Eugeni de Diego, antigo chefe de cozinha do elBulli: “Na Pintarroja cozinho como me sinto”
O chef revela à Consumidor Global quais foram as suas principais aprendizagens na cozinha do elBulli e como aplica essa bagagem gastronómica no seu próprio projeto, o Pintarroja.

Eugeni de Diego sabe o que é cozinhar ao mais alto nível. Formado na elBulli, este chef apostou na calma mediterrânica de Menorca. Ali instalou o Pintarroja, qque foge aos clichés do restaurante tradicional de marisco. Optou por um espaço íntimo onde os comensais podem apreciar o produto sem demasiados pormenores.
Depois da sua passagem pelo templo de Ferran Adrià, este chef defende a simplicidade gastronómica bem entendida. Em entrevista à Consumidor Global, fala da marca que o elBulli deixou na sua forma de entender a cozinha, da sua ligação a Menorca e de como a Pintarroja se tornou um refúgio.
--Como nasceu o Pintarroja?
--O Pintarroja nasceu do desejo de se afastar dos clichés do restaurante tradicional de marisco. Queríamos oferecer algo mais íntimo, onde os clientes não viessem apenas para comer bem, mas também para se sentirem acarinhados. Queremos que sintam que estamos felizes por eles estarem ali. É uma proposta concebida para que se sinta em casa, um sonho de verão tornado realidade.
--Porque escolheu Menorca para este projecto?
--Tem algo muito especial. É muito diferente do resto. Tem um silêncio que não encontras noutros lugares, uma personalidade única, mais pausada e profunda. Tudo sucede a outro ritmo e isso nota-se na forma de viver e de cozinhar. Era o lugar perfeito para este tipo de projecto. Simples, sincero e conectado com o que realmente importa.
--Como define a proposta gastronómica do Pintarroja?
--A cozinha do Pintarroja não é complicada. Tentamos incorporar elementos da ilha como os azeites locais, as ensaimadas, a sobrasada, o peixe do dia... e valorizá-los, vesti-los de uma forma diferente, sem perder a sua essência. É uma cozinha simples na aparência, mas muito bem pensada, onde cada ingrediente tem uma razão de ser.

--Fala de 'cozinha honesta', a que se refere?
--Significa não esconder nada. Cozinhar a partir da verdade. Não disfarçar um produto que já é bom por si só. Significa perguntar a si próprio: "Isto melhora realmente o prato ou apenas o torna mais bonito? A honestidade também está na história, na forma como se explica o que se faz. Não prometemos o que não somos.
--Como equilibra o respeito pelo produto com a criatividade nos pratos?
-Para mim, a criatividade começa sempre com o respeito. Se não se compreender o produto, não se pode fazer nada de interessante com ele. Os mexilhões com sobrasada são um bom exemplo. Se ambos os produtos forem maus, o resultado final não será o ideal. Por outro lado, se eu tratar estes dois elementos com respeito e escolher o melhor produto e a melhor forma de o trabalhar, o prato é mágico. O segredo é observar o produto, compreendê-lo e acompanhá-lo sem o disfarçar.

Mexilhões com restos de Pintarroja CEDIDA
--Acha que os clientes de hoje estão dispostos a pagar mais por produtos frescos e locais?
--Sim, os clientes estão dispostos a pagar o que vale um bom produto, desde que tudo o que o rodeia esteja à altura. O ambiente, o serviço, a atenção aos pormenores. Ir a um restaurante não é apenas comer, é divertir-se com as pessoas que o rodeiam. E nós, como donos de restaurantes, temos a responsabilidade de tornar esse momento especial, de o fazer sentir-se confortável e divertir-se. Se o conseguirmos, o preço torna-se secundário, porque a experiência justifica-o.
--Que impressão lhe causou o facto de ter sido chefe de cozinha no elBulli?
--Foi uma experiência que me marcou profundamente. Não só pelo técnico ou criativo, mas pela maneira de olhar o oficio. No elBulli aprendi que tudo se pode questionar e que nada está escrito. Mas também aprendi a ter rigor, disciplina e a não dar nada por garantido. Foi uma etapa de formação brutal que, sem dúvida, ainda está vivo em mim sempre que entro numa cozinha.
--O que é que aprendeu ao trabalhar com Ferran Adrià que ainda hoje aplica?
--Ferran ensinou-me a pensar. A perguntar-me sempre o porquê da cada decisão na cozinha. Também me ensinou que a criatividade não serve de nada se não há uma base sólida por trás. Hoje continuo a aplicar essa filosofia. A liberdade criativa tem que conviver com a exigência e o conhecimento profundo do produto.
-- Após fazer parte de um dos restaurantes mais influentes do mundo, como foi o processo de encontrar o seu próprio caminho?
--É difícil no início. Temos uma mochila cheia de aprendizagens, mas também de expectativas. Pintarroja tem sido um exercício de desapego, de procurar a minha voz noutro lugar. Mais tranquilo e íntimo. Já não tenho a necessidade de provar nada, apenas de cozinhar o que sinto. E isso liga-me de uma forma muito mais honesta à cozinha e ao comensal.