Fujitsu refugia-se na IA depois do batacazo reputacional pelo escândalo do Pós Office

A empresa japonesa apresenta suas novidades no Mobile World Congress e pronuncia-se sobre o caso Horizon e a decisão de cessar a venda de seus computadores

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O Mobile World Congress (MWC) de Barcelona é o escaparate global onde as grandes tecnológicas apresentam suas últimas inovações. No entanto, para Fujitsu, esta edição não só tem sido uma oportunidade para mostrar avanços em inteligência artificial e telecomunicações, sina também uma tentativa de redirigir a conversa depois do escândalo Horizon, que tem golpeado duramente sua reputação em Reino Unido e que ainda segue baixo investigação.

Carlos Cordeiro, CTO de Fujitsu Espanha, tem desgranado numa entrevista com Consumidor Global as últimas inovações em IA e redes que a companhia tem apresentado no MWC, bem como as tecnologias emergentes que redefinirão o futuro empresarial. No entanto, para além da inovação, Cordeiro também tem abordado sem rodeos questões polémicas, como o escândalo do Pós Office em Reino Unido e a decisão de Fujitsu de cessar a venda de seus computadores fora de Japão.

O escândalo Horizon

O caso Horizon tem sido um dos maiores escândalos tecnológicos em Reino Unido. Durante mais de uma década (de 1999 a 2015), o sistema informático desenvolvido por Fujitsu para o escritório de correios britânica Pós Office gerou erros que levaram à falsa acusação de centos de empregados por delitos financeiros inexistentes. O caso não só tem destruído vidas, sina que tem deixado em evidência os perigos de uma tecnologia mau implementada e mau supervisionada.

Una imagen de Post Office EFE
Uma imagem de Pós Office / EFE

"O processo ainda está em marcha e levará tempo recuperar a confiança", admite Cordeiro. Ainda que a crise de confiança centrou-se em Reino Unido, a sombra do escândalo planea sobre a marca em Europa e a nível global. É neste contexto que a presença de Fujitsu no MWC cobra especial relevância: a companhia precisa demonstrar que segue sendo um referente em inovação e confiabilidade tecnológica.

As novidades apresentadas no MWC

"Neste ano temos trazido dois tipos de soluções inovadoras. A primeira está relacionada com as comunicações, em duas vertentes: a transmissão óptica de dados e as tecnologias de rádio inalámbrica em Open RAN", avança Cordeiro. No campo da transmissão óptica de dados, Fujitsu tem desenvolvido uma tecnologia de vanguardia que optimiza o envio de grandes volumes de informação através de fibra óptica, garantindo uma eficiência sem precedentes.

Por outro lado, a empresa reafirma seu compromisso com Open RAN, um modelo que impulsiona a interoperabilidade nas redes móveis. Durante o MWC, Fujitsu apresentou novos sistemas de rádio em bandas de frequência ultra altas, uma tecnologia que já tem ganhado solidez em Estados Unidos e que se espera que cobre maior protagonismo no mercado europeu.

O impacto da inteligência artificial nos negócios

Um dos pontos centrais da entrevista girou em torno do papel da IA no tecido empresarial. Cordeiro assinalou que, ainda que nos últimos anos as empresas têm explorado a IA generativa mediante provas de conceito, com frequência têm encontrado dificuldades para gerar uma volta clara de investimento. No entanto, o conceito de IA Agéntica está a emergir como uma solução viável e com impacto real.

A IA Agéntica baseia-se na criação de sistemas autónomos especializados em tarefas específicas que podem interatuar entre si para optimizar processos. Para Cordeiro um exemplo prático é um sistema de análise de vídeos em meios trabalhistas para garantir a segurança dos trabalhadores. Através de diferentes agentes de IA, detectam-se infracções no uso de equipamento de protecção, identificam-se riscos na interacção entre funcionários e maquinaria e regista-se a informação em plataformas empresariais como Salesforce.

Uma IA mais inteligente que o ser humano

Durante a conversa, Cordeiro abordou uma declaração que tinha feito previamente: "as empresas estão a investir para conseguir uma IA mais inteligente que um humano". Explicou que o desenvolvimento de modelos de inteligência artificial tem melhorado drasticamente a interacção entre humanos e máquinas. "O teclado é uma barreira. A forma natural de comunicação é falar e escutar. Ainda que Alexa ainda deixa muito que desejar, as interfaces de voz estão a evoluir a passos agigantados e os assistentes virtuais que hoje nos frustram com suas respostas torpes serão coisa do passado", assinala o CTO de Fujitsu.

No entanto, aqui surge o paradoxo, e é que uma IA generativa não é determinista. Pergunta o mesmo duas vezes e obterás duas respostas diferentes. Esta característica fá-la pouco recomendável para aplicativos críticos que requerem certeza absoluta, como o uso em robôs humanoides autónomos.

Um projecto sobre papel

Apesar do golpe reputacional, Fujitsu não se ficou de braços cruzados. Sua nova grande aposta é Monaka, um superchip baseado em tecnologia de 2 nanómetros, algo que ainda não existe no mercado. Este processador é uma das maiores apostas da companhia para os próximos anos. "Não há nada no mercado com esta tecnologia. Será revolucionário", assegura Cordeiro.

Imagen del MWC 2025 SIMÓN SÁNCHEZ EFE
Imagem do MWC 2025 / SIMÓN SÁNCHEZ (CG)

"Não falo muito disso porque ainda é algo sobre o papel, mas se os clientes ou futuros clientes querem ver que grau de inovação tem Fujitsu,o estande que temos no Mobile é um bom lugar para ver", destaca Cordeiro.

Aposta-a pela IA

Cabe recordar que Fujitsu cessou a venda de computadores desde a primavera de 2024, mantendo este negócio sozinho em Japão. Cordeiro explicou que esta decisão responde a análises financeiras internos que levaram à companhia a se centrar em mercados mais rentáveis. Ainda que não se detalharam as razões específicas, é evidente que a concorrência no sector do hardware e as restrições nas margens de benefício têm influído nesta decisão.

Mais que um retrocesso, Fujitsu vê nesta decisão uma oportunidade para concentrar esforços em segmentos com maior projeção de crescimento, como a IA e as telecomunicações. "Não se trata de abandonar, sina de evoluir para onde podemos contribuir mais valor", conclui Cordeiro. O que é seguro é que a companhia não pode se permitir falhas nesta nova etapa. Num mundo onde a confiança na tecnologia é chave, Fujitsu terá que demonstrar que seus avanços são tanto inovadores como responsáveis.