Raúl Lua, chefe da taberna mais antiga de Madri: "As torrijas podem levar aqui 200 anos"
O diretor da emblemática Taberna Antonio Sánchez conta seus segredos e defende o valor de sua nova proposta gastronómica
Em alguns locais de Madri, a história, a arte e a gastronomia guardam uma conexão íntima, quase velada, mas profundísima. Não ficam muitos. Pertenceram a um mundo mais pequeno do que ficam retazos, mesas com o lustre que dão décadas de roce, alguns textos, alguns quadros e um punhado de receitas. Hoje, simultaneamente que a capital soma aberturas mensais contínuas, muitos restaurantes brigam por luzir no peito mais medalhas de casticismo ou solera que ninguém, mas o cliente nota rapidamente quando estas insígnias são artificiais.
Com tudo, de pouco vale que um estabelecimento seja uma cápsula do tempo ou que ali tenham brindado Lorca ou Hemingway se a comida não está rica e a experiência não resulta agradável. Aos restaurantes vai-se a comer, e a poesia soma, mas não determina. Com esta afirmação teria estado de acordo, provavelmente, Antonio Sánchez, que sabia de ambas bastante.
Toreo, gastronomia e história na Taberna Antonio Sánchez
Este madrileno era o filho de Antonio Sánchez Ruiz, quem em 1884 tinha comprado uma taberna, que por então já era centenaria, na rua Mesón de Paredes, a tiro de pedra da praça Tirso de Molina. Seu filho, o torero Antonio Sánchez Ugarte, foi quem converteu-a num santuário de referência de Madri, mas dantes teve outra vida.

Sánchez Ugarte tomou a alternativa em 1922 na praça de Linares, de mãos de nada mais e nada menos que Ignacio Sánchez Mejías. Tempo depois afastou-se do rodo, um movimento inteligente, segundo julgou ABC a sua morte: "Resolveu com bom acordo retirar dos touros para regentar sua famosa taberna, que lhe deu mais e melhores amigos que suas bravas andanzas pelo círculo". Seu taberna, frequentada por Pío Baroja, Cossío ou Antonio Díaz Cañabate, conserva seu esencia, mas eleva seu listón culinario da mão de Raúl Lua. Falamos com ele.
--Comentava-me dantes que o dono do estabelecimento é o mesmo, mas tem decidido meter dinheiro e apostar por um restaurante mais gastronómico. Assim, recentemente, a Taberna Antonio Sánchez tem apresentado uma proposta sugerente para os jantares de empresa: provas com maridaje exclusivas em sua adega subterrânea, um espaço carregado de história, episódios e sabor. Como são estas provas?
--Eu sou sumiller, além de ser o diretor da taberna, e uma vez que apanhámos velocidade de cruzeiro com o projecto gastronómico começamos a olhar para a parte de abaixo, que a tínhamos para visitas, conservar vinho antigo e demais. De modo que faz uns meses começamos com estas provas, das que fazemos três tipos: as primeiras são mais disfrutonas, como uma experiência similar à de um Estrela Michelin, onde vais para ter uma experiência. Temos uma prova de 120 euros, uma de 90 e outra de 50 euros. As de 120 são as mais escolhidas. Pomos oito vinhos de um carácter internacional, mas de bastante nível: champán, borgoña, burdeos, as mais altas de aqui de Espanha… E, quando se serve cada vinho, vem com um pequeno snack ou um pequeno maridaje: steak tartar com caviar, por exemplo. As que temos feito têm saído superbién. Ademais, temos lançado provas monográficas formativas, tanto para empresas como para particulares, com um nível um poquito mais avançado.

--A história do local, que presume de ser o restaurante mais antigo de Madri, é apabullante. Se pudesse tomar-se uma cana ou uma copa de vinho com alguma das personalidades que frequentou a Taberna Antonio Sánchez, a quem elegeria?
--A Glória Fortes. De facto, essa é sua mesa favorita. Vinha quase todos os dias a se tomar seu vinho com seu pan. Depois, os da Geração do 27 vinham também com muita frequência. Ademais, quando Antonio Sánchez se meteu dentro da jet set madrilena da mão de Ignacio Zuloaga, também iam a este restaurante actores ou actrizes importantes.
--Como é estar à frente de um local com tantísima história sendo capaz de respeitar sua esencia e se adaptando aos novos perfis de cliente?
--Quanto ao espaço, a zona da entrada estamos a respeitá-la muitíssimo. De facto, recentemente tem vindo um restaurador a revisar os frescos, já que tinha algumas partes desconchadas. Estamos em processo de reformar um pouco esta zona, mas com muito tacto, já que estamos considerados Bem de Interesse Cultural (BIC). Agora temos crescido com o projecto gastronómico, e mola muito ver à gente comer carta nesta zona, porque há um contrapunto entre a estética da zona mais antiga e o aspecto desses platazos que temos.
--Ao respeito da carta, não sê se há algum plato que estivesse no passado que gostaria de trazer de volta.
--A verdade é que não me vem à mente nenhum, porque os platos tradicionais os estamos a manter todos. O que temos feito tem sido melhorar a um nível exponencial.

--Como?
--Principalmente, o que tenho feito é me atar com os melhores revendedores de Madri. O rabo de touro, por exemplo, compro-lho a Discarlux. É mais caro, mas é o que há [em carta, este plato custa 26,50 euros]. Ademais, temos metido carabineros, gambas, todo fresco do dia. O rape que nos chega pesa 20kg e é como essas duas mesas daí. Desde que estou à frente, compramos todo fresco, já não vem nada facto. De modo que estamos a fazer tudo da melhor maneira: productazo, elaborando e ademais com um investimento em pessoal. Temos melhorado a vida da gente que está aqui, que é algo que eu sempre faço, para a partir daí ter uma equipa estática com o que trabalhar.
--Num contexto no que Madri perde locais centenários e cada vez abrem mais franquias, se dá o paradoxo de que o turista procura exclusividade, mas as cidades cada vez se parecem mais entre si. Como se preserva a autenticidad?
--Há que puntualizar alguma coisa. Para nós e para o resto de locais centenários, a exigibilidad para o manter é muito elevada. Se de repente vai-nos mau o negócio e quebra, apanha-o alguém, o atira abaixo e monta uma zapatería, por exemplo. De modo que também está na mão da Prefeitura pôr um pouco de foco aí. Nós o que temos feito é apostar pelo tema gastronómico e manter a parte principal da carta que se fez toda a vida, como os callos (22 euros) ou as torrijas (8 euros a unidade), que podem levar aqui 200 anos.

--Tem algum segredo a torrija?
--Sim, claro [ri]. Ao igual que o rabo de touro. Tudo tem sua coisa. Ao final, temos feito uma proposta um pouco mais nossa. Agora o ticket medeio é bem mais alto, mas em muitas mesas nos perguntam como é que está tudo tão rico. Ademais, eu levo um ano o provando absolutamente todo para corrigir o que seja necessário, revisar… E nesses platos se nota. Também o notámos nas reseñas de Google, que são muito positivas e refletem a satisfação dos clientes.
--É difícil falar de futuro num lugar com tanta história, mas, onde vê a Taberna dentro de três ou cinco anos?
--Pois a verdade é que vamos como um tiro. Agora de facto estamos um poquito desbordados com o sucesso que estamos a ter. A partir da semana que vem estreamos mesas novas para o salão, com madeira vista, sem mantel, para lhe dar um pouco mais de rusticidad à parte do fundo. Isso é uma mostra de que cada mês ou a cada certos meses, segundo vamos crescendo, vamos investindo para subir o nível. Temos mudado a cozinha quase inteira, com o forno, as freidoras…

--Dantes contou-me que na parte de abaixo se conserva a tinaja número 6, "a cuba do francês", na que os vizinhos do bairro meteram a um soldado francês ao que deram uma surra durante a Guerra da Independência. Fale de outro rincão especial onde tenha ocorrido algo llamativo.
--A mesa que mais história tem é a que chamamos Zuloaga. Era na que se sentavam os literatos da Geração do 27, e estava todo mundo perto. Pensa que dantes o espaço do fundo não existia: o que hoje é o salão era a casa de Antonio Sánchez. Quando ele começou só dispensavam torrijas e vinho de Valdepeñas que subia por esse pequeno montacargas que ainda se conserva. As torrijas dispensavam-se também à Casa Real, e de facto há uma história curiosa relacionada com isto.
--Conte-me.
--Alfonso XIII comia as torrijas que se faziam aqui. Há uma história que lhe envolve e não se sabe se é certa ou não: num par de ocasiões, como o rei vinha a cavalo, o animal esperava fora, e muitas vezes lhe davam de comer torrijas. Em alguma ocasião, o cavalo escapou-se, e vinho até aqui só. Isso é o que contam.
