Chelo Gámez, de catedrática a fundar Dehesa Monteros aos 60 anos: "Nossos porcos comem castaña"

A antiga catedrática de macroeconomía tem levantado uma empresa de presuntos que já se posiciona junto às grandes marcas, graças ao resgate de uma raça extinta que produz um dos ibérios mais singulares do mundo

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Chelo Gámez (Málaga, 1945) tem o cabelo completamente cano. Um prominente colar azulado repousa sobre a blusa. Porta, com elegancia, umas gafas de ver penduradas ao pescoço. Presume de umas unhas de um vermelho estridente que enfeitam uns anéis dourados. E leva seus lábios finos perfeitamente pintados. Sua imagem não é, nem de longe, um look de campo.

No entanto, esta mulher é uma ganadeira que criança porcos na Serranía de Rodada, onde capitanea sua própria assinatura de presuntos, Dehesa Monteros, uma das mais singulares e reconhecidas do ibério espanhol.

Como nasce Dehesa Monteros: uma tragédia e uma teoria económica

Tempo atrás, Gámez foi a primeira professora de economia na Universidade de Málaga. Era 1968 e estava "rodeada de homens", recorda. Rebelou-se contra o destino de "tocar o piano e falar francês", que se reservava às mulheres de sua família, e se fez catedrática de macroeconomía.

Chelo Gámez en la finca de Pujarre durante los inicios de Dehesa Monteros DEHESA MONTEROS
Chelo Gámez na finca de Pujerra / DEHESA MONTEROS

A história de Dehesa Monteros não nasce de uma herança familiar na dehesa, sina de uma tragédia pessoal e uma teoria económica. Em 2004, seu marido enfermó do coração. "Pediu-me que me aposentasse. Eu tinha 59 anos e estava na crista de minha actividade académica. De modo que disse-lhe que não", evoca. Mas a situação impôs-se e aceitou a prejubilación. Meses dantes, um aluno tinha-lhe rebatido em classe sobre a diversificação dos investimentos, citando a Teoria de James Tobin. "Disse-me que para ser coerente com a teoria, devia diversificar meu ativo financeiro com um ativo real", relata Gámez, quem aceitou aquela proposta.

De catedrática a ganadeira com 60 anos

Esse "ativo real" foi uma finca em Pujerra, em pleno Vale do Genal (Serranía de Rodada). Um terreno que Gámez comprou "apaixonada da paisagem", sem intenção agrícola. "Depois da morte repentina de meu marido, encontrei-me aposentada, com 60 anos, e a casa caía-se-me em cima", comenta. Recebeu ofertas de universidades privadas, mas recusou-as. Sua mirada voltou-se para aquela finca. "Observei que tinha muitíssimas fincas com cochinos. Cochinos para quem? Para Sánchez Romero Carvajal, para Cinco Jotas... E disse, por que não?".

Assim, a catedrática de macroeconomía se fez com 50 porcos ibérios. "Sabia que entrar num mercado copado por marcas gigantes, sem ser ganadeira, era uma loucura económica em curto prazo", confessa. Começou vendendo por partes e por adiantado a amigos e conhecidos. Vinte anos depois, Dehesa Monteros tem 1.000 cabeças de ganhado, exporta o 25% de sua produção e seus presuntos penduram no Clube do Gourmet do Corte Inglês, junto a esses mesmos gigantes que a inspiraram.

O porco atleta

Durante a entrevista, Chelo Gámez está acompanhada de sua filha, Chelo Simón, quem parece sua versão jovem. "Isto não é a típica dehesa plana", explica Chelo filha, enquanto ensina as páginas do livro que têm apresentado pelo 20º aniversário da marca: O sonho da Serranía de Rodada.

Dehesa Montero / SIMÓN SÁNCHEZ
Chelo Gámez e sua filha Chelo Simón / SIMÓN SÁNCHEZ
A Serranía de Rodada é um território de montes com pendentes a mais de 45 graus. "Nossos porcos são atletas", assegura Simón, a diretora de marketing e operações de Dehesa Monteros. "Essa musculación, essa necessidade de mover-se por laderas abruptas, muda a textura. A carne é mais vermelha e escura pela mioglobina, e o exercício infiltra a gordura de forma diferente".

"Nossos porcos comem castaña"

O segundo factor diferencial é a castaña. Rodada é a segunda produtora de Espanha, e Dehesa Monteros converteu-o em sua senha de identidade. "Nossos porcos fazem uma pré montanera de castaña", detalha Gámez.

Justo dantes dos três meses de bellota, comem castañas, que contribuem um dulzor característico e facilitam uma infiltración de gordura que reduz a astringencia da bellota. "A qualidade está na gordura", insiste a fundadora.

Dehesa Monteros tem um presunto que não existe

Mas a verdadeira disrupción de Dehesa Monteros é o resgate de uma estirpe que, oficialmente, está extinta. É o Loiro Dourado Rondeño.

El cerdo Rubio Dorado Rondeño, una estirpe casi extinguida DEHESA MONTEROS
O porco Loiro Dourado Rondem̃ou, uma estirpe quase extinguida / DEHESA MONTEROS

"Temos um presunto que não existe", comenta entre risos Gámez. E é quase verdadeiro. Esta raça autóctona da serra de Grazalema e Rodada estava a ponto de desaparecer, apagada por estirpes mais produtivas e rentáveis. "É um porco mais pequeno, de reposição mais tardia, que precisa quase três anos de criança, não 18 meses", explica Gámez. Seus pezuñas, ademais, não sempre são negras, um anatema para o marketing tradicional do ibério.

"Há muitos invejosos"

Em 2015, a empresa uniu-se à Universidade de Córdoba e ao centro Finca A Algaba para recuperar as últimas instâncias. Hoje comercializam só 60 peças ao ano baixo a marca Raça&Oro. Sua carne é mais terna e os níveis de ácido oleico são entre um 10% e um 15% superiores aos já altísimos níveis de outros ibérios puros de bellota. "Há muitos invejosos que não querem que tenha uma estirpe superior", solta Chelo Gámez.

O posicionamento de Dehesa Monteros na elite do ibério reflete-se no linear. Quando Gámez vê suas peças penduradas no Clube do Gourmet do Corte Inglês, junto a gigantes como Joselito ou 5J, sente a emoção de ter fechado o círculo. "Chegar aqui em 20 anos sem pagar a um chef que diga que somos os melhores é um lucro", confessa.

Os preços dos presuntos de Dehesa Monteros

Um sobre de 80 gramas de seu presunto de bellota 100% ibério situa-se no estante com um preço de venda de 26,90 euros, enquanto a paleta loncheada cota a 16,90 euros o sobre. O lombo de bellota, no mesmo formato, ronda os 16,50 euros.

El jamón de Dehesa Monteros DEHESA MONTEROS
O presunto de Dehesa Monteros / DEHESA MONTEROS

A peça inteira de presunto, que pode atingir os 8 quilos, supera os 690 euros. Em mercados como Hong Kong, a exclusividad do Raça&Oro (o Loiro Dourado) pode disparar uma sozinha pata a mais de 5.000 euros, segundo informa Direto ao Paladar.

Rebelião na granja

Depois de ver estas cifras, voltar a recordar o início da marca é bem mais deslumbrante. "Começar de ganadeira num mundo de homens não foi fácil. Mas a mulher chega a onde quer chegar porque temos a capacidade", afirma Gámez. "A mim meu pai me pôs restrições para estudar. Meus irmãos sim, mas eu não. E eu me rebelei, lhe disse que era uma injustiça. Em minha família, os homens estudavam para ser médicos ou advogados, e as mulheres em sua casa. Eu a isso me opus", recalca.

Essa mesma rebeldia aplicou-a quando fundou Dehesa Monteros. Hoje, seus três filhos (Chelo, Pepe como CEO e Ignacio em IT e logística) continuam o sonho que começou com uma teoria macroeconómica e o empenho de uma mulher que, aos 60 anos, decidiu que a aposentação não era para ela. Decidiu, em mudança, criar algo do nada. E fazer.