais têm crescido desde a aprovação da Lei de Moradia, quiçá para tentar escaquearse de qualquer tipo de controle", critica.
Ademais, a julgamento do Sindicato, isto é só "a ponta do iceberg": no próximo ano vencem 300.000 contratos de aluguer, e Pérez acha que toda essa gente também está "desprotegida". Por outra parte, o experiente recorda que quando se aprovou a moratoria se incluiu um sistema de compensações económicas para os caseiros que pudessem sofrer perdas, e menos de um da cada dez tem reclamado dita ajuda.

Mais de 25.000 desahucios
Os dados da Plataforma Habitat 24, que analisa as estatísticas publicadas pelo Conselho Geral do Poder Judicial, refletem que em 2024 se praticaram em Espanha 27.564 lançamentos, um 3,4% mais que em 2023, dos que o 74,6% estiveram vinculados a procedimentos derivados da Lei de Arrendamentos Urbanos, fundamentalmente por impago de aluguer.
É uma questão espinosa que tem muitos matizes. Assim, Carlos Balido, professor de OBS Business School e diretor de Eurocofín, recorda a Consumidor Global que o Real Decreto tinha, em origem, uma finalidade muito concreta: lutar contra os efeitos económicos do COVID. "Estava circunscrito a lares declarados vulneráveis que se vissem afectados pela pandemia", precisa.
Prorrogações sucessivas
Em 2022 prorrogou-se pára paliar os efeitos da guerra de Ucrânia, em 2023 para dar tempo às comunidades autónomas para pôr em marcha um projecto de conciliação estabelecido pelA Lei de Moradia, e em 2025 incluído num pacote ónibus.

"Não tem sido algo aprovado como uma lei como tal, o Governo o foi aprovando via Real Decreto", incide Balido. Dito isto, o professor de OBS considera que, se se atende à positiva evolução da economia e o emprego, "não se justifica a medida". "Tem pouco sentido, já que era para uma finalidade muito concreta".
"Faltas moradias asequibles"
Com tudo, o experiente de Eurocofin sugere que as comunidades autónomas, às que está traspassada a responsabilidade, não têm sido o suficientemente diligentes. Ademais, acha que ir alterando a finalidade do RD supõe fomentar a "insegurança jurídica" num momento no que "mais que crise de moradia, teria que falar de que faltam moradias asequibles para a população".
Sob seu ponto de vista, os arrendadores provavelmente se retraigan ante uma situação como esta. Quanto ao mecanismo de compensação, Balido acha que "é lenta" e demora em chegar ao proprietário, os critérios de base "não são claros" e variam em função da comunidade autónoma.

O Estado tem feito "menos do necessário"
As administrações públicas, considera, têm feito "menos do necessário" para dar alternativa habitacional às potenciais 60.000 pessoas que entram dentro da definição de lar vulnerável que poderiam ficar na rua em menos de um mês.
"O mercado imobiliário tem uns desajustes e uns desequilíbrios notáveis aos que não se está a fazer frente. E, em caso que esta cifra aumente, deve-se também a que as administrações têm estado passivas", aponta. Por isso, se a moratoria se prorroga, Balido acha que teria que vir acompanhada de uma série de medidas que garantissem alternativas reais. "Entender-se-ia que se prorrogasse se a solução ao problema se põe em marcha. Se prorroga-se para não dar solução ao problema, falamos de algo diferente".
Os juízes têm a última palavra
Por outra parte, também não deve ignorar-se o facto de que as resoluções judiciais que se estão a ditar sobre a matéria têm uma linha interpretativa bastante estrita. Isto é, que os tribunais se remetem ao requisito de vínculo causal com o COVID-19, e só estão a considerar que a suspensão procede quando a situação de vulnerabilidade se circunscribe à pandemia.
Se a vulnerabilidade é prévia ao COVID, não se considera a suspensão do processo de desahucio. O juiz é, em fim, quem pondera a situação e tem a última palavra.
