Tenho visitado a nova loja de Hoff em Madri e parece de todo menos uma loja de sapatilhas
Luis Lara explica que a assinatura procura se consolidar como uma marca aspiracional acessível, "que eleva seu valor através do desenho, a narrativa e a experiência, reforçando um imaginário sofisticado sem alterar seu esencia nem seu público"
Nesse anúncio longo sobre Nike que é o filme Air, a personagem ao que dá vida Matt Damon recorda que as sapatilhas "são só sapatilhas até que alguém lhas põe". Algo disso há na nova flagship de Hoff, marca espanhola de calçado desportivo que saiu ao mercado em 2016. É um estabelecimento muito singular, localizado no número 39 da madrilena rua Velázquez, que demonstra como algumas marcas têm interpretado que as lojas de moda devem mudar de pele para se converter num hub de lifestyle (sim, necessariamente em inglês) onde também se vendem camisas, abrigos ou o que se tercie.
Em sua conta de LinkedIn, Fran Marchena, o CEO da companhia, explicou com orgulho que seu objectivo era "agitar o retail como nunca", e que a loja está inspirada nos grandes retailers de Seul. "Teremos ademais espaço de personalização, de clean&repair, zona de bordado, e 'the apartment' para clientes VIP... Ademais, teremos activações diferentes quase a cada dia, classes de yoga, matcha raves, pop up com marcas, jantares incríveis…"
Sucessão de experiências
Esta sucessão de conceitos em inglês que desenham um universo dinâmico, sobrecargado de experiências e com ambição wellness poderia parecer sacada de um sketch de Pantomima Full. Mas é uma descrição ajustada: a nova loja de Hoff aspira a ser uma coctelera, uma galeria e um ponto de encontro.

A proposta acordada curiosidade. Um dia de diário que ainda não é plenamente otoñal, por adiante do escaparate passam turistas acaudalados, estudantes estrangeiros que parecem não sentir falta Latinoamérica, executivos com traje e passo resolvido, cuja pressa sempre está baixo controle, e senhoras bem autóctonas do bairro de Salamanca. A maioria olha ao interior. Algum inclusive franze as sobrancelhas e escudriña o espaço. 'Mas estes não faziam sapatilhas?', parece perguntar-se.
Declaração de intenções
Uma vez dentro, as cores predominantes são os pasteles, e um sente que está num lugar criado por e para ser cool. Ao respeito, os discos de Kendrick Lamar, The Weekend, Charli XCX, Kanye West ou o Norman Fucking Rockwell! de Lana do Rei são toda uma declaração de intenções.
A de Hoff recorda, em alguns aspectos, à loja de Zara Man da rua Hermosilla, que está só a uns 300 metros: o gigante de Inditex inaugurou um local rebosante de personalidade e também instalou um café dentro. Não obstante, a sensação é que a de Zara emana mais autenticidad, quiçá porque a marca tem bem mais bagaje. De facto, quiçá Hoff ainda não saiba a ciência verdadeira que quer ser, salvo guay.
Sapatilhas sobre mármol
Outra prova de que não é uma loja normal é que as sapatilhas (com o uso audaz da cor e as costumes llamativas que são características da assinatura) estão expostas com mimo sobre mármol travertino. Em frente às mesmas há uma série de obras de arte criadas em exclusiva pelos artistas Sara Regal, Casa Antillón e Elisabeth Blumen, que têm explorado "a relação entre arte, matéria e natureza".

O desenho da loja, de 600 m² e diferentes níveis, corresponde ao estudo de arquitectura O Departamento, que tem criado "uma homenagem ao dinamismo urbano, à criatividade e à vida social madrilena".
Um anfiteatro e uma palmera
Assim, surpreende dar com uma zona que descrevem como "anfiteatro contemporâneo" na que alguns clientes se provam sapatilhas, outros olham livros de Taschen e outros escudriñan as vai ou produtos de artesanato. Mas se há um elemento que destaca neste espaço é a palmera de mimbre e metal que rende homenagem a Elche "e à tradição artesanal".

Luis Lara, diretor de Retalent e professor de ISEM Fashion Business School, explica assim o enfoque da loja: "No passado, o retail físico, as lojas cumpriam uma função transacional: o cliente entrava, comprava e ia-se. Hoje é relacional: a loja converte-se num espaço vivo, um ponto de encontro que procura gerar conversa, vinculação emocional, engagement: que o cliente fale da marca e volte".
Conexão emocional
"Num meio de consumidores hiperconectados, as lojas são mais importantes que nunca. As marcas sabem que o investimento em marketing digital é mais alta que nunca. E os espaços físicos, as lojas, converteram-se numa ferramenta de construção de marca mais que de venda direta. Hoff entendeu-o muito bem: suas lojas complementam a conexão digital com seus clientes através de seus canais on-line, criando conexões emocionais", arguye Lara.
A julgamento deste experiente, a mensagem que transmite Hoff ao investir num flagship de 700 m² em Velázquez é claro: "Não somos sozinho sneakers, somos cultura urbana, desenho e comunidade. Este tipo de espaço, com um relato estético e sensorial cuidadosamente construído, procura multiplicar o valor percebido da marca, mostrando que Hoff não vende simplesmente sapatilhas de 120 euros, sina uma experiência de pertence e estilo de vida", expõe.
'Sneaks'
Neste sentido, outro dos pontos de referência é Sneaks, uma cafeteria pop-up cuja proposta actualizar-se-á a cada seis meses. Por agora, uma cookie custa 3,70 euros, e uma porção de matcha brownie, 4,20 euros. "Sneaks é um ponto de encontro onde a energia criativa se funde com sabores que inspiram. No coração de Yoyogui espera-te um matcha japonês de Shizuoka e um café tostado com maestría em Europa. A cada aroma e a cada sorbo acordam uma nova forma de olhar, sentir e estar presente", proclamam.
O que não vem de Europa são as sapatilhas: Hoff, de coração ilicitano, fabrica maioritariamente em Ásia, mais especificamente em Chinesa. "Quando queres esmaecer essa linha entre qualidade, desenho e confort, trabalhar aqui é muito complicado pelos preços. Nossa desportiva, ademais, tem muita complexidade, muitíssimas peças, muitos materiais, muitas cores, e muito aparado, isto é, muita mão de obra", respondeu Marchena ao Jornal quando lhe perguntaram se se propunha acercar a produção.

Valores, estética e propósito
Ao respeito, o consumidor médio, crê Lara, especialmente o urbano e digital, tem deslocado o foco desde o 'made in' para o 'made of': "Já não importa tanto onde se fabrica, sina de que está feita a marca —seus valores, sua estética, seu propósito. Com esta loja procura o impacto das experiências que gerem um halo de qualidade que eclipse o dado de que se fabrique em Chinesa ou Vietname", arguye.
A intenção é, em definitiva, "que a emoção pese mais que a procedência do produto". Com tudo, caberia se propor se já não provoca emoções o facto de que umas sapatilhas tenham sido costuradas em boas ou más condições trabalhistas.
"Imaginário sofisticado"
Perguntado por se um espaço assim de singular pode dar a entender que Hoff quer captar a um público de maior poder adquisitivo, Lara acha que a assinatura não procura converter numa marca de luxo, "sina numa marca aspiracional acessível, que eleva seu valor através do desenho, a narrativa e a experiência, reforçando um imaginário sofisticado sem alterar seu esencia nem seu público"
O motor da história, fica claro, é o desejo: "Hoff, ao igual que marcas como ALO Yoga ou Lululemon, não compete por exclusividad, sina por deseabilidad, procurando gerar comunidade e que o consumidor senta que compra algo com identidade e alma, o que justifica seu posicionamento affordable premium".